Engulo seco. Viro-me para o chão, com mãos tremendo. Não é apenas um treinamento, e sim uma obrigação. A opção de falhar é inexistente. Vejo meus amigos com as mãos cerradas e olhos perplexos.
Apesar dos gestos semelhantes, consigo diferenciar suas intenções. Noah está com medo de sofrermos, já Toli quer dilacerar Órion. O oficial percebe nossa tensão e logo tenta aliviar a conversa.
— Era brincadeira! Hoje estou a fim de fazer piadas. Vai dar tudo certo.
Alan faz um sinal negativo atrás do oficial. Não é nenhuma pegadinha.
— Admiro seu humor, oficial. — Toli fecha a sua cara mais do que o normal. — Que se dane, não temos outra opção. Um dia nós vamos morrer mesmo, não é?
— Eu quero que concluam a missão vivos. Preciso dos melhores agentes para algo que ocorrerá em Mileth em um ano e meio. Vocês estão inclusos.
— Que tipo de missão? — Abro a boca, finalmente.
— No dia cinco de setembro do próximo ano, assaltaremos o maior prédio de Mileth. Sou impossibilitado de revelar todas as informações deste embate, porém, é um plano que deve ser cumprido.
Não entendo o porquê deste assalto por um momento, mas, logo após, relembro um fato imprescindível: somos uma máfia. A Fulehart tem sido minha casa, então, ignoro que sou um criminoso.
— Não sejam imprudentes. — Ele une os punhos e se curva levemente. — Que a estrela de Fules ilumine nosso caminho através da escuridão.
Este é o lema da Fulehart. Poético, eu diria.
— Arrasou. — Não sei como Alan consegue ser descontraído até neste tipo de missão. — Vocês sairão para a missão amanhã cedo, por favor, se arrumem.
— Entendido. — Viro-me para o oficial. — Obrigado, senhor Órion.
— Sou apenas um ano mais velho que Alan, não precisa me chamar de senhor. — Gravei essa informação — Qual será o nome da equipe?
Olho para os outros, eles fazem movimentos com as mãos sugerindo que eu invente algo na hora.
A única equipe que conheço é a Black Twilight, um time lendário, que fazia missões diversas sem nenhuma restrição. São como lendas, mesmo sendo uma equipe dissolvida e anônima.
Logo, disse um nome tão legal quanto:
— Patutinha do Alex e parada gay.
— Pelo amor de Deus! Você fala isso como se não fosse um encubado! — Yuli grita, me reprovando. — Tenho uma ideia: fã clube da Yuli!
— Quem disse que sou seu fã? — Retruco. — Ridícula.
— Yuli, você deve se comportar. — O tom de voz do oficial é firme. — Quando Alan não estiver presente, você será a líder.
Os olhos de minha prima são como pedras esmeralda, refletindo o infinito pelas suas íris.
— Certo, oficial! — Ela abre um sorriso, quase pulando no meio da sala.
— Agora falando sério — Noah se posiciona — Sonho desde muito tempo com esse momento, e pensei no nome "Under Dark", acho que seria interessante. Sabe, "abaixo da escuridão". Também combina com as outras equipes que já foram às missões de campo.
— Esse será o nome da equipe de vocês. — Órion fala sem perguntar se gostamos, mas eu gostei. — Dispensados. Menos Alex, a Crystal está te chamando aqui na sala ao lado. Acho que é sobre o que aconteceu com você hoje.
Ah, na moral, quarta vez no ano que tenho que ir para essa terapia do satanás.
— Beleza, já vou.
Obvio que ela quer falar comigo. Alex, você teve uma overdose! Fazia uns dois meses que isso não acontecia. A Crystal deve querer me dar um sermão de duas horas por causa disso tudo.
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Fecho a porta da sala com cuidado antes de espernear. A Under Dark — vou demorar para chamar meus amigos assim — está com uma postura muito mais formal do que eu pensava. Nesse momento, até penso que estava mais desleixado do que poderia.
Após virar o corredor, há uma pequena sala, um escritório onde a Crystal fica quando não está trabalhando no subsolo. Dou cinco toques na porta, para diferenciar.
— Crys? — Abro a porta e vejo que ela está com as pernas em cima da mesa e brincando com o lápis.
— Oi, Alex! — Ela dá um salto, derrubando algumas coisas da mesa, mas aparentemente não se importando. — Tenho uma entrevista para fazer com você, sente-se.
Ela vai até mim e empurra meus ombros em direção à cadeira de estofado. É confortável, mas fico agoniado pela grande bagunça.
— Vamos começar. — Ela vai para o outro canto da sala e apaga as luzes do cômodo.
Repentinamente, aparece na minha frente, com uma luz direcionada na minha cara.
— Primeira pergunta, quanto você tomou da Host?
— Uns... 100 ml? Não me recordo muito bem. Só sei que foi um recipiente inteiro.
— Você tomou o recipiente inteiro? Está louco? — Ela aumenta a intensidade da luz, ofuscando minha visão. — Ah, seus olhos são bonitos!
Ela com certeza viu minha heterocromia pela luz localizada, mas ela não deve estar lembrada de que, se continuar assim, fico cego.
— Você é maluca. Já pensou em ir para o "Centro de Atenção Psicossocial" daqui? Acho que se chama CAPS...
— Segunda pergunta. — Ela intensifica a luz — Você não fez um tratamento?
— Fiz, mas isso não anula o fato da minha inutilidade. Perderíamos a avaliação e o clima na equipe seria desagradável por atrapalhá-los.
— Tenho certeza de que eles iriam compreender, todos sabem da sua deficiência.
— Falando assim, parece até que sou um impuro.
— Mas você é.
— Ah, é verdade.
— E outra coisa, até hoje você não criou uma técnica. Se continuar assim, será dependente da Host e de truques simples para sempre.
— Eu sei, mas entro em colapso com todas as variações de MAO. É impossível.
O ensino MAO da Fulehart não é inclusivo, até mesmo entre os impuros. A facção é repleta de problemas. O sistema é falho.
— Tenho certeza de que você consegue. Quando eu tinha meu corpo masculino, pensavam que nunca ia conseguir ser quem eu sou. E agora olha para mim! A ciência resolve tudo.
— Vou tentar me virar, mas por enquanto devo usar a Host.
Crystal põe sua mão nos bolsos e tira uma cartela de comprimidos vermelhos e cintilantes. Não há bula. Identifico de imediato.
— Você agora vai usar pílulas, a nova unidade que criei no laboratório essa semana. Elas não são tão corrosivas, mas por favor, tome uma por vez.
— Vou tentar não ter uma recaída. — Abro um sorriso.
É incrível que, quando eu fecho a boca, o mundo começa a girar. Uma dor agoniante me atinge, mas tento disfarçar.
— Alex, você está morrendo? Seus olhos estão tremendo. — É, não deu certo.
— Foi mal. Ainda não me recuperei totalmente.
Percebo que estou mais à beira da morte do que jamais estive. Seja pela missão, overdose ou até pela retalhação da própria Fulehart. Pois é, deveria fazer um seguro de vida.
— Você irá sarar rapidamente. Sua família é repleta de prodígios. E você é... esforçado, entende?
— Eu sei que não sou forte, caramba! Não precisa lembrar que sou uma ovelha negra.
— OK, vamos fingir que você é naturalmente competente. — Nossa.
Crystal segura minha mão, enquanto fita seus olhos de ônix com os meus.
— Não deixe uma coisa dessas estragar a sua vida. — Ela abre um sorriso olhando para mim, enquanto ajeita os óculos. — Agora vá passar tempo com seus amigos, vocês não sabem quando vão ver eles novamente.
Agora estou me cagando de medo.