Golden State. (Camren)

By milabedumb

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Quando Lauren Jauregui recebeu a oportunidade de deixar Winston City e se mudar para a cidade vizinha, por um... More

Ponta pé inicial
Capítulo 1: Bem-vindo a Grand Water
Capítulo 2: Armário Número 3
Capítulo 3: Go, Hawks!
Capítulo 4: A Lista dos Mais Provavéis
Capítulo 5: Eu só jogo a isca, Jauregui
Capítulo 6: Luau em Deer Bay
Capítulo 7: Você fez tudo o que eu queria que fizesse
Capítulo 8: Um encontro?
Capítulo 9: Noite dos Vinhos
Capítulo 10: Olá, me chamo... Lauren
Capítulo 11: Eu não vou ceder para você
Capítulo 12: Destino? Molina Port
Capítulo 13: Estrela da sorte
Capítulo 14: Corrida pelo ouro
Capítulo 15: Amém, George Washington!
Capítulo 16: Leilão Silencioso
Capítulo 17: Só você.
Capítulo 18: Eu juro que não amo o drama, ele que me ama.
Capítulo 19: Café da manhã
Capítulo 20: The Lucky One (Parte 1)
Capítulo 20.1: The Lucky One (Parte 2)
Capítulo 22: Acha que vale a pena?
Capítulo 23: Descobertas
Capítulo 24: Bem-vindo a Winston City
Capítulo 25: Decisões
Capítulo 26: EARWOOD x DEPORT (Parte 1)

Capítulo 21: Xeque-mate

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By milabedumb

Narrador POV

— E na raia oito... o nome dela é Lauren Jauregui, mas podemos chamá-la de Lauren Jaguar, não é, Johnny?

Em suas cabines, os narradores anunciavam as corredoras e suas respectivas posições, aquecendo-se para mais uma corrida pelo Campeonato Estadual de Atletismo da Califórnia.

— É sim, Evan! Jauregui é rápida e ágil, o pesadelo de muitas velocistas, e gosta de empilhar medalhas. Não é à toa que ela ocupa o posto de capitã da equipe de atletismo em Earwood High School, e é campeã municipal de 2023!

O homem continuou. As vozes das narrações ecoavam pelo campo do colégio de Richspring, se perdendo em meio aos gritos animados dos demais alunos.

— Laur! — Normani sacudiu o pompom, chamando a atenção da amiga, que se limitou a acenar com a cabeça. — Você consegue! Vamos!

No celular dela, Camila enviava algumas mensagens, sentindo um pouco de remorso por ter acordado indisposta e com uma dor de cabeça incômoda atrás dos olhos. Lauren percebeu os sintomas rapidamente e implorou pelo seu repouso, mesmo que a consequência fosse não tê-la nas arquibancadas durante a corrida.

Cabello acabou cedendo ao seu pedido, com medo de atrapalhar a atleta de alguma forma; por mais que perder o campeonato — e ser contrariada — fossem coisas que não lhe agradassem.

Camila Cabello
A Jauregui já entrou na pista?
Manda uma foto

Normani Kordei
[FOTO]

Camila Cabello
Mani, é uma foto da Lauren, não sua

Normani Kordei
Ata
[FOTO]

Fotografou a morena enquanto ela alongava a perna, dobrando-a por trás e segurando-a pela ponta do pé.

Na raia sete, temos Suzan Brown, de Peak School, que detém o recorde da competição na modalidade dos 100 metros com barreiras! Brown finalizou a prova em incríveis 13.13 segundos. Atrás dela, Jauregui é a segunda colocada no ranking, com 13.15!

Lauren respirou fundo, sem conseguir escutar direito o que os narradores falavam. Porém, aquilo não importava no momento. Toda a sua concentração deveria ser depositada na pista.

— Na última corrida, Brown se saiu melhor. Agora, vamos descobrir se alguma das duas subirá ao pódio, ou se teremos outra velocista nos surpreendendo!

— Algo me diz que essa corrida será interessante, Evan. Alunos, preparem os seus baldes de pipoca!

Às vezes, a Jauregui gostava de sentir a pressão. Gostava de que todos duvidassem e, de certa forma, torcessem contra ela, porque a vitória sempre se tornava mais satisfatória no final. Era como olhar para todas aquelas pessoas e dizer: "vocês não me querem aqui, mas precisam que eu esteja aqui".

— Isso aí! Lembrando que é expressamente proibido que os alunos tirem a roupa enquanto torcem! Fiquem de roupa, pelo amor de Deus!

— Essa geração 'tá cada vez mais esquisita...

A atleta dos olhos verdes esfregou as mãos no short de corrida. Ao checar as palmas, não pôde conter o sorrisinho bobo que brincou nos seus lábios, fitando os desenhos ali, um pouco borrados pelo suor do nervosismo que escorreu pela tinta do delineador. Eram pequenas estrelas, rabiscadas pela Camila com o intuito de dar sorte à Lauren, igual fez em Molina Port. Um ato de afeto que aquecia o seu coração.

— Atenção, atletas! Em suas marcas... — Lauren ajeitou a postura, inclinando o corpo para frente enquanto posicionava os pés nos blocos de partida, apoiando as pontas dos dedos na pista. Não poderia mais distrair-se. — Preparar... — Ergueu levemente o tronco, levantando a cabeça e encarando as barreiras como quem encarava montanhas a serem escaladas. Sabia que precisava somente do quinto lugar para se classificar. Entretanto, queria o primeiro, e queria muito. Seria finalizar a sua viagem a Richspring com chave de ouro.

Por isso, quando a buzina tocou, ela soube o que tinha de ser feito.

— Boa largada de Brown! Essa garota corre!

Lauren pulou o primeiro obstáculo.

— Jauregui aperta! A disputa está acirrada!

Duas.

Três.

Quatro barreiras.

Quatro saltos perfeitos e ágeis.

— A Jauregui dispara, ela não quer ficar 'pra trás! A vitória vai caindo nas mãos de Grand Water, mas Brown segue na disputa!

Cinco.

Seis.

Sete.

— E lá vem ela, com o primeiro lugar do pódio!

Oito.

Nove.

Dez.

— Lauren Jauregui, de Earwood High School, vence a corrida! O segundo lugar fica com Suzan Brown, de Peak School, e o terceiro é dela, Mary Howard, de Griffith High School! Parabéns a todas as atletas que competiram!

A morena jogou os braços para cima, sorrindo de orelha a orelha, e foi recebida pelas suas colegas de equipe com abraços apertados e gritos animados. Mal podia acreditar que tudo tinha dado tão certo em Richspring.

(...)

Lauren Jauregui POV
Grand Water, Califórnia
Sábado. 09:30

— Cadê a minha netinha querida? — Harriet abriu a porta dos fundos da casa, adentrando ao nosso pequeno quintal.

Seguindo a tradição da família Jauregui, as minhas conquistas no atletismo deveriam ser celebradas com hambúrgueres comemorativos. E, bem, eu tinha atingido feitos importantes ao longo dessa semana; primeiro, com a entrevista para a Nike e, depois, com a vitória de ontem. Mereço um almoço especial!

— Eu estou aqui, vovó!

Levantei a mão, sentada sobre o banco de madeira posicionado no gramado, junto à mesa.

— Não 'tô falando de você não, Lauren. 'Tô falando da Camila!

Senhor, por favor, me ajude...

— A Camila não é sua neta, Harriet. A gente nem namora ainda! — De maneira inconsciente, acabei piorando a situação. Não tinha necessidade alguma de adicionar aquele "ainda" à frase. — Eu não tenho namorada, ponto! Para de implicar com isso!

— Não namoram ainda, é? — Ergueu as sobrancelhas de forma sugestiva, e eu senti vontade de cavar um buraco na grama e enfiar a minha cabeça lá dentro. — Ouviu essa, Clara?

Camila
Só para confirmar
É um almoço casual, certo?

Falando no diabo...

Lauren
Camz, todas as confraternizações na minha casa são casuais

Camila
Ok
Já estou chegando

— Mãe, deixe a Laur-Laur em paz! — Ao menos, Clara tentava colocar um pouco de consciência na cabeça da mais velha. — Suas amigas virão 'pro almoço, filha? — Parou atrás de mim, passando a acariciar os meus cabelos de maneira calma.

— Uhum! — Confirmei com a cabeça. — Todas elas. Aliás, você não pode deixar nenhum objeto cortante perto da Sofia, porque tem grandes chances de ela tentar esfaquear a Vero.

— Ah, não, terminaram? — Minha mãe pareceu surpresa com a notícia. — Por quê? As duas são tão bonitinhas juntas! Sofia é um anjo de menina, a Veronica precisa dela 'pra ver se cria um pouco de juízo naquela cabeça.

— Adolescentes são assim, Clara, daqui a pouco se acertam! Você não 'tá focando na parte importante, criatura! — Harriet deu um tapinha no ombro da filha. — A sua nora é uma Cabello!

— Vovó, contenha-se, ok? — Quase implorei, por mais que soubesse que aquilo era uma missão impossível aos olhos de Harriet. — Todas as minhas amigas estarão aqui, inclusive a Camila, então, por favor, não me faça passar vergonha na frente de ninguém! E, pelo amor de Deus, não insinua que a gente namora 'pras garotas. Eu vou literalmente me jogar na frente de um caminhão se você fizer isso.

— Credo, Lauren, quanto drama, hein!

— Família, cheguei! — Pablo, o meu ex-padrasto, apareceu no nosso quintal. Atrás dele, estavam a sua atual namorada, Catarina, o meu irmãozinho mais novo, Levi, e... — Olhem só quem eu encontrei no jardim da frente!

E a Cabello, é claro!

— Bom dia... — Disse a morena, deixando um sorriso envergonhado crescer em seus lábios róseos. — Espero não estar atrapalhando em nada...

Aliás, é esse o seu conceito de "casual"? Quer dizer, é melhor do que eu esperava; imaginei que ela apareceria aqui com estampas da Gucci e botas da Prada. Mas também não é um visual básico, e esse sobretudo com certeza deve custar mais dólares do que eu posso chutar agora. E se formos debater o preço dos acessórios, então... o valor da minha casa pode estar nessa bolsa. Ou pior, nesses óculos de sol!

— Bom dia, querida! Não, você não atrapalha de jeito nenhum! — Clara logo ficou empolgada, caminhando em direção a ela. Camila soube articular tão bem as situações nas quais esteve aqui em casa, sendo uma maldita bajuladora de mães e avós, que essas duas genuinamente gostaram dela. Só faltou colocarem um tapete vermelho no gramado para receberem-na. — Você trouxe um prato? Não precisava! — Pegou a travessa de vidro das mãos da Cabello, sorrindo de orelha a orelha. — Muito obrigada pela sua gentileza!

— Não há de quê, Sra. Jauregui. É um agradecimento pelo convite para o almoço e pelo ótimo café da manhã terça-feira. E um pedido de desculpas também, por conta das inconveniências. — Deu de ombros, sempre cheia de etiquetas e de bons modos na hora de falar com os mais velhos. Nem parecia a mesma Camila que ficava dizendo coisas sujas no meu ouvido, ou ofendendo os outros gratuitamente na rua... — Espero que gostem, é uma salada de massa grega. Segundo os cozinheiros, combina muito bem com hambúrgueres.

— Tenho certeza de que vamos gostar, Camilinha! Venha, fique à vontade! — É claro que a fã número da Cabello foi paparicá-la de braços abertos. Precisava lembrar à Harriet de que a sua casa tem uma equipe de cozinheiros, Camila?! — E deixa esse negócio de "senhoras" 'pra lá! 'Pra você, somos Harriet e Clara.

— Laur-Laur! — Levi pulou em cima de mim de surpresa, quase me derrubando do banco. Mais afastada de nós, Camila sorriu enquanto observava a cena, sem se importar em esperar um pouco para me cumprimentar. O menor encheu o meu rosto de beijos carinhosos, abraçando-me firmemente. — Eu vi um vídeo da sua corrida! Você fez, tipo... vruuum! — Imitou o som de um carro acelerando e eu caí na risada, abraçando-o de volta. — Foi muito legal!

— Obrigada, maninho! Não foi nada demais, você é muito mais rápido do que eu! — Deixei um beijo estalado na sua bochecha. — Depois a gente pode apostar uma corrida, o que acha? Mas você tem que pegar leve comigo!

— Ô, Laur... — Chamou baixinho, apontando com a cabeça em direção à Camila. Oh, não, até o meu irmão mais novo caiu nas garras dela? Ninguém consegue escapar das suas graças! — A sua amiga é da televisão?

"Da televisão"? — Franzi o cenho, lançando um olhar discreto para ela, que passou a caminhar até nós. — Como assim?

— Ela é muito bonita, parece de filme...

Levi se encolheu de vergonha ao perceber que a "garota da televisão" se aproximava, fugindo do meu colo e correndo para o colo da nossa mãe. A propósito, ah, meu Deus, a madrasta do meu irmão e ela estão conversando? Esse almoço irá se transformar numa cena de crime!

— Oi, Lauren.

Camila apoiou a mão no meu ombro, sorrindo de maneira contida enquanto o apertava levemente. Nós combinamos que ela chegaria mais cedo do que as outras garotas, porque, assim, teríamos um tempinho para aproveitarmos sozinhas no meu quarto; se ninguém resolvesse empatar.

— Oi, Camila.

Fiquei de pé, beijando a sua bochecha. Era engraçado como os nossos cumprimentos públicos soavam meio engessados e envergonhados. Isso porque nós duas já estávamos acostumadas a simplesmente nos beijarmos, sem grandes rituais.

— Dormiu bem? — Provocou, erguendo as sobrancelhas. Eu tive as três melhores noites de sono da minha vida ao lado dela, logo, dormir sozinha hoje foi entediante e até mesmo solitário. A sua respiração havia se transformado na minha canção de ninar favorita. — Vejo que está feliz.

Pois é, a minha felicidade estava nítida e estampada na minha cara.

Não é sempre que eu tenho tantos momentos de glória; normalmente, apenas desgraças acontecem comigo, uma atrás da outra, em efeito dominó. Porém, as coisas foram diferentes nesses últimos dias. No atletismo, me chamaram para uma entrevista com a melhor marca de roupas esportivas que existe e voltei de Richspring com uma medalha de ouro pendurada no pescoço. No meu quase-relaciomento-ou-algo-parecido com a Camila, nós dormimos juntas pela primeira vez, ela confiou em mim para cuidar dela, e me permitiu conhecer um pouco mais sobre a sua vida.

Além de ter respondido de maneira positiva à minha declaração.

Sendo sincera? Não sei como me declarei; simplesmente escapou. Olhei para aquela garota e não suportei o fato de que ela não fazia ideia do quão intensos os meus sentimentos eram.

— Camila, eu gosto de você. — Falar aquilo em voz alta, e com ela consciente, foi igual a me livrar de trezentos quilos de cima das minhas costas. — Eu gosto muito de você. De um jeito quase idiota e, às vezes, frágil e inseguro. Mas eu gosto, gosto 'pra caralho.

É idiota porque eu me sinto idiota de vez em quando; o tipo de pessoa que tiraria a jaqueta e colocaria na poça d'água apenas para que ela não molhasse os seus pés. E é frágil e inseguro porque tenho medo de perder a sua atenção; medo de, sei lá, morrer na praia, antes que a gente consiga elevar os níveis da nossa relação. Medo de não ser suficiente para uma pessoa que sempre teve tudo do bom e do melhor.

Por isso, ouvir Camila dizendo que também gostava de mim acalmou o meu coração, caindo sobre os meus ombros como um cobertor quentinho numa noite de inverno. Eu poderia lidar com as minhas inseguranças; poderia trabalhar a minha autoconfiança, resgatando-a das pistas de corrida e a aplicando também na vida real. Eu poderia, e eu vou, fazer de tudo pela Cabello.

Vê-la vulnerável daquele jeito, buscando em mim um porto seguro para depositar as suas frustrações, apenas tornou-me ainda mais tola. Sim, eu sou uma tola por ela, e tudo mudou agora. Na verdade, arrisco dizer que a minha vida inteira mudou no momento em que a beijei pela primeira vez.

— Dormi bem, e você? — Apoiei a mão na sua cintura, retirando-a rapidamente ao notar os olhos de águia de Clara e Harriet; que não nos deixariam em paz caso notassem algum clima diferente. Camila ter chegado mais cedo do que as outras já era suspeito o suficiente! — Tenho motivos de sobra 'pra estar feliz.

— Que bom, Jauregui. — Piscou, afastando-se um pouco de mim; para o bem da nossa saúde mental.

— Mãe, cadê a minha medalha? — Elevei o tom de voz, tentando ser ouvida pela Clara.

— Eu coloquei no seu quarto, né, Lauren? — Avisou, distraída ajudando Pablo com a grelha. — Você fica deixando tudo jogado por aí! Falta só espalhar as suas cuequinhas pelo chão da sala.

Mãe?! — Resmunguei frustrada, jogando a cabeça para trás e ouvindo Camila rindo sem parar. Sério, 'pra que chamar as minhas cuecas pelo diminutivo na frente dela?! — Vem, Cabello, eu vou te mostrar a medalha. — Segurei-a pelo antebraço, traçando o nosso caminho em direção à porta dos fundos da casa. Não vou suportar mais interações entre essa garota e a minha família.

Hã-ham! — A mais velha pigarreou e nós fomos obrigadas a parar de andar. — Volta aqui, mocinha! Nada de fechar a porta do quarto, ouviu?

— Mãe, qual é...

Clara e Harriet não vão parar de me fazer passar essa vergonha federal?!

— Porta aberta e ponto final! Você conhece as regras muito bem! — Disse, firme, vestindo o seu avental de mamãe-preocupada-e-tradicional. — Não me entenda mal, Camila, não é nada com você, mas é o melhor para todo mundo, em respeito aos seus pais também.

— Não se preocupe, Sra. Jauregui, não é um problema. — Assentiu com a cabeça, erguendo aquela pose impecável de "boa moça"; que quem não conhece confia de olhos fechados de tão bem arquitetada que é. — Nós estamos na sua casa e respeitamos as suas normas.

Ah, claro que respeitamos...

— Obrigada, querida. Viu, Laur-Laur? A Camila entende! — Minha mãe sorriu, acariciando o ombro da mais nova. — Juízo, crianças!

Soltei um suspiro e me preparei para debater com ela, sendo surpreendida pela mão da Cabello indo ao encontro da minha e entrelaçando os nossos dedos, estimulando-me a continuar caminhando até a casa. No final, percebi que essas mulheres mandavam em mim, e não tinha nada que eu pudesse fazer senão obedecê-las.

— Você é uma mentirosa, Jauregui. — Disse assim que chegamos no meu quarto. — Eu já vi essa medalha.

Isso era óbvio; a primeira coisa que eu fiz ao chegar no hotel (depois de tomar um banho) foi correr até o quarto de Camila e mostrá-la para a líder...

Richspring, Califórnia
Sexta-feira. 09:42

— Lauren! — Fui surpreendida por Camila pulando em cima de mim numa espécie de abraço de coala. Não sei como não cai no chão, cambaleando algumas vezes antes de conseguir me firmar, apoiando as mãos na sua bunda. — Sua filha da puta! Não acredito que você venceu! Eu nem 'tava lá!

— Desculpa, Camz... — Ri baixinho, morrendo de vontade de beijá-la. Era o único prêmio que eu queria; nem mesmo a medalha importava. — O médico veio? Você 'tá bem?

— Eu 'tô ótima... — Prendeu o meu rosto entre as mãos, largando-o no momento em que percebeu a medalha pendurada no meu peito. — Hmm, o ouro te cai bem, sabia?

— Não mereço um beijo de parabéns? — Curvei os lábios em um biquinho pidão.

— Parabéns, meu bem... — Aquele apelido acabava comigo e Cabello sabia disso. — Você merece muito mais do que um beijo...

:

A gente tinha pouco tempo, precisávamos retornar a Grand Water. Mas, bom, digamos que eu estava bem rápida ontem, se é que vocês me entendem...

Além disso, ouro deixa a Camila mais tarada do que ela já é — olha que nem era de verdade.

— Sim, mas a Clara não precisa saber disso. Era uma desculpa 'pra gente sair de lá... — Movi a cabeça de um lado para o outro, analisando os corredores antes de encostar a porta, de maneira que ninguém pudesse ver o que a gente estava fazendo lá dentro.

— Nossa, a sua mãe pediu 'pra você deixar a porta aberta e você a encostou? — Ela se sentou na cama, deixando o seu tronco cair para trás e apoiando-o no colchão pelos cotovelos. — Que garota rebelde...

— Eu sou uma rebelde declarada, Cabello. — Afirmei com a cabeça, arrancando o meu moletom e ficando apenas de camiseta. — Achei que já soubesse disso... — Caminhei até a morena, parando em sua frente.

— Claro que é, Laur. — Revirou os olhos, não atribuindo muita credibilidade à minha pose de bad girl. — Essa medalha é mais pesada do que parece.

Camila segurava a minha gratificação por ter ganhado a corrida em Richspring, girando-a de um lado para o outro.

— Quer ver as outras? Tenho várias. — Eu não perderia a chance de me exibir um pouquinho, ainda mais para ela. Afinal, Cabello já deixou bem claro que acha muito sexy o fato de eu ser atleta. — Já ganhei alguns troféus também.

— Eu 'tava olhando daqui os prêmios nas suas estantes. É muita coisa... — Abriu aquele sorriso que eu conhecia muito bem, colocando a medalha em volta do meu pescoço e puxando-me pela cordinha até que os nossos rostos estivessem próximos. — Você é mesmo rápida, não é, Jauregui?

— Não sei... sou? — Corri as mãos pelas suas coxas, apertando firmemente, sem me importar com a presença da minha família no quintal. — Você gosta disso?

— Se eu gosto disso? — Aproximou a boca do meu ouvido, deixando o seu tom de voz se derreter num misto dos seus desejos mais aflorados. — Eu adoro quando você faz rápido...

— Camila... — Choraminguei, sentindo a excitação se espalhando pelo meu corpo e enviando pontadas dolorosas para o meu pau. Essa maldita conseguia me deixar dura em um passe de mágica. — Não me provoca se a gente não for fazer nada...

— E não vamos. — Negou com a cabeça, depositando um selinho rápido sobre os meus lábios e me empurrando para longe pelos ombros. — Seria falta de respeito com a sua família, principalmente com a sua mãe. E eu não quero ninguém lá fora pensando que eu sou uma desvirtuada que te leva 'pro mal caminho.

— Camz, para com isso, a minha mãe sabe que eu não sou mais virgem, ela não acha que você vai arrancar a minha pobre inocência. Dona Clara só é chata com essas coisas porque ficou grávida de mim na adolescência e tal. Quando comecei a namorar, ela me fez assistir a uns dez documentários sobre preservativos. Tinha um desenho animado de uma camisinha ambulante que me deixou traumatizada. — Brinquei, rindo baixinho, mas Camila não achou graça. Muito pelo contrário, fechou a cara, certamente porque lembrou-se de quem era a minha namorada antes de nós nos conhecermos; a psicopata que ela queria torcer o pescoço. — O que quero dizer é que você não precisa ficar se preocupando à toa...

— Você tinha um namoro conservador, então? Interessante... — Ficou de pé, começando a caminhar pelo cômodo de maneira calma. Eu havia passado boa parte da manhã arrumando as minhas coisas, porque estava tudo bagunçado quando Camila veio aqui pela primeira vez, e eu não queria lhe dar a impressão de que, além de uma pobre com um quarto menor do que o seu closet, também era uma desorganizada. — Por isso queria dormir no chão naquele dia? Sua ex-namoradinha sem graça dormia no quarto de hóspedes, é?

— Não enche, Cabello! É claro que não. — Foi a minha vez de revirar os olhos, a seguindo. Quarto de hóspedes, essa boa! Eu tenho que agradecer aos céus por ter um quarto para mim e essa doida acha que a gente tem quarto de hóspedes. — 'Pra quem diz não se lembrar de nada sobre essa noite, você anda tendo uns lampejos de memória bem interessantes...

— Eu lembro de algumas coisas, sim. Mas nada muito claro. — Pegou um dos porta-retratos de cima do gaveteiro de madeira. Era uma foto minha no auge dos meus doze anos, com um corte de cabelo esquisito (Vovó Harriet cortava) e muita acne no rosto. Senti vontade de me matar, mas Camila sorriu: — Que fofa. Era uma competição?

— Aham, uma das primeiras que eu participei. Fui eleita a melhor atleta infanto juvenil de Winston City. — Arranquei aquele porta-retrato das suas mãos, colocando-o de volta no lugar, morrendo de vergonha. E a desgraçada começou a futricar os outros no mesmo instante.

Não era nada demais; fotos em família, fotos com as minhas amigas, fotos segurando medalhas e troféus...

— É o seu pai? — Apontou para a imagem de Owen pegando-me no colo; eu ainda era um bebê e ele ainda estava vivo. Assenti com a cabeça e Camila não falou mais nada. — Olha só... — Se interessou pelo única imagem que me mostrava sozinha, sentada num dos sofás da mansão da família Iglesias enquanto segurava uma garrafinha d'água e um isqueiro; apenas porque Veronica disse que me deixaria sensual. E não errou! — É desse ano?

— Uhum. Não vou mentir, eu fiquei muito gostosa nessa aí.

— Hmm... — Fingiu analisar o retrato, girando um pouco a cabeça para depositar um beijo rápido sobre os meus lábios. — É, até que ficou bonita.

"Até que ficou bonita"? — Repeti, tendo um bocado de indignação transparecendo na minha voz. — É assim que você elogia a pessoa que gosta?

— Jauregui, não começa. — Bufou irritada, devolvendo o porta-retrato ao gaveteiro. — Você é implicante 'pra caralho, puta que pariu.

A verdade é que Camila não estava lá tão preparada para assumir o que sentia por mim — e ficava fugindo sempre que eu tentava trazer o assunto à tona novamente.

— Você gosta, não gosta? — Puxei-a pelo seu sobretudo, impedindo-a de fugir. — Palavras suas. Só 'tô repetindo.

Eu entendo que não tenha sido algo premeditado, e que a princesa-herdeira prefira afogar a si mesma numa banheira à admitir em voz alta que sente algo por alguém que não seja desprezo, raiva ou indiferença. Porém, não vou deixá-la erguer um muro em volta de si e se esconder de mim; não mais.

— Você está louca, querida. — Continuou se fazendo de difícil, apoiando as mãos fechadas em punhos sobre o meu peito e mordiscando a minha mandíbula levemente. — Eu bati a cabeça e saí por aí falando coisas sem sentido. E é muito descortês da sua parte ter se aproveitado disso, sabia?

— Eu me aproveitei, uhm? — Ergui as sobrancelhas, sabendo que aquilo tudo não passava de pura birra. Já aprendi a ler a essa patricinha mimada. — Logo, aqui em casa, quando você disse que gostava de mim antes de apagar, eu estava me aproveitando também?

— Claramente. — Concordou com a cabeça. Que garota endemoniada! — Se aproveitando da minha embriaguez.

Aaah, é? — Não pude segurar a risada, vendo que Cabello também se esforçava para não acabar rindo. — Então você se lembra de ter dito isso quando dormiu aqui?

— Se eu me lembro? — Franziu a testa, torcendo os lábios como quem revirava as próprias memórias e não encontrava nada. — Nah, não lembro não. Inclusive, acho que a sua imaginação 'tá muito aflorada. Eu que bebo e bato a cabeça, e você que começa a alucinar, Jauregui?

Cabello, Cabello... — Cantarolei, prendendo o seu rosto entre as mãos. — O que eu faço com você, hein?

— Comigo? Você faz o que você quiser... — Ela voltou a me provocar e, quando tentei beijá-la, conseguiu escapar de mim, sorrindo com o lábio inferior preso entre os dentes. — Desde que seja bem gostoso...

Porra, ouví-la falando desse jeito é golpe baixo...

— Vem aqui, vem... — Dei um passo à frente, assistindo Camila dar um passo para trás no mesmo instante. — Camz, não faz assim, para de fugir...

Hã-hã. — Negou com a cabeça. — Vai ter que me pegar.

Anunciou, se afastando ainda mais de mim. E eu mal acreditei quando a líder teve a audácia de começar a correr pelo quarto.

Ah, pronto?!

Acelerei os meus passos, e a Cabello entrou em um genuíno desespero assim que percebeu que não conseguiria ser mais rápida do que eu nem se usasse todo o seu esforço.

— Laur, saí! Não vale! LAUREN! — Protestou, começando a se debater ao ser alcançada por mim e presa entre os meus braços. — Eu esqueci que você corre rápido assim! PARA! — Em meio a risadas, iniciei uma torturante sessão de cócegas nela, resolvendo dar a ela uma colher de chá e deixá-la tentar correr outra vez. De maneira inteligente, Camila ficou de pé em cima da minha cama, pegando uma das almofadas e a tornando um escudo. — Não vou ter pena de você não, ouviu?! Saí 'pra lá!

— Camz?! — A minha barriga começou a doer de tanto rir. — Você 'tá me ameaçando com uma almofada do Ligeirinho?!

— Filha, o que eu falei sobre a porta do quarto, hein?! — Dona Clara gritou lá de fora. Vai ver, o seu sensor materno sentiu que eu a desobedeci. Se bem que era estranho que a Camila estivesse gritando pelo meu daquele jeito... até que a gente conseguisse explicar que não passava de um inocente pega-pega... — Abre! Agora!

— Urgh. — Fiz o que a mais velha mandou, abrindo a droga da porta. Camila sorriu aliviada e desceu do colchão.

— Laur, é sério, não faz mais cócegas em mim. Eu não gosto disso. — Começou a choramingar igual a um 'bebêzinho'. Acho que o Levi é menos dramático do que ela.

— Desculpa, linda... — Apliquei uma certa dose de dengo à minha voz, abraçando-a pela cintura. De primeira, a Cabello virou o rosto, irritada comigo. Mas relaxou assim que beijei o seu ombro, tentando amansar aquela fera indomável. — Prometo que não faço mais...

— 'Tá bom...

Enlaçou os braços no meu pescoço, me beijando sem mais rodeios.

E, porra, não foi um beijo qualquer. Camila me beijou de uma maneira que, com certeza, arruinou com a minha vida. Porque, por um instante, eu senti que nunca mais me contentaria com nenhum outro beijo que não fosse o dela.

— Me mostra os outros prêmios... — Murmurou contra a minha boca, colocando um ponto final no contato entre os nossos lábios antes que fosse tarde demais. Ela parecia disposta a respeitar a presença da minha família em casa. Coisa que não fizemos nem na mansão dela, mas tudo bem.

— Quer ver os troféus que já ganhei em competições de Grand Water?

Caminhei até a minha estante. Gostava de passar um tempo com a Camila, mesmo sem nada sexual envolvido.

(...)

— Mais uma! Mais uma! Mais uma!

Minhas amigas pediram em um coro. Revirei os olhos e deixei o violão de lado, cansada de entreter aquele público exigente.

Nós estávamos sentadas sobre uma grande toalha de piquenique no gramado do meu quintal, já devidamente alimentadas pelos hambúrgueres e jogando conversa fora. Allyson havia insistido em me ouvir tocando alguma coisa, por isso, peguei o violão. Mas elas só querem 'musiquinhas' chatas.

— Chega, se eu cantar outra música do Ed Sheeran, têm pessoas aqui que vão se suicidar.

Brinquei, analisando Veronica e Sofia minuciosamente, sentadas longe uma da outra como se fossem Terra e Netuno.

Iglesias tentou conversar com a Carson várias vezes, porém, foi ignorada de novo e de novo. Admito que eu estava morrendo de pena da minha melhor amiga; e não aguentava mais receber links de músicas da Phoebe Bridgers. Daqui a pouco, até eu vou chorar pela Sofia ao som de Scott Street.

— Gente, desculpa, eu não 'tô entendendo. A Sofia e a Vero terminaram?

Normani não foi nada delicada com aquele assunto que nós tentávamos varrer para debaixo do tapete, evitando causar algum tipo de incômodo desnecessário durante o almoço.

— Mani?! Você 'tava lá! — Allyson lembrou. Tipo, ela literalmente assistiu ao término em tempo real!

— Sei lá, o meu cérebro exclui tudo o que vocês falam quando não está relacionado a mim. — Deu de ombros, analisando as próprias unhas.

— Garotas! — Vovó Harriet interrompeu a conversa. — Parem com essa roda de cantoria, nem parecem adolescentes! É até sem graça ficar fiscalizando vocês. Na minha época, a gente roubava garrafas de whisky e se enfiava num porão.

— Sra. Jauregui, nós estamos debatendo sobre o fim do namoro da Iglesias e da Carson. — Hailee explicou. — Aliás, a senhora me deve dez pratas.

Espera aí, a Steinfeld e a minha avó apostaram no namoro da Veronica?!

Aaah, verdade! E eu não vou te pagar nada não, garota. Pede dez pratas 'pra um dos seus pais gays e ricos! — Sem hesitar, empurrou Sofia para o lado, sentando junto com a gente. — Me diz, Sofi, o seu namoro acabou por causa da minha neta? Porque já vi Lauren e Vero dormindo de conchinha no sofá.

As meninas caíram na risada; Harriet sempre fazia a alegria delas. Camila estava sentada ao meu lado e balançou a cabeça negativamente, me encarando de sobrancelhas erguidas. O que foi? Amigas não podem amar uma à outra?

— O nosso namoro acabou porque a Sofia ouviu uma mentira e não quer acreditar em mim, vovó. — Veronica alfinetou.

De fato, o relacionamento das duas chegou ao fim graças a uma história inventada, afinal, Iglesias não deu em cima de ninguém e sempre foi fiel à sua namorada; algo que nem eu acreditava que fosse possível!

Acontece que, em Grand Water, todos nós estamos cercados por mentiras contadas pelas pessoas que falam demais.

— O nosso namorou acabou porque você é uma idiota, Iglesias!

Carson rebateu, ficando de pé antes de marchar pelo gramado. E é claro que a sua ex-namorada foi atrás dela.

Será que, nas minhas brigas com a Camila, a gente soa desse jeito tão... bobinho? Estou com uma vontade imensurável de amarrar essas duas juntas e só deixá-las saírem quando se acertarem. O meu ouvido não é penico!

— Garotas, aprendam uma coisa com a vovó aqui... — Harriet chamou a nossa atenção. Nem quero saber qual vai ser a lição da vez... — Às vezes, o namoro parece um conto de fadas, aí o seu namorado acorda um dia e te pede 'pra colocar droga na calcinha e ajudar ele a traficar 'pro Uruguai. Nem tudo é perfeito! Temos que saber a hora de seguir em frente.

— Vovó?! — Segurei a risada. Já ouvi essa história antes e morro de medo de perguntar se existem chances desse cara ser o meu avô... — Vai lá fazer crochê, vai. Os seus anos de rock'n roll chegaram ao fim.

— Deixa de ser abusada, Lauren?! — Me encarou seriamente. — Eu vou mesmo, crochê é mais divertido do que essas músicas depressivas de vocês!

— Eu vou junto! — Dinah falou. Agora que ela conheceu Harriet, a possibilidade das duas virarem melhores amigas são enormes.

— DJ, senta! — Às vezes, Camila fala com as pessoas como se elas fossem os cachorrinhos dela. E eu sei que é involuntário, mas não deixa de ser engraçado para caramba. Não existe nada mais Camila Cabello do que isso. — Não perturbe a Sra. Jauregui.

— Não tem problema! — Minha avó nem escondia o tratamento diferenciado que oferecia àquela garota em específico. — Laur-Laur, as suas amigas não querem comer mais nada não? Beber algo? Camila, querida, você está com sede? Minha neta não tem bons modos!

— Vovó, qual é, o frigobar 'tá ali. Se a Camila quiser beber algo, ela levanta e pega. — Que mentira. Eu provavelmente teria que pegar.

— Sabia, Sra. Jauregui, que a Mila e a Laur são gato e rato na escola? — Dinah resolveu provocar. Ela sabia muito bem que a gente se esforçava para mantermos essa aparência de duas pessoas que não se gostavam muito. Era uma espécie de armadura. — Quem vê elas assim, sentadinhas uma do lado da outra, nem imagina...

— Elas começam a brigar e eu tenho vontade de me matar. — Hailee resmungou. Ela era uma das meninas alheias ao que Camila e eu tínhamos, junto à Sofia e Allyson; apesar das desconfianças por parte das três.

— Elas ainda vão se acertar. — Brooke deu de ombros. — Já faz um tempo desde a briga pelo armário.

— Por que a gente não bebe mais refrigerante, hein? — Tentei desviar o foco do assunto, fuzilando Jane com os olhos.

Refrigerante... — Minha avó repetiu. — Onde foi que eu errei?

(...)

Eram quatro horas da tarde quando as meninas foram embora. Na verdade, nem todas; Camila e Dinah continuaram na minha casa com a desculpa de que estavam esperando pelo chofer da princesa-herdeira. Bom, eu só queria a Cabello lá, mas Jane fez questão de ficar para nos empatar. Pelo menos, a gente pôde desmontar aquela pose de "duas pessoas que não se suportam" e trocarmos alguns beijos; longe dos olhos da família Jauregui, é claro.

Passar tanto tempo ao lado dela e não beijá-la era mais difícil do que correr uma maratona.

No final, foi legal conversarmos juntas, só nós três. Às cinco da tarde, Camila e Dinah decidiram que iriam ao shopping, mas eu preferi ficar em casa, porque seria chato vagar sozinha pelas lojas enquanto elas faziam as unhas no salão de beleza. Além disso, sequer tinha dinheiro sobrando para gastar lá. Os dólares na minha carteira pagariam, no máximo, uma casquinha de sorvete à Cabello.

Sendo a grande patricinha que é, Camila anunciou que passaria em casa antes de sair — pois "precisava se arrumar melhor" — e Dinah disse que a encontraria no shopping. Não demorou muito até que o seu motorista particular chegasse e eu ficasse sozinha com a sua melhor amiga.

— Laur, antes de ir, tenho algo 'pra te contar. Chancho não queria que eu falasse, mas... — Engoli a seco, encarando a loira. Pela expressão no rosto dela, não me parecia algo simples. — Sinto que você é a única pessoa que ela minimamente escuta, além de mim.

— O que foi? — Desliguei a televisão. Estávamos sozinhas na sala. — Quando a gente 'tava em Richspring, eu vi uma mensagem sua no celular dela, só que ela não me explicou direito, começou a chorar... a Camila 'tava bem triste, DJ, chorou um monte. Nunca a vi vulnerável daquele jeito.

"Você deveria contar pra Lauren", aquela mensagem de texto não saia da minha cabeça. Era algo importante, eu sei que era. E também sei que é errado agir pelas suas costas e tentar descobrir as coisas através da Jane, mas, porra, deve ser o único jeito. Eu não posso pressioná-la a se abrir comigo.

— Olha, eu me sinto mal por expor uma situação dessas, mas fico preocupada com a minha melhor amiga, entende? Odeio vê-la mal, ainda mais quando ela acaba se colocando em perigo.

— Do que você 'tá falando, exatamente? — Tentei lhe apressar. Não aguentaria enrolações.

— Do que aconteceu na apresentação, quando a Mila caiu.

— Como assim? Eu entendi que ela teve pressão baixa e desmaiou. Não foi isso?

Franzi o cenho. Pelo menos, foi essa a explicação dada pela princesa-herdeira, e parecia plausível, se levarmos em conta a sua ressaca.

— A Camila não comeu praticamente nada o dia inteiro, Lauren, era o que eu queria que ela te contasse. Chancho tem sérios problemas com comida, é uma das poucas coisas que ela compartilha comigo. O desmaio foi consequência da ressaca, sim, mas também da falta de alimentação.

Hoje, fiquei prestando atenção nela durante o almoço, e Camila sequer comeu hambúrgueres com a gente; preferiu a sua massa grega, mesmo com a insistência de Clara, Harriet e Pablo. Foi impossível não lembrar da minha conversa com ela no hotel de Richspring, e das suas palavras sobre ter crescido se privando de comida.

Camila nunca comia nada quando a gente saía, sequer nos jantares do Clube de Grand Water; era algo tão óbvio e eu sou uma idiota por não ter me dado conta dos seus distúrbios alimentares mais cedo.

— Ela falou comigo sobre isso, nada muito aprofundado e... eu tenho medo de pressioná-la, entende, DJ? Sei que a afastaria de mim.

"Aos poucos", foi o seu pedido. Sinto que colocá-la contra a parede destruiria a relação de confiança e segurança que a gente estava construindo. Mas, porra, também não posso cruzar os braços!

— Eu entendo! — Dinah suspirou. — De verdade, sei como a Camila é fechada e odeia falar sobre os sentimentos dela. Ela só se abre comigo quando está no fundo do poço, certamente deve fazer o mesmo com você. — Sorri sem humor perante à fala da Jane. É, a Cabello fazia isso. Se não fosse aquela mensagem no celular dela, nós sequer teríamos conversado. E o fato de ela ter chorado tanto, indicava que havia atingido o seu limite. — O melhor que podemos fazer agora, é tentarmos convencê-la a voltar com o tratamento. Mas... você já deve imaginar como a Camila odeia psicólogos. O tio Alejandro precisou comprar um carro novo somente 'pra ela aceitar se consultar, e rodou a Flórida atrás de algum profissional que ela não xingasse ou abandonasse no meio da sessão.

— Eu vou tentar falar com ela, Dinah, prometo que vou. Pode contar comigo.

— Só 'tô te dizendo essas coisas porque não vou aceitar que a minha melhor amiga passe por isso sozinha outra vez. Sabe, Lauren, tudo o que a Camila quer é não se sentir sozinha. — Dinah sorriu, apoiando a mão sobre o meu ombro em um pequeno aperto reconfortante. — E eu percebo que ela não se sente sozinha quando está com você. Tanto que insistiu em viajar até Richspring porque não queria precisar da sua companhia e não te ter lá. É uma responsabilidade que você só pode assumir se gostar mesmo dela...

— Eu gosto, DJ. — Disse firmemente, balançando a cabeça como se aquilo confirmasse as minhas palavras. — Gosto muito.

Se Camila precisa de mim, eu preciso ainda mais dela. E entrarei por completo em sua vida sem pensar duas vezes, se ela me deixar entrar.

(...)

Grand Water, Califórnia
Segunda. 09:50

— Sério, três mil dólares?! O que eu faço com isso?!

Escutem essa! Veronica está tendo um grande problema-de-gente-rica: devido aos seus níveis avançados de depressão, Sr. e Sra. Iglesias lhe ofereceram uma viagem à alguma cidade da Califórnia no próximo final de semana, a que ela quisesse!

O problema? Minha amiga ganharia "apenas" três mil dólares para gastar lá.

— Só três mil? Garota, você está de castigo? — Normani perguntou.

Às vezes, os nossos choques de realidade me causam calafrios. Se a Clara me oferecesse três mil dólares para viajar, eu sequer conseguiria aceitar. Não consigo nem pensar no que faria com tanta grana, mas, com certeza, é impossível gastar tudo isso em dois dias.

— Pois é, Mani! Como que vou convidar a Sofia 'pra viajar comigo desse jeito?! — Bufou irritada, fechando a porta do próprio armário com força. Tadinha... Veronica acha mesmo que a Carson vai aceitar essa viagem. Pelo andar da carruagem, ela não aceitaria nem se fosse uma viagem para conhecer Jesus Cristo em Jerusalém.

— Não acredito nisso, Vero! — Curvei os lábios em um biquinho de falsa tristeza. — Meu Deus, só três mil? Isso é desumano! Tadinha de você! Vamos denunciar os seus pais 'pra polícia! — Continuei ironizando e ela revirou os olhos. — Isso me lembra daquele seu trauma de infância de quando você pediu 'pra ir à Disney de Orlando e eles te levaram à Disney de Paris. Deve ter sido tão difícil 'pra uma garotinha...

— Jauregui, fica quieta que a conversa ainda não chegou em Winston City! — Veronica provocou e, em resposta, eu dei um belo soco no ombro dela. — Ouch! 'Tô brincando!

— Tomara que o seu pai não te dê dinheiro nenhum, sua ingrata! Vocês ricos são muito mimadinhos. Vou contar à Carson sobre essa sua birra!

Sofia, assim como eu, era uma bolsista e não tinha nem metade da metade do dinheiro da sua ex-namorada. Ela ficaria furiosa caso descobrisse que a Veronica estava planejando gastar mais de três mil dólares numa tentativa de reconquistá-la. Essas garotas precisam aprender que nem tudo se resolve com dinheiro!

Camila
Oi, Laur

E por falar em 'mimadinhas' que adoram dinheiro...

Lauren
Oi, Camz
Cadê você?
Daqui a pouco tem aula de educação sexual

Camila
1389

Lauren
???
O que é isso?

Camila
A senha do seu armário

Lauren
Como assim?

Camila
O armário 3, Lauren
1389
Pode usar

Minha testa praticamente se contorceu em um símbolo de interrogação. A Cabello estava me devolvendo o armário que roubou de mim no seu primeiro dia em Earwood? Assim, do nada?

Lauren
Você tá trocando de armário comigo?

Camila
É claro que não, o seu armário é horroroso

Vou pegar o da Peyton. Ela acha que eu tô brava pelo o que aconteceu na festa do Ho Cho, vai fazer qualquer coisa que eu pedir

Lauren
E por que você tá me devolvendo o meu?

Camila
Porque eu quero
Então arruma as suas coisas logo, ou eu pego de volta e você continua com aquele seu armário ridículo

Ah, o carinho dela comigo é tão emocionante...

Caminhei até o meu antigo armário e digitei a sequência numérica indicada pela Camila na fechadura eletrônica, assistindo-a ficar verde. Senha correta.

Quando abri a porta, os estofados rosas colocados por ela haviam desaparecido, assim como as fotos dela espalhadas pelo armário e todos os seus fru-frus. As únicas coisas que restaram foram sacolas da Nike.

De primeira, achei que a princesa-herdeira tinha esquecido das suas compras ali dentro, até notar o cartão acompanhando uma das sacolas:

Arregalei os olhos. Eu tinha várias coisas da Nike, sim, mas noventa por cento delas eram presentes de Earwood aos atletas; peças simples e esportivas. Minhas roupas costumavam vir de bazares e não do shopping.

Porra, tem duas sacolas aqui! A Camila gastou quanto nisso?! E, meu Deus, é o cartão da Cabello Company!

Abri a primeira sacola, encontrando um conjunto formado por uma calça e uma camiseta, ambas na cor bege. Não era nada esportivo, mas, caralho, era muito bonito. O nome da marca estava estampado na camiseta, bem grande, seguido da logo mais conhecida de todos os tempos e o ano "1972". Comecei a sorrir igual uma idiota. Essa... essa... urgh!

E, ok, eu poderia pensar em aceitar um conjunto de roupas. Ainda me sentiria mal, mas Camila teve uma boa intenção. Porém, ao abrir a segunda sacola, tive a certeza de que lhe faria devolver cada um desses presentes.

Era a porra de um tênis novinho em folha.

Pior! Um tênis de corrida pertencente a umas das linhas mais conhecidas e caras da Nike. Deve ter custado quase trezentos dólares. Ele tinha um design perfeito para o atletismo, ainda mais na minha modalidade. Era à prova d'água e relativamente discreto, afinal, eu não curtia os tênis coloridos — e essa desgraçada parece ter percebido isso.

Lauren
Camila, você é maluca???
Isso deve ter custado uma fortuna

Camila
Acredite, não é caro
Essas suas coisinhas de corrida até que são bem baratinhas

Lauren
Cabello, eu sei que nada é caro pra você, mas é caro pra mim

Camila
Você não gostou?

Merda. Essa filha da puta sabe virar o jogo.

Lauren
É claro que eu gostei
Camz, eu amei

Camila
Então qual é o problema, Lauren? É para a sua entrevista
É importante passar uma boa imagem à Nike, e aos patrocinadores também
Vai ficar lindo em você
Você é a única pessoa que fica bonita nesses tênis terríveis

É irônico a forma como, até elogiando, a Cabello humilha um pouco.

Lauren
Eu adorei os presentes, de verdade, e sei que a sua intenção não é ruim
Mas são coisas caras

Camila
São? Nem olhei o preço
Me distrai imaginando você nelas

Lauren
Eu tô falando sério

Camila
Eu também estou falando sério
Antes da entrevista, podemos nos encontrar no vestiário
E eu te deixo bem calminha, uhm? Não vai nem gaguejar

Lauren
Você pode, ao menos, devolver o tênis?

Ignorei as provocações, frustrada pela sua insistência em reforçar que não se importava com dinheiro. Eu me importo e não quero que ela gaste comigo.

Camila
Não, eu não posso
É a droga de um presente, pare de reclamar
Não foi caro e, mesmo se tivesse sido, não faz diferença para mim

— Winston? — Enfiei a sacola no armário rapidamente, me assustando com a presença que surgiu de repente ao meu lado. — O que você 'tá fazendo no armário da Cabello?

— É que... eu... — Droga, não sei pensar sob pressão! River Woods, a burrice em forma humana/melhor amiga de Peyton Mullins, cruzou os braços, analisando-me de cima a baixo. Ela acha o quê?! Que estou roubando a Camila?! — Nós trocamos de armário, só isso. Ela enjoou desse aqui.

— Ah, sim. — Pareceu convencida. — Esqueço que ela é amiga de um pessoal tipo você! — Ok, outch?! — Quer participar do vídeo?

— Que vídeo? — Ergui a sobrancelha.

— Para o canal do YouTube das líderes, contando a história de sobrevivência da KC. — River explicou, soando animada. — Vai se chamar... Cabeça dura de matar! Por causa do filme, sabe?

Sério? História de sobrevivência? Por causa daquela queda? Camila sequer arranhou o braço!

— Eu tenho treino agora, Woods... — Dei a primeira desculpa esfarrapada que consegui formular. — Mas boa sorte! A Cabello irá adorar!

Dispensei a líder e soltei um suspiro, fechando o armário.

Era um pouco irritante que a princesa-herdeira falasse daquele jeito comigo, dizendo que gastar dinheiro "não fazia diferença". Quer dizer, eu não me importo com a quantidade exuberante de dólares que a Camila gasta consigo mesma, porém, não quero que ela fique comprando esse tipo de presente para mim. Não tenho como retribuir e acabo me sentindo uma aproveitadora, como se estivesse lhe usando para usufruir de uma "vida boa".

Tipo, poxa, o que a madrasta dela pensaria, caso descobrisse que a enteada anda usando o cartão sem limite do seu marido para gastar com a bolsista de Winston City? 

E como eu retribuiria um presente desses, se nada é caro aos olhos da Cabello, e ela já deve ter tudo? Além de, obviamente, eu não possuir dinheiro o suficiente para comprar nem água nas lojas que lhe agradam. Sábado, não fui ao shopping porque mal tinha dinheiro para dar um sorvete do McDonald's a ela!

Enfim, eu não vou pensar nisso agora. Preciso focar na minha entrevista com a Nike.

(...)

— Lauren, pode arrastar a cadeira um pouquinho mais 'pra esquerda? — O "cameraman" falou, fazendo um sinal com a mão. Assenti com a cabeça e acatei ao seu pedido. — Ótimo! Aí mesmo!

Era estranho ter uma câmera apontada em minha direção. Aquele frio na barriga me dava vontade de vomitar; era o tipo de nervosismo que eu só experimentava antes das corridas. E se eu falar besteira? E se eu não for interessante o suficiente? E se eles não gostarem de mim e cortarem a minha parte?

Camila e eu passamos um bom tempo ensaiando no vestiário; e não, não teve nada sexual. Eu estava tremendo dos pés à cabeça, parecia que iria dessa para melhor. A princesa-herdeira, por sua vez, conseguiu acalmar um pouco dos meus pensamentos, e me ensinou algumas das suas táticas para sempre passar uma boa impressão nos jantares chiques frequentados pela sua família. Afinal, ela era mesmo uma "puxa-saco patológica" e sabia como se portar da maneira correta. Todo mundo a amava.

Segundo a Cabello, a primeira impressão realmente era a que ficava, e nada do que eu falasse importaria mais do que a minha aparência e a maneira como eu me comunicava. Infelizmente, eu sabia que ela estava certa. Querendo ou não, os patrocinadores não querem somente atletas promissores; querem pessoas que valorizem o nome dos seus negócios.

"Laur, você e o seu rostinho bonito ficariam bem até em publicidades de sacos de arroz", foi o elogio dado pela Camila. "E a roupa que eu escolhi te deixou muito gostosa".

— Estamos aqui com Lauren Jauregui, de 17 anos, atleta da escola Earwood High School! E então, Lauren, como você começou no atletismo? O que te motivou a se dedicar ao esporte?

O entrevistador fez a primeira pergunta. Apoiei as mãos nos joelhos, tentando conter as minhas pernas, que balançavam involuntariamente.

— Eu comecei no atletismo porque queria participar de algum esporte e sempre me interessei pelas corridas. A treinadora do meu antigo colégio viu potencial em mim e me aceitou no time. Acho que o que me motivou a continuar treinando e a me dedicar a ser atleta foi, principalmente, o desafio pessoal. Sempre gostei de bater metas, de buscar melhorar mais e mais, de tentar ser a melhor...

A treinadora Burnett abriu um grande sorriso. Vi essa mulher sorrindo poucas vezes na minha vida; uma delas, quando ela assistiu a uma professora idosa e irritante caindo pelas escadas do colégio. Ou seja, a minha resposta deve ter sido boa!

— Lauren ganhou uma bolsa de estudos em Earwood High School logo no seu primeiro ano de ensino médio e se mudou para Grand Water. — Senti vontade de revirar os olhos. Permito que Camila me deixe com cara de herdeira e ele vem aqui e revela que eu sou pobre?! — Como foi para você, enquanto uma atleta tão jovem, lidar com a pressão? Você enfrentou dificuldades para chegar até aqui? É algo fácil de se superar?

Fácil?

Uma das minhas primeiras memórias em Grand Water era de quando a minha mãe trabalhava como garçonete num restaurante cinco estrelas. Clara fazia turnos exaustivos, principalmente no final de semana. Pablo estava desempregado e gastava todo o seu tempo em pequenos bicos. As contas na nossa casa apertavam mais e mais e o dinheiro nunca era suficiente. Isso que o Levi nem tinha nascido ainda. Eu não entendia direito, mas sabia que tinha algo de errado. Estávamos quebrados.

Foi uma fase das nossas vidas em que Vovó Harriet e minha mãe cortaram relações, então, não tinha ninguém para cuidar de mim. Clara passou a me levar ao restaurante e me deixar na área recreativa por horas e horas; e eu adorava, era uma criança me divertindo com outros 'pirralhinhos'. Lembro que, no final dos expedientes, ela trazia comida embalada e comia um pedaço ou outro, deixando as melhores partes para mim. Não que a gente passasse fome em casa, longe disso, mas não tínhamos muita coisa além de frango e ovos. Aquilo lá era carne "de verdade". E eu amava.

Eu tinha até 'amiguinhos' no restaurante; os filhos pequenos dos empresários, que ainda não tinham os cérebros remoídos pela superioridade. Eram crianças normais brincando comigo.

Depois de alguns meses, comecei a prestar atenção no que acontecia ao meu redor. Olhava os preços nos cardápios. Assistia à minha mãe se matando de trabalhar para ganhar um pouco de dinheiro. Não entendia o porquê daquelas pessoas poderem comprar carne de verdade e a gente não. Se a Clara trabalhava tanto, por que nós não tínhamos condições também? Por que aqueles homens engravatados possuíam grana o suficiente para gastarem cem dólares em pratos que nem pareciam gostosos e, na minha cidade, algumas pessoas reviraram lixo atrás de comida?

Foi naquele restaurante que eu tive o meu primeiro choque de realidade. Foi olhando as ruas de Grand Water que eu percebi que não era de lá; era do outro lado. E ninguém dali se importava com as pessoas de Winston City — a não ser quando precisavam expulsar famílias de suas casas para construírem um shopping novo.

Se foi fácil começar a morar em Grand Water? É claro que não. Foi frustrante para caramba, e eu ainda não consegui superar o que o meu eu de oito anos vivenciou. Ainda mais porque sigo vivenciando a desigualdade todos os dias, sendo uma das únicas pessoas aqui que sentiu, na pele, uma dificuldade.

Uma pena que a minha resposta soou totalmente diferente dos meus pensamentos.

— Você sabe, a pressão está sempre ali, acho que a gente só se acostuma com ela. Mas é muito mais um desejo meu de conquistar as coisas, do que outras cobranças externas. — Dei de ombros, ajeitando a postura. Camila disse que ninguém me levaria a sério se eu me jogasse na cadeira. — Sou muito grata pela oportunidade que Earwood me deu, eles... eles foram receptivos comigo desde o primeiro dia. Foi aqui que aprendi resiliência, disciplina e trabalho em equipe. E viver em Grand Water é ótimo, pelo atletismo, eu moraria em qualquer lugar. As dificuldades são detalhes.

Sra. Woodward, a vice-diretora da escola, estava assistindo à entrevista e bateu algumas palminhas silenciosas, mostrando-me que eu estava no caminho certo. O entrevistador continuou falando e citou algumas das minhas conquistas, fez perguntas a respeito das competições que já participei, sobre a classificação da semana passada, o recorde no Campeonato Estadual de Atletismo... tudo conforme o esperado.

— (...) E é claro, todos querem saber: quais são os seus objetivos no atletismo? Você se considera o futuro do país no esporte?

Foi a provável última pergunta.

— A gente sempre sonha com medalhas, óbvio, com as Olimpíadas, e... — Engoli a seco, tentando formular melhor a minha resposta. Eu tinha dito tantas coisas engessadas durante a conversa, tentando seguir um roteiro ensaiado que agradaria aos outros, que esqueci de ser "eu mesma" em noventa por cento da entrevista. Falar com o coração uma vez não faria mal, não é? — Eu treino, me dedico e me desafio porque não é apenas por mim, é pela minha família também. Quero que o esporte nos dê a oportunidade de termos uma vida boa e tranquila, que me permita entrar numa faculdade e estudar... melhor ainda se eu alcançar competições internacionais e ter a chance de representar os Estados Unidos nelas. Esses são os meus maiores objetivos.

— Oh, sim, a família é um suporte importante. É muito legal que você pense na sua! Obrigada, Lauren, pelo seu tempo. Nós, da Nike, valorizamos atletas jovens e...

O entrevistador falou uma coisa ou outra, encerrando a entrevista ali mesmo. Soltei todo o ar preso em meus pulmões assim que a câmera desligou, sentindo que havia feito um bom trabalho. A treinadora e a vice-diretora pareciam felizes, as minhas colegas de equipe também. Não pode ter sido ruim, né?

— Como foi, Jauregui?!

Encontrei Veronica no corredor, acompanhada do restante do grupo. Eu havia pedido para que as garotas não assistissem à entrevista; ficaria muito nervosa com a presença delas lá.

Ah... — Fingi tristeza, deixando os meus ombros caírem. Olhares preocupados se formaram em minha volta. — Foi muito bom! Eu me senti a Serena Williams!

— Sua merdinha! — Hailee deu um soco no meu braço.

— Você assustou a gente, filha da puta! — Iglesias revirou os olhos.

— Que bom, Laur! — Allyson era a mais querida de todas. — Fico muito feliz por você! Não vejo a hora de assistir!

— E essa roupa, hein?! — Dinah assobiou, me analisando dos pés à cabeça. Os presentes da Cabello caíram bem. — Garota, vão te chamar 'pra modelar na Nike. Ou na playboy!

Ao lado dela, a sua melhor amiga se engasgou com suco natural. Ainda vai sobrar 'pra mim...

— DJ, para de falar besteira! — Brooke a repreendeu.

— Laur, eu 'tava fazendo as contas aqui e... você vai ter 21 anos nas próximas Olimpíadas. Levando em consideração que os atletas costumam se aposentar aos 35... — Sofia-Geniozinho fez uma pausa rápida para calcular. Rápida mesmo; não durou um milésimo. — São 14 anos. Dá 'pra participar de, no mínimo, umas três!

— Isso é legal. — Camila balançou a cabeça e todo mundo a encarou por breves segundos. Vê-la chamando algo de "legal" é um milagre, ainda mais quando diz respeito a mim; pelo menos publicamente. — Digo, as Olimpíadas. Meu pai e eu gostamos de hipismo. Fui a Tóquio em 2020.

Porra, hipismo? Deve ser um dos esportes mais chatos do mundo. É bem coisa de rico.

— Não pense tão alto, Carson.

Sim, participar das Olimpíadas fazia parte do meu moodboard e eu vivia dizendo que estaria em Los Angeles em 2026. Mas sabia que me destacar no meio de tantos atletas era algo difícil, ainda mais vindo do nada. Também não quero acabar frustrada se as coisas não derem certo no atletismo.

(...)

— Camz, eu tenho um presente... — Coloquei o copo de café em cima do balcão. A Funky's House, cafeteria onde eu trabalho, se encontrava bem vazia naquele momento; livre dos alunos de Earwood e dos clientes chatos. Logo, Camila e eu conversávamos com mais liberdade. — Gostou?

— O que é isso? — Ela deixou o celular de lado, focando em mim. Eu precisei usar as armas que tinha para retribuir o seu presente e a ajuda com a entrevista.

— O nome é latte art. Ainda estou aprendendo, queria que você fosse a primeira a ver. Não 'tá perfeito, é difícil de fazer...

— Meu Deus, Laur! — Segurou o copo redondo com as duas mãos, aproximando-o do seu rosto. Boiando ali dentro, havia um pequeno coração desenhado com leite. — Que fofo, obrigada. Vou tirar uma foto! — A reação contida, porém adorável, fez com que eu me derretesse inteira por ela. Cabello ria igual criança e aquele sorriso estampado no seu rosto estava tão lindo...

— O meu coração 'tá aprovado? — Ergui as sobrancelhas daquele jeito que ela considerava "charme barato", mas, no fundo, adorava.

— Muito. — Apontou o iPhone em direção à minha obra de arte, fotografando o copo em diversos ângulos diferentes. — Vai começar a distribuir corações para as suas clientes?

Ai, Senhor...

— Só 'pras VIPs. — Estendi o tronco sobre a bancada, beijando a sua bochecha. — Quer bolo de quê? De banana? De morango?

Desde a conversa com Dinah, eu tentava encontrar a melhor maneira de introduzir o assunto do tratamento e dos seus distúrbios alimentares sem deixá-la mal ou fazê-la me odiar; além de estar prestando mais atenção na alimentação dela.

Se não posso ajudar com palavras, ao menos devo estar presente ao seu lado e lhe incentivar a comer.

— Idiota. — Camila riu, empurrando-me pelo ombro. Awn! Camz está de bom-humor? Esse acontecimento é tão raro quanto eclipses. — Hmm, você tem de banana sem açúcar?

Bom, era melhor do que nada.

— Certo, Cabello. O seu desejo é uma ordem.

Quando voltei com o pedido, o deslizei sobre o balcão em direção a ela. Que o subgerente, Jamal, não sonhe que estou dando comida gratuita a pessoa mais rica de Grand Water...

— Jauregui... — Terminou de mastigar corretamente antes de prosseguir: — Sábado terá um evento de golfe e tênis no Clube de Grand Water.

— Você joga? — Que pergunta idiota. É claro que ela gostava de hipismo, golfe, tênis e todos esses esportes de engomadinhos.

— O que você acha que os milionários fazem sábado à tarde? Cresci em campos de golfe. Embora seja melhor telespectadora do que jogadora. — Explicou, tomando mais um gole do seu café. — Caso não tenha ficado claro, você vai comigo.

— O quê?

Sério, eu estou quase virando sócia desse lugar.

— Uhum. — Confirmou com a cabeça. — As garotas provavelmente também irão.

— Camz, qual é... — Limpei as mãos no meu avental. — Sequer sou bem-vinda lá.

Da última vez em que pisei no Clube de Grand Water, Felicity tratou-me com desprezo, ainda mais depois de ver a enteada naquele vestido ensopado e associar tudo a mim. A madrasta da Cabello aparentemente me odeia; e é a manda-chuva do clube, ao lado da sua avó.

— É claro que é bem-vinda. Sem dúvidas, Blanche perguntará sobre você caso note a sua ausência.

— Ok, eu vou, mas com uma condição... — Respirei fundo, tomando coragem para completar a frase: — Que a gente saia hoje à noite, apenas nós duas.

De certa forma, Camila e eu nunca tivemos um encontro romântico real. E eu poderia convencer Harriet, Clara e Pablo a me emprestarem alguns dólares para que eu possa levar a princesa-herdeira ao menos a uma lanchonete.

Meu Deus, será que ela já pisou em uma lanchonete na vida?

— Laur... — Pela expressão em seu rosto, o convite não foi bem-recebido. — Eu adoraria, de verdade. Porém, já tenho planos para hoje à noite, e não posso faltá-los. É uma dívida com a Felicity...

Porra! Eu tinha esquecido totalmente da droga do jantar com os Farley e o maldito Miles-Quarterback-Perfeitinho.

— Ah, tudo bem... — Não quis transparecer nenhum tipo de incômodo ou decepção. Não era culpa da Cabello. — De boa. Podemos sair outra hora.

— Temos todo o tempo do mundo, não? — Piscou, sorrindo sem mostrar os dentes.

— Camz, e sobre o armário... — Trouxe aquele assunto de volta, fugindo do possível clima chato que poderia se instalar entre a gente. Ainda me sentia mal pelos presentes caros que a líder comprou. — É muito legal que você tenha devolvido, obrigada mesmo. Mas, as coisas da Nike...

— Jauregui, não começa. — Camila ergueu a mão em um sinal de "pare". — Primeiramente, não seja tão melosa, é só um armário. E os presentes vão continuar com você porque a loja não aceita devoluções, e eu não uso tênis, muito menos os coloridos. Não tem porque pegar de volta. Agora, se você quiser doar para alguma campanha do agasalho ou sei lá, tudo bem.

Sério? Campanha do agasalho?

— Camila, às vezes, você fala umas coisas bem mesquinhas, sabia?

— Sabia.

Ela deu de ombros e eu precisei contar até três para não acabar irritada. É isso o que mereço por me envolver com uma patricinha.

— E aquele não é "só" um armário. — Fiz aspas com os dedos. — É o armário que você roubou de mim. Sem querer, mas roubou.

— Sem querer, é? — Deslizou a ponta da língua pelos lábios, recolhendo os resquícios de bolo deixados para trás. — Não sei... foi?

— Cabello... — Encurtei os olhos. — O que você quer dizer com isso?

A gente nunca conversou sobre a sua motivação para escolher o armário de número três e obrigar a vice-diretora a me encaixotar de lá. Eu sempre acreditei que a localização lhe agradava — ao lado de Normani e em frente à Peyton, duas líderes de torcida — e isso era tudo. Acreditava que os planetas e as estrelas haviam se alinhado em algum tipo de efeito borboleta maluco, ocasionando o nosso encontro. Que o destino colocou Camila e eu no mesmo corredor, ao mesmo tempo, e preparou a cena perfeita para nós nos conhecermos.

É até bonito pensar assim, não? Pensar que a gente se encontrou por obra do universo. Ela queria o armário, e era meu; eu queria xingar a pessoa que roubou o armário de mim, e era ela. Duas pessoas destinadas a se encontrarem.

Agora, a possibilidade de ter sido um golpe premeditado nunca havia se passado pela minha cabeça.

— Sabe, Lauren, nem tudo é por acaso... — Seus dedos percorreram pelo meu antebraço descansado sobre o balcão, numa carícia discreta.

— Camila, como assim?

A mais nova sorriu, arranhando-me lentamente.

— Sou melhor manipuladora do que você imagina.

Essa filha da...

— Camz, mas o quê... volta aqui!

Ela levantou da banqueta, rindo divertida, e sequer se deu o trabalho de se despedir de mim antes de começar a andar até a saída.

— Camila!

Lhe assisti abrindo a porta de vidro da cafeteria e, então, indo embora.

Desde o primeiro dia, foi tudo planejado? Cabello roubou o armário sabendo que era meu?

Nada entre a gente foi mera coincidência; a maldita armou cada coisa, como se eu fosse um peão no tabuleiro dela. E conseguiu um belo xeque-mate.

— Ai, Camila... — Ri comigo mesma, negando com a cabeça. Você venceu. Eu caí igual a um patinho nas suas esquematizações.

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