Golden State. (Camren)

By milabedumb

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Quando Lauren Jauregui recebeu a oportunidade de deixar Winston City e se mudar para a cidade vizinha, por um... More

Ponta pé inicial
Capítulo 1: Bem-vindo a Grand Water
Capítulo 2: Armário Número 3
Capítulo 3: Go, Hawks!
Capítulo 4: A Lista dos Mais Provavéis
Capítulo 5: Eu só jogo a isca, Jauregui
Capítulo 6: Luau em Deer Bay
Capítulo 7: Você fez tudo o que eu queria que fizesse
Capítulo 8: Um encontro?
Capítulo 9: Noite dos Vinhos
Capítulo 10: Olá, me chamo... Lauren
Capítulo 11: Eu não vou ceder para você
Capítulo 12: Destino? Molina Port
Capítulo 13: Estrela da sorte
Capítulo 14: Corrida pelo ouro
Capítulo 15: Amém, George Washington!
Capítulo 16: Leilão Silencioso
Capítulo 17: Só você.
Capítulo 18: Eu juro que não amo o drama, ele que me ama.
Capítulo 19: Café da manhã
Capítulo 20.1: The Lucky One (Parte 2)
Capítulo 21: Xeque-mate
Capítulo 22: Acha que vale a pena?
Capítulo 23: Descobertas
Capítulo 24: Bem-vindo a Winston City
Capítulo 25: Decisões
Capítulo 26: EARWOOD x DEPORT (Parte 1)

Capítulo 20: The Lucky One (Parte 1)

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By milabedumb


You had it figured out since you were in school
Você sabe disso desde a escola

Everybody loves pretty, everybody loves cool
Todo mundo adora quem é bonito, todo mundo adora quem é legal

(The Lucky One, Taylor Swift)


— E então, Sra. Woodward... — Abaixei a cabeça, segurando o risinho cínico que teimava em aparecer no canto dos meus lábios. — Nós ficamos sem energia hoje, e minha mãe... bem, ela tentou pagar a conta de luz, mas, você sabe, as coisas estão um pouco difíceis lá em casa e... — Continuei mentindo com a cara mais deslavada do mundo, sabendo que a vice-diretora tinha mesmo essa impressão "pobretona" de mim; e vivia "preocupada" com a minha situação, como se eu passasse fome ou sei lá. — Tive que tomar um banho improvisado para vir à aula, por isso me atrasei. Espero que entenda e não anote isso na minha ficha...

— Srta. Jauregui, é realmente devastador ouvir este relato! — A mulher levou a mão até o peito, suspirando fundo. — Não se preocupe, assinarei a sua liberação para assistir à aula normalmente, e nenhum aviso será anexado à sua ficha. Entendo que o atraso não tenha sido culpa sua... — Pegou uma das pastas de cima da mesa, remexendo nos papéis guardados ali dentro. — Sei que a realidade do seu pessoal é muito complicada, e esses cortes de energia acontecem sempre... — Sério? Acontecem sempre? A única vez em que cortaram a energia da minha casa, foi porque a Vovó tentou fazer um "gato"! — Precisa de alguma coisa? Você conseguiu se alimentar antes de sair? — Abriu uma gaveta e puxou uma carteira dali. — Por favor, aceite. Compre algo para comer!

— Não sei, Sra. Woodward... — Encarei a nota de dez dólares. Eu tinha comido tanta panqueca no café da manhã que o meu estômago estava forrado de mel e xarope de bordo. — Se não for abusar da sua boa vontade...

— De forma alguma! Pegue, é só o que eu tenho comigo agora. — Me estendeu mais duas notas de cinco dólares; e é claro que eu aceitei, enfiando tudo no bolso. — E, Srta. Jauregui... você e sua família vão sair dessa! Tenho certeza de que a sua mãe conseguirá um terceiro emprego ou algo assim! E o seu pai... ele está preso?

Ah, claro! Porque quando se é pobre, ou seu pai te abandonou, ou ele está preso!

— Obrigada mesmo pela sua compreensão, Sra. Woodward. — Levantei da cadeira, aliviada por ter conseguido limpar a minha barra; e a minha ficha escolar. — E, sim, ele está preso há alguns anos...

Continuei mentindo. Até que é engraçado!

— Coitadinha... — Seu rosto se contorceu em uma expressão de pena. — Além da Srta. Jane, que conversou comigo antes de você, há mais algum aluno atrasado, esperando para entrar na minha sala?

— Camila está no aguardo, senhora.

Pelo tratamento real que essa garota recebe em Earwood, a vice-diretora olhará na cara dela por dois segundos e lhe cederá a liberação.

— Srta. Cabello? — Respondi a sua pergunta com um aceno positivo. — Certo, então... — Ela abaixou a cabeça, passando a assinar a minha autorização para entrar na aula atrasada. — Essa daqui é sua, e essa é dela. — Me estendeu duas folhas. — Boa aula!

Olha só! Nem precisou olhar na cara da Camila!

A princesa-herdeira estava sentada na sala de espera, mexendo no celular pacientemente.

— Vamos, Cabello?

Chamei pela atenção dela.

— Tenho que falar com a...

Antes que ela terminasse, ergui a sua liberação.

Camila levantou da cadeira e caminhou em direção a mim com um sorriso no rosto: — Não esperava por menos.

— Eu precisei me fazer de camponesa para conseguir uma dessas. Fique feliz pelos seus privilégios! — Revirei os olhos, checando a secretária da Sra. Woodward, a Srta. Mackenzie, que estava distraída jogando paciência no computador. — Nos vemos no almoço? — Levei alguns dos seus fios de cabelo para trás da sua orelha, chegando mais perto.

— Uhum... — Assentiu com a cabeça. — Nos vemos no almoço, Laur-Laur.

— É sério isso? — Espremi os olhos. Esse apelido não deveria cair nas graças da Cabello. — Você descobriu coisas demais sobre mim nesse café.

Tentei me despedir dela com um selinho, mas Camila hesitou, afastando-me pelos ombros gentilmente. Era uma merda ser cortada desse jeito, mas respeitei os seus limites, lembrando que a gente ainda tinha muito o que conversar por causa daquela discussão idiota.

— Nós deveríamos... — Fechei os olhos, tomando coragem para retomar a fala. — Nós deveríamos sair depois da aula, para conversarmos sobre ontem. Eu trabalho na Funky's hoje, mas, na minha pausa...

— Não vai dar, Laur. Tem jogo de futebol americano à noite, lembra? — Cabello pontuou. — Preciso ensaiar e depois torcer. E já tenho compromissos marcados com o meu pai depois da aula. Coisas da campanha...

— Tudo bem! Não precisa se explicar. A gente vai dar um jeito.

(...)

A aula de cálculo se arrastou de maneira lenta, e a de biologia foi pior ainda. Ganhei uma pilha de dever de casa para fazer, e sabia que isso atrapalharia os meus treinos; ainda mais agora que as coisas na cafeteria andavam corridas.

— Jauregui! — A treinadora Burnett me encontrou no corredor. — Podemos conversar?

— Claro! — Fechei a porta do armário, depositando toda a minha atenção nela. — O que foi? A competição quinta-feira ainda 'tá de em pé?

— Sim, é outra coisa. Conversaremos melhor no meu escritório.

Eu a segui até a sua sala, sentando na cadeira de rodinhas em frente à enorme mesa que a mulher tinha. Antes de se tornar treinadora em Earwood, Vilma Burnett foi uma grande velocista, e possuía duas medalhas de prata pelas suas participações nos jogos pan-americanos, além de diversos outros prêmios espalhados pelas paredes. Infelizmente, a sua carreira foi curta e marcada por lesões, mas isso não lhe impediu de continuar no atletismo.

— Primeiramente, ajeite a sua postura, porque essa cadeira não é cama de hotel. — Ela mandou e, óbvio, eu obedeci na mesma hora, endireitando as costas. — Vamos direto ao assunto: você dará uma entrevista para a Nike semana que vem.

— O quê?! — Arregalei os olhos. Como assim? — Para a Nike?! A Nike, tipo... — Apontei em direção à logo estampada na minha jaqueta de treino de Earwood. — Essa Nike?

— E existe outra Nike, Jauregui? — A mulher negou com a cabeça. — É uma matéria curta sobre o futuro dos Estados Unidos no atletismo. Sairá no site deles e contará com outros cinquenta atletas.

Naquele instante, tive vontade de driblar a mesa e abraçar a treinadora. Acho que nunca tinha sido pega de surpresa desse jeito; era o tipo de realização e felicidade que você só experimentava quando penduravam uma medalha no seu peito. Como se os dias acordando às cinco horas da manhã e treinando até que os meus músculos não aguentassem mais, realmente valessem a pena. Cada sacrifício de Clara e Harriet, cada coisa que abri mão para priorizar o atletismo, cada momento difícil que vivi ao me mudar de escola... nada seria em vão.

O meu futuro estava se formando ali, diante dos meus olhos.

— Eu... eu não sei o que dizer. — Admiti, ainda um pouco incrédula. Precisei esfregar as mãos no rosto para obter uma real confirmação de que não estava sonhando. — Você tem certeza?

Não conseguia acreditar que a Nike queria algo comigo. Qual é! É a empresa do Michael Jordan, do Eliud Kipchoge, da Serena Williams, da Adelle Tracey, e de tantos outros atletas talentosos que sonho em alçar um dia.

— Sim, Lauren. Prepare-se para receber um entrevistador e, pelo amor de Deus, não fale besteiras. — Um pedido um tanto quanto complicado, treinadora... — A Sra. Woodward quer conversar com a gente sobre isso. Você sabe, eles precisam se gabar, e irão implorar para você falar bem de Earwood e umas porcarias assim. — Sra. Burnett seguiu com a explicação. Ah, Deus, terei que falar com a vice-diretora? O que ela vai dizer? Para eu cobrar cachê da Nike, pois sou muito pobre e preciso de dinheiro? — Tenha em mente que essa entrevista é um passo enorme na sua carreira. Pode te trazer patrocinadores, o que será útil caso queira competir no Campeonato Mundial Sub-20 de Atletismo ano que vem.

— Caraca, que foda! — Eu estava tão animada que praticamente pulei na cadeira. — Treinadora, você sabe que irá me ver nas Olimpíadas em 2026, não sabe? — Sorri de um jeito convencido, erguendo e abaixando as sobrancelhas. — Te deixo escolher em qual modalidade quer que eu leve ouro!

— Se você parar de saltitar que nem uma garotinha de seis anos e ir estudar, talvez eu te veja lá, sim. — Sra. Burnett seguiu com aquela carranca de sempre. Porém, o sorriso querendo se formar no canto dos seus lábios não escondia que ela estava feliz por mim. — Vamos, Jauregui! Vaza daqui! Vai pular na rua!

Saí daquele escritório me sentindo a rainha do mundo. Só conseguia pensar em como as pessoas próximas a mim surtariam quando descobrissem sobre a entrevista.

Porra, eu faço parte dos cinquenta jovens ditos "futuros do atletismo" pela Nike! Não é ruim, né?

Precisava contar para todo mundo. E é claro que um nome em específico surgiu na minha mente assim que peguei o celular.

Lauren
Camila?
Você está livre?

Talvez, a novata tenha razão. Eu sou uma "frouxona" que não sabe bater de frente com ninguém e se esconde quando precisa se erguer. Nós duas já vivemos tantas coisas juntas, e eu sigo acreditando que, uma hora ou outra, assistirei Camila cansando de mim e dos nossos mundos diferentes e indo embora sem grandes dificuldades — porque, para ela, é fácil encontrar outra pessoa, enquanto eu passarei boa parte dos meus dias remoendo tudo o que aconteceu.

Camila
Esperando pelo fim da aula
Por quê?

Lauren
Ah, sim
Só queria te contar que na próxima semana darei uma entrevista pra Nike :)

Camila
O quê?
Não brinca!
Isso é incrível, Laur
Estou muito feliz por você

Lauren
É sério!!!
Te explico melhor pessoalmente

O que eu disse na festa no Ho Cho foi babaquice; não tem outra palavra que resuma melhor aquele discurso. Holly não conhece a Cabello como eu conheço. Arrisco dizer que poucas pessoas em Grand Water a conhecem e a entendem como eu. E se ela não está pronta para falar sobre a sua sexualidade, não tenho direito algum de cobrar nada dela, porque sempre soube que Camila não era assumida.

Mas não posso evitar de me sentir rejeitada às vezes.

— Lauren!

Eu caminhava pelo corredor despreocupadamente quando, de uma hora para outra, acabei sendo puxada para dentro da salinha de limpeza do zelador.

— Você 'tá maluca?!

Ajeitei a jaqueta, sentindo os meus batimentos cardíacos descompassados graças ao susto.

— Laur! Shh! — Veronica cobriu a minha boca com a mão. Mas que porra é essa?! — Eu 'tô me escondendo!

Diqui? — Precisei arrancar a sua mão dali para conseguir falar corretamente, repetindo: — De quem?!

— Da Jessica e da Sofia! — Tentou esclarecer, porém, tudo ficou ainda mais confuso.

— Espera, da Jessica? Aquela menina com quem você saiu por uma semana e depois ignorou totalmente a existência e fingiu que não existia? — Iglesias confirmou com a cabeça. — Por quê?!

— A professora nos colocou para fazermos um trabalho juntas e não quis mudar de jeito nenhum. Sendo que eu deixei bem claro que a Jessica me odeia e que a minha namorada tem um pai policial definitivamente bravo!

— Bom, faz sentido que a Jessica te odeie, né? A coitada foi na sua casa saber o porquê de você não estar mais falando com ela, e você colocou o seu mordomo para dispensá-la! — Quando eu digo que, antes da Carson, Veronica era a maior galinha de Earwood, é porque ela era a maior galinha mesmo. Essa garota não tem ex-namoradas, tem vítimas! — Por que você está a ignorando? Apenas faça o trabalho e deu. Sofia irá entender.

— Foi o que eu tentei! Cheguei na garota e pedi bandeira branca, falei que poderíamos fazer o trabalho 'de boas', sem brigas, deixando o passado no passado... — Explicou, puxando a cordinha que desligava a luz da sala e nos deixando no breu total. — Mas essa maluca captou os sinais muito errado e agora acha que, sei lá, eu terminei com a Carson e estou afim dela! Ela me mandou dez GIFs de corações agora a pouco. Dez!

Exibiu o seu celular, indignada.

— Deixa eu ver se entendi... você tratou a garota que nem merda no passado, aí foi educada uma única vez, e a doida te perdoou sem hesitar e ainda quer sair com você de novo?!

— Lauren, por favor, não é hora de debatermos sobre o meu charme irresistível...

Ergueu a mão em um sinal de "pare". Não dá nem vontade de ajudar uma porra dessas!

— Veronica, pelo amor de Deus! — Puxei a cordinha de novo, ligando a luz. — Diga a ela que você namora e pronto!

— E se a Jessica surtar e tentar me matar de novo, que nem fez naquela festa do Eric Flowers no verão?! Ela arremessou uma jarra de vidro em minha direção! Uma jarra, Jauregui! De vidro!

— Eu lembro disso! — Precisei segurar a risada. Se eu ganhasse um centavo por cada vez que uma ex-peguete da Veronica tentou matar ela, eu teria dois centavos. O que não é muito, mas é estranho que tenha acontecido duas vezes... — Não seja idiota. Peça desculpas com jeitinho, sabe? Diga que sente muito por ter vacilado com ela, mas que namora e, no momento, não tem interesse. Simples assim!

— E por que eu ouviria um conselho seu, hein? — Ela cruzou os braços. — Você não consegue conversar com a sua bunduda sem tê-la te perseguindo com uma faca.

— Se não quer meus conselhos, por que me arrastou até aqui?!

— Sei lá, você é minha melhor amiga. Penso que, se a Jessica fosse me matar, a sua função era morrer comigo.

Ah, pronto!

— Você faz a merda e eu tenho que sofrer as consequências junto?!

— Sim. O nome disso é amizade! — Deu de ombros. — Vamos lá, desabafe sobre os seus problemas com a sucessora do trono. Brigaram feio ontem?

— Eu realmente gostaria de almoçar agora, sabia? — Pedi, tentando fugir daquele assunto, entretanto, Iglesias jamais me deixaria sair sem respondê-la. — Camila e eu discutimos, sim. A gente discute o tempo inteiro, você sabe disso. Quer que eu diga o quê?

— É que, pelas mensagens que você mandou 'pra mim, parecia que a coisa tinha sido mais séria dessa vez. Tipo, vocês dormiram juntas pela primeira vez e não rolou sequer uma dedadinha? Isso aí é preocupante.

— A Cabello 'tava bêbada e chapada, Vero, com zero condições de consentir nada. Se eu a chamasse para ir raspar o cabelo, ela iria! Fazer sexo seria me aproveitar do estado dela.

E, acreditem, essa maldita tentou me fazer mudar de ideia. Depois da nossa conversa, passei alguns bons minutos zelando pelo seu sono, com medo de que Camila passasse mal ou vomitasse enquanto dormia. Porém, ela acordava do nada apenas para se esfregar em mim. E mesmo grogue de tanto sono e cansaço, demorou até a tarada sossegar. Ela chegou a me ameaçar dizendo que choraria se a gente não fizesse sexo!

— Hmm, ok, isso explica tudo. Mas, mesmo assim, o fato de vocês duas terem dormido juntas mostra que essa briga não significou muita coisa.

— Sei lá, sabe? Camila jogou algumas coisas na minha cara, eu joguei algumas coisas na cara dela... não foi nada bonito. Ouvi-la dizendo que eu queria me gabar por nós termos transado realmente me magoou. Como se ela não me conhecesse de verdade, entende? Porque eu nunca faria algo desse tipo. Não gosto de expor as nossas intimidades nem 'pra você, e olha que você insiste muito! — Aproveitei para alfinetá-la e Iglesias sorriu divertida. — Só que eu também a acusei de coisas idiotas, dizendo que ela estava me usando e que me ameaçaria quando tudo acabasse. Até falei que a Camila pagava de "vadia má" por aí. — Respirei fundo ao lembrar das minhas palavras. — E sabe qual é o pior? Eu nem acredito nisso de verdade. Mas 'tava chateada e, porra, estressada com aquilo da Holly, então descontei todas as frustrações nela e na nossa briga. E acho que a Cabello fez isso também.

— Sabe de uma coisa, Laur-Laur? — Veronica apoiou a mão no meu ombro. — Eu, como a única pessoa aqui que vive em um namoro saudável e super feliz... — Ok, outch? — Afirmo com todas as palavras que diálogo é a chave de tudo. Se você ficou chateada porque a Camila não assume o que vocês têm, deveria ter sido honesta com as suas inseguranças numa conversa normal e longe daquela festa. Não com os nervos à flor da pele e o cérebro dela cheio de maconha. — Eu odiava quando as coisas que essa desmiolada falava começavam a soar inteligentes. Infelizmente, ela tem bons pontos de vez em quando. — Se ela já é meio maluca e exagerada normalmente, imagina chapada? Não sei como não tentou te matar também. Não é possível que as malucas só tentem assassinar eu!

— Eu sei, ok? Foi na emoção do momento! Fiquei alfinetando quando ela me contou sobre o brownie, porque odiei saber que ela 'tava indo na pilha daquelas pessoas, e todas as frustrações foram se misturando numa bola de neve e... quando eu vi, já tinha falado.

— Não 'tô dizendo que foi culpa sua. A bunduda também não ajuda! Vocês duas não se ajudam, na verdade. Porra, sentem e conversem igual duas pessoas normais!

— Engraçado... a menina que nos trancou na salinha do zelador com medo de dar um fora numa psicopata e de contar 'pra namorada que precisava fazer trabalho com a ex-peguete, me dando dicas sobre comunicação?

Ironizei, cansada de ficar trancada naquele lugar que cheirava a produto de limpeza e água suja.

— 'Pra quem brigou com a namoradinha, você 'tá toda engraçadinha e cheia dos sorrisos, viu, Jauregui?! Andou pulando a cerca?!

— Cale a boca! — Revirei os olhos. — Na verdade, preciso te contar uma coisa. Semana que vem, darei uma entrevista 'pra Nike.

— O quê?! — O queixo de Veronica foi ao chão.

— Uhum. Cinquenta atletas que são vistos como futuro do atletismo nos Estados Unidos.

— Puta que pariu! — Sem hesitar, minha melhor amiga me puxou para um abraço. Eu meio que trai Iglesias contando primeiro para a Camila. Ela sempre me apoiou muito; assistia as minhas corridas do começo ao fim, caminhava comigo quando eu estava sem ânimo para treinar, e cronometrava os tempos das minhas corridas sempre que eu pedia. O suporte dela era muito importante. — Sua bostinha! Você é foda 'pra caralho!

Enquanto eu lhe contava mais sobre a entrevista, finalmente fui libertada do meu cárcere privado e a gente pôde almoçar em paz.

— A hipotenusa é igual à raiz quadrada da soma dos catetos ao quadrado. Entendeu?

Sofia explicava matemática para a sua namorada calmamente, e eu quase conseguia enxergar fumaça saindo da cabeça de Veronica, de tamanho esforço que ela fazia para entender. Pelo jeito, a paz era apenas minha mesmo, mas ninguém mandou essa cabeçuda ficar de recuperação. E ainda está a um passo de brigar com a tutora...

— Hipotenusa não é aquela mulher do filme que a gente viu ontem?

Iglesias franziu a testa.

— Medusa, Vero! Era a Medusa!

Carson esclareceu, sempre muito paciente com a sua namorada desmiolada.

Sentadas à mesa junto ao casal, as outras garotas e eu caímos na risada. Era sempre engraçado assistir essas duas conversando.

— Você não cansa de ser idiota, Veronica? — Hailee bateu na nuca da Iglesias. — Sofia, como você teve a coragem de perder a virgindade com uma palerma dessas?

— Isso é tão fofo! — Allyson cantarolou. — O amor é lindo, Steinfeld. Não seja malvada!

— Apenas estou dizendo que tem que amar muito para poder perder a virgindade só uma vez e aí escolher essa abobada... — A morena continuou provocando ela.

— Uma vez? — Eu me intrometi no assunto, sorrindo sugestiva. — Tecnicamente, dá 'pra perder duas vezes, né?

— Assim... a Laur tem um ponto. — Normani concordou.

— E você não tem a virgindade de nada, né, Kordei?!

Veronica ergueu as sobrancelhas de maneira maliciosa, ganhando uma bela 'bolsada' da co-capitã das líderes.

— Cala a boca! — Ela se irritou, e a outra teve que usar os antebraços para se defender dos seus golpes. — Primeiro que, para a sua informação, aqui atrás é bem lacrado. — Deu de ombros. — Virgem tal qual Maria.

— Meninas, a gente pode, por favor, parar de gritar sobre virgindade?

Brooke pediu, um tanto quanto desesperada, e todo mundo caiu na risada outra vez. De fato, não era um assunto propício para o refeitório do colégio.

— Presta atenção nos seus estudos, V! — Empurrei a tampa quadriculada da caixa de pizza que tínhamos comprado fora de Earwood. Era o nosso jeito de celebramos a minha entrevista para a Nike! — Mais um 'F' no seu boletim e os seus pais terão que comprar um ginásio novo para a escola apenas para você passar de ano.

— Isso é possível? — Brincou, fingindo que fecharia o caderno, e Sofia revirou os olhos, certamente começando a ficar impaciente. — Amor, a gente já estudou o suficiente hoje! Agora é hora de comemorar! A Lauser está tendo os primeiros dias de glória da vida dela!

De novo: outch?!

— Aliás, Laur, sobre o que vai ser a entrevista mesmo? — Dinah quis saber. — Minha mãe pode te dar algumas dicas, se você quiser.

— Eles provavelmente vão perguntar sobre quando comecei a correr, quais prêmios já ganhei, as minhas inspirações, as aspirações... essas coisas. — Dei de ombros, fingindo costume. Entretanto, no fundo, estava me remoendo de nervoso. — Vai ser bem tranquilo e rápido, acredito eu. Mas adoraria ouvir algumas dicas!

O fato da Sra. Jane ser a "mulher do tempo" no canal três sempre me divertia. Adorava vê-la em frente ao mapa dos Estados Unidos, fazendo piadas com as mudanças climáticas e com o calor insuportável da Califórnia.

— Oi, garotas! — Camila resolveu dar o ar da graça. Achei que ela não sairia nunca daquela mesa das líderes repleta de idiotas. — Temos pizza?

— Sim! — Iglesias assentiu. — É um presente 'pra Laur, por conta da entrevista.

— Hmm... — Ela estava parada atrás de mim, e eu senti as suas mãos repousarem nos meus ombros, mal acreditando quando a mesma beijou a minha bochecha. — Parabéns, Jauregui. Você certamente merece.

— Obrigada, Cam- Camila!

Pigarreei, evitando chamá-la de "Camz" na frente dos outros.

Enquanto o resto da mesa não se importou muito com a interação e seguiu conversando sobre as péssimas notas de Veronica, Camila se sentou ao meu lado, e eu resolvi puxar assunto com ela.

— Não vai querer pizza? — Uma teia de queijo se formou quando eu peguei mais um pedaço de dentro da caixa, tentando desgruda-lo do outro.

Tenho quase certeza de que o café da manhã da princesa-herdeira se limitou a uma única unidade de panqueca. Dona Clara até tentou fazê-la comer mais, com aquele velho mantra do "você é tão magrinha, precisa se alimentar!", mas a Cabello não aceitou, afirmando que estava satisfeita e não comia muito pela manhã.

— Não, obrigada. Almocei na outra mesa.

— Ah, sim. — Mordi aquele pedaço triangular de pizza melecado de molho, sentindo o gosto maravilhoso de gordura e pepperoni. Tenho que aproveitar porque, nas vésperas das competições, a minha alimentação se baseia em macarrão e mais macarrão. — Tem certeza? 'Tá muito boa.

— Eu imagino... está pelo seu rosto inteiro.

Envergonhada pelo meu estado, deixei a pizza de lado, pegando um guardanapo e tratando de limpar-me corretamente. Às vezes, pareço com uma criancinha de cinco anos quando como. Não é algo para se ter orgulho.

— Desculpa... — Sorri sem jeito. Camila e as suas aulas de etiqueta desaprovariam a minha conduta; ela come panquecas como quem está comendo caviar num restaurante cinco estrelas. — Melhorou?

— Um pouco... — Roubou o guardanapo das minhas mãos e, com calma, deslizou-o pelos resquícios de queijo que sobraram no meu queixo. — Agora sim, Jauregui.

— Obrigada, Camila. — Suspirei, abaixando a cabeça para fugir das suas íris castanho-brilhantes. Tê-las perto assim era torturante.

— Boa noite, Camz.

Fechei os olhos, permitindo-me descansar depois de tantas emoções vividas hoje.

— E, Laur... — Camila chamou a minha atenção uma última vez. — Eu gosto de você também. Mais do que imagina.

A verdade é que eu não queria acreditar que todas as suas palavras foram da boca para fora, mas, ao mesmo tempo, precisava ser racional ou acabaria quebrando a cara com as minhas próprias expectativas. Bêbados falam qualquer coisa. Antes de falar que gostava de mim, Camila também falou que o meu coração era "bonito e sangrento" e me pediu desculpas por "pensar em chutar as minhas bolas duas vezes". Digamos que ela não se encontrava nas suas... melhores condições. Vai saber se, sei lá, não imaginou o Yves Saint Laurent na sua frente, e pensou que estava se declarando à YSL? Nunca se sabe o tipo de maconha que o Trent Ho Cho usou naqueles brownies. Desconfio que fosse a estragada!

De qualquer forma, eu estava sóbria como uma freira e em controle total das minhas faculdades mentais quando falei que gostava dela. Ou seja, não foi da boca para fora.

Eu gosto de Camila Cabello desde o primeiro momento em que coloquei os meus olhos nela. Fato esse que é engraçado demais, se levarmos em consideração as condições do nosso primeiro encontro.

Eu gosto dela e, sim, isso é loucura. No começo, eu morria de medo de que as coisas entre a gente acabassem assim, afinal, pensava que me apaixonar por ela seria quase como amarrar uma bigorna na canela e pular em alto mar. Sentia que a princesa-herdeira me torturaria até que eu perdesse a cabeça no momento em que percebesse que me tinha nas mãos. Porque, na minha cabeça, eu sabia tudo sobre a Camila...

Ela era Grand Water em carne e osso: mesquinha, arrogante e prepotente. Uma patricinha fútil que não enxergava nada além do próprio umbigo e não se importava com o que acontecia fora dos muros da sua mansão. Pensava nela como mais um rostinho bonito para as líderes de torcida, e só. Com o plus de ser uma das herdeiras do nome e da fortuna da família Cabello.

Tentei convencer-me de que não valia a pena conhecê-la; de que seu nariz empinado não escondia alguém muito diferente de Peyton Mullins ou de Trent Ho Cho. Quem sabe, até pior do que eles, tendo em mente que era a "dona" do pedaço ali; uma garota que podia pintar e bordar pela cidade.

Somente para eu descobrir que não sabia nada sobre ela. E me encontrar perdida nesse maldito labirinto que era Camila Cabello.

Eu, que sempre odiei Grand Water, apaixonada pela garota propaganda daquele falso-paraíso. Apaixonada pela líder de torcida mais popular que trazia no nome — e no sangue — os fundadores desse lugar.

Mas ela não é como os outros. Não mesmo. Hoje, percebo o brilho diferente que Camila traz no olhar. Não tem maldade de verdade neles. Às vezes, vejo um pouco de dor ali dentro. Uma dor camuflada que a Cabello faz de tudo para esconder.

— Ahm, Lauren? — A razão dos meus pensamentos acabou expulsando-me deles. — Você estudava em que escola em Winston City?

Que tipo de pergunta é essa?

— Deport High School, a que vai jogar aqui. Por quê?

ATENÇÃO, GALERA! — Era a voz do quarterback, Miles Farley. Olhei para frente e o jogador estava sobre uma das mesas do refeitório. É hoje que ele vai assumir a sua vocação para Troy Bolton e cantar uma música para a gente? E, espera aí, os jogadores estão gravando? Será que vai ter dancinha de TikTok também? Que ótimo, quebra tudo, Ken!Nós vamos acabar com esses filhos da puta!

De repente, ergueu o que era a cabeça de uma fantasia de mascote. E eu conhecia muito bem aquele urso usando óculos escuros.

— DEPORT, VOCÊS SÃO UM MERDAS! — Exibiu aquilo como se realmente tivesse decapitado alguém.

Os alunos começaram a gritar, uivar, latir, ou seja o que aqueles sons eram. Muitos bateram nas mesas e filmaram o momento com animação, assistindo Farley chutar a cabeça do mascote para longe. Não passava de uma provocação normal no futebol escolar; apesar de eles sempre pegarem mais pesado com Deport, a escola pública de Winston City.

— Camila, que porra é essa? — Normani não parecia contente com as suas líderes fazendo parte daquele circo. Muito menos a Cabello, que estava sofrendo com a gritaria piorando a sua ressaca.

— Peyton comentou comigo que o trote de ontem foi com Deport. Eles foram a Winston City e conseguiram invadir a escola para zoarem com o vestiário das líderes de torcida deles, e o "desafio" das nossas líderes novas foi roubar a fantasia de mascote do time de futebol.

Apontou com a cabeça em direção a um dos jogadores de basquete, que estava 'encoxando' a pobre fantasia roubada enquanto os garotos em volta filmavam.

"Chupa, seus merdinhas!

— Você 'tá zoando? — Kordei não quis acreditar e, sinceramente, nem eu. Qual é, qual a necessidade disso? — Onde eu 'tava que não ouvi sobre isso?!

— Eu não sei, mas provavelmente num lugar que envolvia terra e galhos. — Veronica acusou, maliciosa. — Vi o seu uniforme sujo!

— Iglesias, não é hora 'pra brincadeirinhas sem graça. Poupe-me! — A co-capitã parecia muito irritada com a atitude das líderes. — Tirarei isso à limpo agora. O que elas fizeram no vestiário de Deport?

— Aqui, Inez postou nos stories da conta privada dela.

Cabello nos mostrou o seu celular. Nas imagens, o local estava totalmente bagunçado, com toalhas espalhadas pelo chão e bancos virados de cabeça para baixo. Também tinha muita espuma jogada em cima das coisas, além de folhas e mais folhas de papel higiênico, mas o que chamava atenção era a pichação na parede:

"PERDEDORAS DE WINSTON CITY"

Era revoltante ver aquilo. Deport sequer provocou esses desgraçados! E outra, é claro que nós vamos perder o jogo, afinal, mal temos um campo decente para treinarmos, ou 'papaizinhos' pagando pela renovação dos equipamentos de treino sempre que precisam comprar vagas para os seus 'filhinhos' no time!

"Nós". Querendo ou não, eu era de Earwood agora, e vestia a camisa deles. Não podia me incluir no barco de Deport.

— Você está bem, Lauren? — Allyson descansou a mão no meu ombro.

— Tudo certo... — Engoli a seco, vendo Cabello bloquear a tela do iPhone. — Só fico puta com essa bobagem toda.

Todos os meus amigos de infância estudam em Deport, é uma merda sentar aqui e vê-los sendo humilhados.

ALUNOS! — A vice-diretora finalmente apareceu para acabar com a festa dos brutamontes. — EXIJO ORDEM NESSE REFEITÓRIO!

Eles seriam punidos pela bagunça? Certamente não. Igual não serão punição por invadir Deport High School, porque nenhum deles jamais sofre com as consequências dos seus atos.

— Veronica? — Em meio ao caos da fantasia roubada, alguém surgiu do além em frente a nossa mesa. Oh, não, essa é a...

— Jessica! — Iglesias sorriu amarelo e Normani, Hailee e eu nos entreolhamos. Todas nós sabíamos da história delas. — Que legal ver você aqui num momento bem oportuno!

— Vê? — Sofia ergueu as sobrancelhas, deixando visível a sua confusão. — Quem é?

— Amor, essa é a Jessica, minha colega de biologia. Jessica, essa é a minha namorada, Sofia! — A morena explicou de maneira calma, porém, as suas mãos tremiam segurando aquele pedaço de pizza.

Nunca em um milhão de anos ela enganaria a Carson ou faria algo de ruim para colombiana — a minha melhor amiga realmente estava apaixonada. Mas, nesse momento, eu não queria estar na pele dela.

— Você é uma desgraçada, Veronica Iglesias! — Em um ato de revolta, Jessica pegou o meu copo e jogou suco na cara da "ex-namorada". Qual é! Eu ainda estava bebendo! Não é todo dia que ganho comida de graça das minhas amigas! — Você sequer tem consideração pelo nosso namoro!

De repente, a mesa toda ficou em silêncio. Inclusive Sofia.

— Sofs, espera aí! — Veronica tentou impedir a namorada de levantar do banco do refeitório e sair andando, mas falhou miseravelmente. — Amor! Não é isso! Vem cá!

E correu atrás dela. Oh, Deus...

— Vish... — Dinah assobiou. — Essa eu quero ver.

— Não entendi, você também é namorada da Iglesias? — Allyson franziu o cenho. — Porque nós vamos matá-la se for verdade.

— A gente namorou nas férias!

Namoraram nas férias? — Tive que me manifestar. Essa filha da puta acabou com o meu suco por causa daquele "namorico"?! — Vocês duas saíram por uma semana, Jessica! Até cupons de testes grátis duram mais!

— Lauren, por favor. — Camila sussurrou. — Minha cabeça vai explodir. Não quero saber de mais gritos!

— Escuta, garota, pegue esse seu rancorzinho e saia daqui! — Normani colocou ordem na mesa. Poucas pessoas não dariam ouvidos à co-capitã das líderes. — Vai, vaza! — Balançou a mão como quem expulsa um pobre cachorrinho e a garota não teve outra opção senão ir embora. — Preciso resolver essa merda com as líderes. Você vem, Mila?

— Claro. — A mesma assentiu, levantando do banco.

— Nós vamos atrás da Sofia. — Disse Allyson, indicando Dinah com a cabeça. — Vocês vão ajudar a Vero?

— Eu até ajudaria, mas a minha vontade de não ajudar é maior. — Hailee se espreguiçou.

Eu nem sabia o que fazer primeiro. Será que deveria mandar uma mensagem aos meus amigos de Winston City? Sair à procura de Iglesias e ajudá-la a se resolver com a namorada? Ou impedir Camila de ir embora e pedir para conversarmos de uma vez?

Ah, droga! A gente nem terminou de comer as pizzas!

Camila Cabello POV

Ressaca.

As vozes dos professores eram quase como armas biológicas, entravam pelos meus ouvidos e espalhavam uma dor fora do comum pela minha cabeça. Meu cérebro parecia estar em chamas e corria o risco de explodir a qualquer momento, e eu o sentia pulsar por de trás dos meus olhos. Acho que nunca tinha tido uma ressaca tão ruim na minha vida; sequer conseguia me manter acordada. Dormi em cada uma das aulas e evitei fazer qualquer esforço para estudar.

Durante o almoço, estava me sentindo um pouco melhor, mas a gritaria e o caos generalizado levaram-me à estaca zero novamente.

Agora, mal tinha chegado na sala e já havia escondido o rosto entre os braços, afundando-o na carteira. Se os meus olhos entrassem em contato com a luz mais uma vez, eles derreteriam. Dinah tinha razão: os óculos escuros teriam sido uma boa pedida.

— Qual a capital do estado de Washington?

Estava sonhando com um campo de ovelhas onde álcool e maconha não existiam, quando alguém espalmou a mão na minha mesa, atrapalhando o meu sono. Seja lá quem fosse, eu assassinaria. Mas o quê...

— Hum?

Franzi o cenho, voltando a realidade aos poucos enquanto esfregava os meus olhos pesados.

-— Qual a capital do estado de Washington, dorminhoca?

A professora de geografia refez a pergunta. Atordoada, despertei-me do meu cochilo devagarinho, ainda raciocinando o fato de ela ter mesmo me acordado.

— Washington? — Sacudo a cabeça, piscando rapidamente. — É... Olympia, Sra. Western.

— Certo. E a maior cidade de Washington é Seattle, não? — Assenti, ainda meio perdida. Que droga é essa?! Não se pode dormir em paz?! — Seattle, a capital do café! Por que você não vai arrumar um pouco de cafeína para ver se para de dormir durante a minha aula?

Com calma, abriu a porta. Todos os alunos começaram a cochichar e rir entre si, mas eu não entendi o que a professora queria que eu fizesse. Ela quer que eu vá comprar um café e depois volte para a sala? Bem, não seria uma má ideia! Estou morrendo de sono e...

— Fora! Você ainda está dormindo?

Meus colegas explodiram em um coro de "wow!" e só aí eu fui me ligar: Sra. Western estava me expulsando da aula.

— Acho melhor você ir logo. — Miles Farley sussurrou no meu ouvido, ocupando a cadeira atrás de mim. De onde ele veio mesmo? Ah, droga de sono idiota!

— Sr. Farley, quer se juntar a sua namoradinha?

O mesma arregalou os olhos e jogou o tronco para trás, ajeitando sua postura. E se a turma já ria antes, agora explodiram em risadas, assobiando maliciosamente pelo adjetivo usado pela professora. Quem ela pensa que é para dizer que eu sou "namoradinha" de alguém?!

— Não, nós não...

Ele tentou explicar, mas a mulher não deixou.

— Bom mesmo! Estou fazendo um favor a você e ao seu clubinho de jogadores te deixando ganhar uns pontos extras na minha matéria. Não me custa nada te expulsar!

Ah, é por isso que Miles está aqui?

— Sra. Western, acredito que a senhora esteja tendo uma reação um tanto quanto exagerada. — Sussurrei para a professora assim que ela voltou a se aproximar de mim. — Meu nome é Camila Cabello e...

Comecei a me apresentar, lembrando que essa professora era nova no colégio e, pelo jeito, não me conhecia direito. Quem ela pensa que é para me expulsar da sala?!

— Ah, seu nome é Camila Cabello? Que bom, o meu é Carolina Western, mas eu queria que fosse Margot Robbie! — Ela ironizou, indicando a porta. — Saia da minha aula, Srta. Cabello!

Sem paciência para discussões, juntei os meus materiais com pressa e guardei tudo de qualquer jeito na mochila. Não é como se a vice-diretora não fosse me colocar para dentro da sala se eu pedisse. E a minha avó vai telefonar para essa escola!

A mais velha me empurrou pelos ombros em direção a porta e me deixou no corredor. O que eu sou? Um cachorrinho?

— Antes de sair, devo informá-la de que o meu pai pagou pela reforma feita nessa sala. A reforma inteira. — Reforcei a minha postura, tentando soar o mais educada possível. — Até por aquele mapa-múndi horroroso ali, provavelmente...

— Avise ao seu pai que a cadeira do professor é uma droga! Dá dor nas costas! — E bateu a porta na minha cara, me deixando do lado de fora. — Urgh, eu odeio essas pessoas de Los Angeles! O que esperar de uma cidade onde todos os moradores são contra carboidratos? Se você não come, você dorme!

Filha da mãe! Eu nem sou de Los Angeles!

E, aí, minha cabeça, porra!

O que a gente faz ao ser expulso da sala? Fica vagando pelos corredores? Vai até a diretoria? Espera cinco minutos e volta? Eu nunca fui expulsa de qualquer aula antes. Sendo sincera, os professores me tratavam como se eu fosse a próxima rainha da Genóvia no meu antigo colégio — o que fazia sentido, já que o meu pai não era nada modesto na hora de abrir a carteira e patrocinar eventos escolares.

Quer saber? Foda-se!

Ocupei um dos pufes redondos da sala de descanso dos alunos e ali fiquei. Já tinha problemas o suficiente e não seria uma professorazinha vinda da puta que pariu que acabaria com o resto da minha paz. Se é que ainda sobrou alguma.

Ontem à noite, admito que extrapolei com alguns limites. E pela punição em forma de dor de cabeça que o universo mandou para mim, vejo que tenho muito o que conversar com a Jauregui.

Nesse exato momento, ela deve estar pensando que eu entrei em algum tipo de surto psicótico quando começamos a brigar. Joguei tantas merdas sem sentido na cara dela e sequer sei dizer o porquê. Sinceramente? Não consigo lembrar direito de boa parte da nossa conversa. Lembro-me somente de fazer acusações baixas contra Lauren e convencer a mim mesma de que ela só estava discutindo comigo porque queria defender a Holly Chapman, sua ex-namorada. Ou seja, não devia mesmo ter ido na onda de caras como Trent Ho Cho e Jackson Hill. Se não tivesse comido aquele maldito brownie ou bebido com eles, aquele diálogo teria sido bem mais fácil.

Quer dizer...

Nós não somos boas em conversar, e admito que boa parte disso se deve a minha mania de "dona da razão". Não é por querer, mas eu sempre acredito que estou certa. E, na maioria das vezes, estou mesmo, logo, a culpa não é totalmente minha. Mas também admito que possuo muitos problemas de ego abalado e comunicação.

Mesmo quando sei que estou errada, não consigo aceitar. Preferi acusar Lauren de coisas que ela nunca fez e tentar puni-la por elas, do que abaixar a cabeça e escutá-la. Assim como não soube expressar as minhas frustrações e fui injusta nas minhas palavras.

Não que a atleta tenha sido santa na nossa briga; não mesmo, muitas coisas faladas por ela tocaram em pontos meus que não gosto que mexam. Quando Jauregui deu a entender que eu estaria a usando para "satisfazer os meus caprichos", lembrei-me de Felicity fazendo as mesmas acusações, e dizendo que o meu interesse pela "bolsista de Winston City" partia da minha vontade de lhe provocar e envergonhar a minha família.

Por que eu não posso ser vista apenas como uma adolescente normal? Uma garota comum, que se interessa pelos outros? Que gosta de fazer amizades? Que gosta de sair? Por que tudo sempre é sobre ser uma Cabello e nunca sobre ser a Camila?

E se eu não passo mesmo de um mero sobrenome iluminado como diamantes no céu, do que adianta tentar criar relações, sabendo que não sou nada além de um conceito? Sabendo que todos ao meu redor olham para mim e não me veem de verdade?

E o pior de tudo? Eu que comecei com isso. É maior maldição da minha vida e a merda da culpa é minha.

Às vezes, eu me pergunto se a minha mãe era uma mulher boa com conselhos. O que ela diria, caso eu pedisse dicas sobre como me resolver com a Lauren? Ou sobre como ser mais simpática com os outros e parar de fazer inimigos?

Sinuhe sentiria vergonha de quem eu sou hoje? Ela ficaria frustrada caso descobrisse que bebi além da conta numa festa e, de brinde, comi um brownie recheado de maconha? Ela se decepcionaria com as coisas que aconteceram em Miami? Ou seria a única a acreditar em mim?

— Droga... — Cobri os olhos com as mãos. Prefiro morrer do que aguentar mais dez minutos dessa dor de cabeça insuportável!

— Cabello? — Aquela voz masculina veio tão de longe que parecia que eu estava prestes a desmaiar. — Quer? — Minha visão borrada enxergou cabelos loiros e uma garrafinha de água estendida em direção a mim. — Imaginei que estivesse mal por causa da ressaca e tal. Resolvi checá-la com os meus próprios olhos.

— Não precisava, Miles... — Sorri sem graça, aceitando a água de bom grado. Não estava em posição de recusar gentilezas. — Obrigada mesmo pela preocupação. Essa ressaca aqui está quase se tornando uma doença crônica.

— Não há de quê. — Deu de ombros, sentando no pufe ao meu lado. — Você vai torcer hoje?

— Acredite, irei tentar. — Ri baixinho, tomando um gole d'água. — Estou presumindo que será um jogo de nervos à flor da pele. Se eu fosse uma líder de Deport, estaria com sangue nos olhos.

— É, acho que sim... — Farley me encarou, sorrindo daquele jeito que fazia todas as líderes de torcida se derreterem. Sendo sincera? Não via nada demais nele. Era um cara comum. — Temos sorte de você ser de Earwood, não? Ao menos, a melhor líder de torcida estará do nosso lado e não do deles.

Se tem uma coisa que eu não sou, é devagar. Tinha plena consciência de que aquilo era uma cantada descarada e, Céus, não queria lidar com essa situação. Não agora, enquanto os meus miolos fritavam como se estivessem na Tomorrowland.

— Olha, Farley...

— O que você vai fazer depois da partida? — O jogador não me deixou concluir. — Os caras e eu estávamos pensando em sair 'pra comer e, sei lá, se divertir pela cidade. Algumas garotas vão também e...

— Com essa ressaca aqui, estarei em um carro voltando para casa no momento em que o juiz apitar. — O cortei sem pensar duas vezes. Não preciso de nenhum garoto perturbando o meu descanso para falar essas picuinhas.

— Oh, tudo bem... — Abaixou a cabeça, porém, não soou convencido. — Você não vai mesmo me dar uma abertura?

Ai, caralho...

— Miles, você é um carinha legal, mas eu acabei de chegar na cidade e não quero esse tipo de... envolvimento com ninguém, entende? — Era uma mentira descarada, é claro. — Preciso de um tempo para mim.

— Certo, Camila. — Ele assentiu, levantando-se do pufe. Não conseguia ler as suas expressões e decidir o que Farley estava sentindo. Talvez, fosse o primeiro "fora" da sua vida em Grand Water. — Não vou insistir.

— Obrigada.

Ok, não foi tão ruim. Pelo menos, o garoto é conformado e tem educação.

— Eu vou indo nessa, ok? Me deixe saber caso mude de ideia, adoraria levá-la para sair. E, ah, a gente se vê no almoço com as nossas famílias.

(...)

— Cabello, a senhorita não irá participar da aula?

Vejam bem, eu gosto de exercícios; só não gosto de correr que nem boba em campos ou de escalar cordas. E para piorar, a professora de educação física resolve nos colocar em frente a uma máquina que lança bolas de basebol sem parar, e espera que a gente rebata com um taco.

— Não, obrigada.

Dei de ombros, sentando no banco e colocando os meus óculos de sol. Eu? Com uma ressaca dessas, parando em frente a esse treco e esperando por uma bolinha idiota acertar o meu nariz naturalmente lindo? Nah, passo.

A professora abriu e fechou a boca algumas vezes, mas preferiu segurar o seu apito e deixar-me ali, indo intimidar outros alunos.

Lauren
Educação física agora?

O celular vibrou sobre as minhas coxas.

Camila
Uhum
Me sinto bem melhor da ressaca, antes que pergunte

A Jauregui e eu tentávamos encaixar os nossos horários para conseguirmos conversar pessoalmente, mas nada dava certo.

Nos poucos minutos em que nos encontramos entre uma aula ou outra, preferi perguntar sobre a sua entrevista para Nike, do que começar a falar sobre a nossa briga em meio ao corredor principal do colégio; como se fosse adiantar em alguma coisa.

Inclusive, eu estava realmente muito feliz pela conquista dela. E olha que não sou de ficar feliz pelos outros. Normalmente, fico feliz só por mim, mesmo.

Lauren
Que bom :)
Espero que tenha me perdoado pelo café da manhã caótico que atropelou a sua ressaca

Camila
Não tenho o que perdoar
Foi muito legal :)

De fato, passar a manhã com a família Jauregui foi o ponto alto do meu dia — apesar de eu ter me sentido como uma vagabunda que a Lauren levou para a casa. Não era de bom tom beber descontroladamente, a mãe dela deve ter pensado coisas ruins ao meu respeito. Ainda mais porque me descobriu de surpresa em sua residência, escondida no banheiro sem saber o que falar para a "Vovó Harriet".

Entretanto, o café da manhã foi ótimo. Conheci o Levi, irmão mais novo da Lauren, e o seu ex-padrasto, Pablo. A mesa estava cheia com os seus familiares e as panquecas cheiravam à infância. Não que eu não estivesse acostumada com comida farta e brunchs lotados de amigos da Felicity, mas... era diferente. Não era uma refeição banal; era uma refeição em família.

Ter Clara Jauregui parada ao meu lado, usando um avental e segurando uma frigideira enquanto perguntava se eu queria mais suco, me lembrou de como nunca tive esse tipo de atenção no café da manhã. Normalmente, eu desço as escadas e encontro uma mesa perfeita, montada com tudo o que gosto de comer, mas sem ninguém sentado lá. E mesmo quando Felicity está, eu sento e como sem falar nada. Vez ou outra tendo alguma empregada perguntando se tudo está nos conformes.

Lauren tem manhãs diferentes das minhas. A sua cozinha pequena parecia muito maior do que a minha enorme sala de jantar. No silêncio da presença de Felicity e Alejandro, me sinto sufocada lá. Na sua casa, foi... diferente. Foi divertido. A sua avó, Harriet, era muito engraçada, e Clara me tratou extremamente bem.

Lauren
Fico feliz, Camz
Preciso ir agora, tenho treino
Aliás, vocês e as outras líderes vão viajar com a gente pra próxima corrida, certo?

Camila
Claro
Quero torcer por você

— Essa professora maldita me paga. — Charlotte Smith já chegou resmungando. Ao seu lado estavam Peyton Mullins e River Woods, ambas igualmente indignadas com a atividade de basebol. — Acredita que eu machuquei o meu pulso?! Como vou 'pra apresentação agora?!

Ah, que pena, Charlotte...

— Falando nas líderes, olhem só as coxas da Hayden... — Peyton disse e, ao mesmo tempo, todas nós encaramos a ruiva do outro lado do gramado, de costas enquanto alongava os seus braços. — Ela engordou quantos quilos nessa semana? Quatro?

O grupo riu baixinho e River prosseguiu: — Meu deus, ela 'tá enorme.

— Se eu engordasse quatro quilos, nunca mais usaria um short na vida. — Charlotte fez uma careta. — Enorme? A Hayden 'tá uma baleia. A Cooper precisa falar com ela!

— A Eloise é boazinha demais 'pra isso, e a Normani é pior ainda. Ela ficou puta por causa da iniciação em Deport High School. — Peyton revira os olhos, olhando para mim. — Por que você não fala, Cami? As líderes te respeitam.

— Eu? — Ergui as sobrancelhas. — Nem vem, Peach. Não tenho nada a ver com isso.

Hayden finalizou os seus alongamentos e, por ironia do destino, ficou de frente para a gente, acenando animadamente. Todas as garotas ao meu lado sorriram e acenaram de volta; como se não estivessem detonando-a segundos antes.

— Cabello, ninguém quer uma obesa na equipe. — Charlotte levou as mãos até a cintura. — Pega até mal 'pra gente.

— Quando a aula acabar, eu posso perguntar se ela está bem. — Sugeri, tentando mudar o teor da conversa. — Algo pode ter acontecido.

— É melhor perguntar se a geladeira dela está bem...

Peyton zombou e, mais uma vez, o grupo de líderes começou a rir; aquela risada nasal, típica de todo o filme sobre garotas más e ensino médio.

— Aí, Peach, você é tão malvada! — River sorriu, levando o indicador até a boca e depois reproduzindo aquele som de "tss", quando apagamos uma pequena chama de fogo. — Hashtag fala sem medo.

— Por que a gente não conversa sobre o jogo dos Hawks hoje? — Foi o jeito que eu encontrei de acabar com aquele assunto desconfortável sobre Hayden.

— 'Tá legal, Cabello, não 'tá mais aqui quem falou... — Peyton soou entediada. — Não precisa ficar tão ofendida.

(...)

— Camila?

Lauren me encontrou no corredor, brigando com a máquina de vendas automática. Tinha esquecido-me de responder as suas mensagens.

— Oi, Laur...

— Espera aí! — Sem delicadeza alguma, chutou a máquina, e eu assisti, através do vidro, a minha barrinha de cereal despencando. — Sério, vocês pagam dois milhões por mês 'pra estudarem aqui e eles não trocam essa porcaria?

— Não seja exagerada. Quer um pedaço? — Peguei a embalagem, oferecendo-a à atleta. Pelos seus cabelos molhados e a cara levemente avermelhada, Jauregui tinha acabado de sair do treino. Vê-la toda suada assim era um ponto fraco. — Olha, eu... eu me sinto culpada por nós não termos conversado ainda e... tem algumas coisas na minha cabeça agora...

Comecei, baixinho, notando a pouca quantidade de alunos em volta da gente; a maioria distraído com as suas próprias merdas.

— 'Tá tudo bem, Camz. Eu entendo que não seja um dia bom. — Certo, Lauren. Você vem até aqui, para na minha frente, toda gostosa e suada, e começa a ser fofa e compressiva comigo? Quer me comer, é só pedir... — Mas me prometa que não estamos brigadas.

— Não estamos brigas? — Sorri sem mostrar os dentes, reprimindo toda a minha vontade de agarrá-la ali mesmo. — Não sei, adoro ficar brava com você. Se eu ceder fácil assim, você irá se acostumar mal...

— Nesse caso, eu vou ficar brava com você também. — Cruzou os braços, brincalhona. — Aí estaríamos quites.

— Para com isso. — Revirei os olhos daquele jeito que sabia que a Jauregui adorava. E seu olhar preso na minha boca não me deixou mentir. — Nós estamos bem, Lauren. Não se preocupe.

— Ótimo. — Roubou a barra de cereal das minhas mãos e pegou um pedaço, devolvendo-a com um sorriso sapeca no rosto. — Não quer mais nada da máquina? Estou aqui 'pra chutá-la por você, princesa-herdeira.

— Não. Na verdade, queria te perguntar se a Veronica e a Sofia se resolveram?

— Ainda não. A Sofia está se sentindo meio que humilhada pela Veronica, não acho que elas vão se resolver tão cedo.

— Hum... — Assenti com a cabeça. — Relacionamentos são assim mesmo. Uma hora ou outra elas se acertam.

— Pois é. — Concordou comigo, colocando cinco dólares dentro da máquina e selecionando um salgadinho, que despencou até o dispenser. — Quer um?

Me ofereceu o pacote de Cheetos, como se houvesse a menor chance de eu comer esse negócio grudento e fedorento.

— Nem morta. — Neguei com a cabeça. Prefiro literalmente me afogar. — Obrigada, Lauren.

— Pelo o quê? — Ela juntou as sobrancelhas. — Por te oferecer salgadinho?

"Por se importar comigo", respondi mentalmente.

— Pela ajuda com a máquina. — Foi o que saiu.

— De nada, Camz. — Acaricia o meu antebraço.

Tenho alguns lampejos de memória da noite passada — depois de beber aquele copo de vodca — porém, não sei diferenciar o que é verdade e o que é imaginação. Lembro de escutar Lauren e Dinah discutindo no carro; de quase cair enquanto esperava a Jauregui abrir a porta da frente da sua casa; de tê-la colocando meias nos meus pés e depois de obrigá-la a deitar comigo.

Havia também alguns diálogos, nada era claro, mas eu sentia que tinha despejado nela mais coisas do que deveria. E tenho quase certeza de que tentei torturá-la psicologicamente para fazê-la me comer...

(...)

— Um, dois, três e... sorriam!

Mais um flash.

Mantive os olhos abertos e sustentei um sorriso de orelha a orelha enquanto o fotógrafo apontava a sua câmera em direção à minha família e eu.

— Ótimo! — Amanda Cooper bateu palmas.

Sim, era a mãe Eloise Cooper. Mais do que isso; uma das melhores amigas de Felicity e dona da empresa especialista em relações públicas que faria a gestão da campanha do meu pai.

Alejandro descansou os ombros e a minha madrasta tratou de ajeitar o blazer dele. As fotos precisavam ser perfeitas, afinal, era a sua primeira grande aparição desde que lançou a candidatura à prefeito de Grand Water.

— Você está linda, Paris. — Elogiei a minha irmã mais nova. Era engraçado como a gente se parecia, mas, ao mesmo tempo, éramos diferentes. E aquele vestidinho branco cheio de flores a deixava realmente muito amável.

Mais cedo, quando observei Lauren e Levi juntos, não pude evitar de pensar na menor. Ela nunca desce para tomar café da manhã. Por que eu nunca subi e fiquei com ela?

— Por que você 'tá dizendo isso? — Me fita de olhos cerrados.

— Porque você é a minha irmãzinha e está mesmo muito bonita, algum problema? — Quase revirei os olhos. Seja carinhosa, Camila!

— Hmm... — Mesmo desconfiada, aceitou o elogio. Eu sou assim tão indiferente com ela? — Você também está. Parece a Gossip Girl Loira.

— "Gossip Girl Loira"? — Foi a minha vez de ficar confusa. — Você quer dizer, a Serena van der Woodsen?

— Sim! — Responde simples. Espera aí...

— Quem te deixou assistir a essa série, mocinha?! Não é coisa 'pra sua idade!

— A babá assiste comigo. — Deu de ombros.

Ótimo! Paris está na fase em que as babás são as nossas melhores amigas. Também passei por isso; Maria, a minha ex-babá, deixou-me assistir ao "Massacre da Serra Elétrica" quando eu tinha dez anos.

Mon cheri... — Felicity carinhosamente ajeitou os cabelos loiros da filha, enfiando o nariz na nossa conversa. — Aproveite a pausa de cinco minutos para comer alguma coisa. A mesa dos petiscos está ali, mas tome cuidado para não sujar a sua roupa.

— Claro, mamãe! — Abraçou a minha madrasta, beijando-lhe a bochecha. Paris tinha muito mais do que a atenção das babás; Felicity não era, nem de longe, uma mãe ruim. O problema dela era exclusivamente comigo.

— Olá, Karla. — A loira me cumprimentou assim que ficamos sozinhas. Não tínhamos conversado desde que cheguei em casa e encontrei todos esses fotógrafos e repórteres espalhados pela minha sala de estar. — Onde dormiu depois da festa ontem?

— Na casa da Dinah. — Não quis estender aquela explicação. Onde eu dormia ou deixava de dormir não dizia respeito a ela.

— Interessante... — Deu um gole na sua taça d'água, fitando-me com um sorrisinho sarcástico nos lábios. Às vezes, analiso as minhas ações e vejo um pouco de Felicity em mim. — Milika comentou que Dinah saiu com o seu carro pela manhã e disse que te buscaria em casa. Mas nenhum dos nossos funcionários viu vocês duas.

— Poupe-me desses seus rodeios. O que quer saber? Aonde eu estava? — Me aproximei de minha madrasta, checando Alejandro por cima do ombro. Meu pai se encontrava distraído em uma conversa com o repórter do "GW Notícias", jornal local da cidade. — Porque isso não é da sua conta.

— Você ainda mente tão bem quanto antes, não é, Karla? — Apesar de suas palavras não serem nada amigáveis, a mulher sorria como se estivessem sendo, mantendo a pose de "família perfeita" que precisávamos performar. — Talvez não seja da minha conta, mas é da conta do seu pai.

— E o que seria da minha conta?

Alejandro resolveu se juntar a nós.

— Pergunte a sua filha, querido.

Os dois me encararam ao mesmo tempo.

— Eu... — Engoli a seco, sentindo a minha postura vacilando. — Eu tenho uma ideia para a entrevista. Nós deveríamos sentar à mesa e simularmos um café da manhã. Nada muito extravagante... as pessoas gostarão mais de você se puderem se identificar com você. Elas nos verão tomando café juntos, como uma família normal, e perceberão que somos iguais a eles. A melhor imagem que você pode passar, é de que é um deles.

— Ah, Kaki... — Ele prendeu o meu rosto entre as mãos, depositando um beijo carinhoso no topo da minha cabeça. — Meu anjinho brilhante! Eu gostei muito da ideia, irei repassá-la à Amanda. Você gostou, amor? Não sente orgulho da nossa Camila?

— Eu sinto muito orgulho dela, querido. — Ah, é claro que sente. — Karla sabe usar a sua inteligência.

Me fitou de maneira cínica.

— Sr. Cabello, com licença?

O repórter chamou pelo meu pai, que prontamente o atendeu, nos deixando sozinhas mais uma vez.

— Onde está indo?

Felicity perguntou assim que fiz menção em me retirar.

— Não se preocupe, não tenho intenção alguma de atrapalhar o nosso teatrinho de família margarina. Só vou sentar com a Paris e comer alguma coisa.

— Ah, sim. — A loira me analisou de cima a baixo, abrindo mais um dos seus sorrisos. — Mas cuidado com a boca. Você não quer perder a sua forma.

Essa filha da puta disse o quê?

— Escuta aqui, Feli...

— Camila! Você tem que ver como se saiu bonita nas fotos. — Amanda Cooper parou atrás de mim, me interrompendo. — Eloise me disse coisas ótimas sobre você! As duas andam próximas, não?

— Muito obrigada, Sra. Cooper! — Precisei engolir toda a minha raiva e ser simpática com a mais velha, virando-me para ela e abrindo o meu melhor sorriso. — Oh, sim, andamos sim. Eloise sempre foi muito receptiva comigo.

Depois de milhares de fotos e uma longa entrevista gravada na mesa do "café da manhã" — assim como eu havia sugerido —, fui liberada daquela tortura; com cãibra nas bochechas de tanto fingir sorrisos e risadas.

Eu estava irritada, estressada, com dor de cabeça... sentindo vontade de me esconder dentro do quarto e nunca mais sair de lá. Porém, precisava correr para Earwood para não perder o e treino pré-jogo.

Camilita... — Rosina me esperava no pé da escada com um prato em mãos. — Olha aqui o que preparei. Você precisa comer algo antes da sua apresentação!

Foi só aí que percebi que a minha barriga doía. Sequer tinha conseguido comer os petiscos depois da conversa com a minha madrasta.

TW (aviso de gatilho)
Transtorno alimentar



Sempre tive uma relação difícil com a comida. Desde muito nova, me olhava no espelho e enxergava uma imagem que não gostava. Quando cheguei aos quatorze anos, tracei certa obsessão pelos corpos de modelos; assistia os desfiles da Victoria's Secret e queria ser como elas. Na escola, as garotas não eram muito diferentes disso. Você precisava ser bonita para se encaixar, e, na minha cabeça, eu só seria bonita se fosse magra.

Felicity foi modelo por muitos e muitos anos. Apesar de nós termos um relacionamento conturbado, eu me inspirava nela no quesito "beleza", porque a minha madrasta era a mulher mais bonita que eu conhecia. E eu sabia que, seguindo a sua rotina de exercícios e a sua dieta perfeita, teria a chances de ser igual a ela.

E não, eu não acho que isso seja certo. Não acho que privar a si próprio de comida gere algo além de crises ou que não ter um corpo extremamente magro te faça menos bonita. Mas quando me olho no espelho e vejo algum excesso, ou até mesmo noto que a minha coxa parece "mais flácida" do que o normal ou coisa parecida, não posso evitar de me sentir mal, quase sufocada. E por mais que eu tenha visitado diversos psicólogos em Miami buscando tratar os meus problemas com comida, não é algo que desaparece facilmente. Ainda mais porque parei com o acompanhamento psicológico quando cheguei em Grand Water.

Não é sobre não querer comer. É claro que sinto vontade e sou premiada com dores de barrigas intermináveis quando entro em jejum. Porém, haviam momentos que comer me causava ainda mais dor; tão físicas quanto as da fome. Pior do que isso; na maioria das vezes, as minhas refeições vinham acompanhadas do sentimento de culpa e eu odiava aquilo. Odiava ouvir Felicity dizendo que eu estava ficando "enorme", ou vestir o uniforme das líderes segunda-feira e não me sentir bonita, porque comi um pedaço de chocolate no final de semana. Odiava olhar para um prato praticamente vazio e enxergar uma montanha de comida sobre ele. Nas minhas piores crises, chegava a convencer a mim mesma de que estava sentindo o meu corpo engordando conforme comia.

Apesar disso, atualmente, há dias e dias na minha vida. Na maioria deles, estou bem, e como na medida do possível; apenas para algo desencadear os meus distúrbios e eu voltar a me limitar outra vez. As últimas semanas têm sido complicadas e comer passou a ser a menor das minhas preocupações. Desde o leilão, até a briga com a Felicity, as confusões com a ex-namorada da Jauregui, minhas próprias questões internas... tudo contribuiu para primeira vez em que entrei em crise de verdade desde que pisei em Grand Water.

Eu não queria ser assim, não mesmo. Queria ser normal e não uma maldita problemática. Por esse motivo, tinha vezes em que me obrigava a comer, quando sentia que as coisas estavam saindo do controle. E foi o que eu fiz ao encontrar a governanta ali, com medo de passar por aquelas coisas de novo...

— Obrigada, Rose. — Aceitei o prato de bom grado. Era sanduíche de peru, mas eu relevei. Poderia sobreviver.

No final, devorei dois sanduíches, o que deixou a Rosina feliz.

Mas, sozinha no meu quarto, me olhando no espelho enquanto vestia o uniforme das líderes de torcida, eu só conseguia pensar nas palavras de Peyton, Charlotte e River sobre Hayden, e em como elas comentariam aquilo sobre mim caso eu engordasse.

Pensava em Felicity dizendo para eu "cuidar a boca", e me odiava por dar a ela o poder de entrar na minha mente.

Me odiava por acreditar que ficar sem comer me acalmava, porque era a única coisa que eu conseguia controlar quando tudo parecia fora de controle.

Me odiava por ter comido.

Me odiava por não ter comido o suficiente.

Me odiava por não ter ideia de como vencer aquela batalha interna que carregava dentro de mim.

Naquele momento, eu deveria ter desistido da apresentação. Ao invés disso, prendi o meu cabelo em um rabo-de-cavalo alto e respirei fundo, sabendo que havia apenas uma coisa que faria com que eu me sentisse bem e pronta para ir a Earwood. E, porra, eu não queria. Juro que não queria...

E mesmo assim o fiz.

Entrei no banheiro do quarto e, ajoelhada ao lado do vaso sanitário, fechei os olhos, desejando acabar logo com aquilo.






Lauren Jauregui POV

— Senta logo, Jauregui! — Veronica me puxou pela jaqueta. Desde a briga com a sua namorada, ela está um saco; só sabe choramingar e suspirar pelos cantos.

— Ainda não marcou um motel com a Carson, Iglesias? — Dinah perguntou, ocupando o espaço vazio ao meu lado. — Dizem que sexo de reconciliação é sempre quente. Lauren e você são duas lentas!

Nós três estávamos nas arquibancadas do colégio, aguardando pelo início da partida de futebol americano entre Earwood High School e Deport High School. Eu havia prometido a mim mesma que não viria a esse jogo, mas Camila jogou baixo ao me enviar mensagens pedindo pela minha presença na sua apresentação.

"Meu bem, você não vai dizer não, não é?"

É claro que eu não diria.

De qualquer forma, ainda era estressante estar aqui. Me sentia como uma traidora por vestir a jaqueta de Earwood e assistir a esses mauricinhos zombando da cidade onde eu nasci.

— Você tem razão, Jane! Vou pegar a minha mesada e levar a sua amiga à uma suíte master. — Ironizei, dando uma mordida no meu cachorro-quente.

Primeiro: não tenho dinheiro para motéis. Segundo: Camila certamente morre de nojo dessas coisas. Ela me mataria caso eu lhe convidasse para fazer sexo numa cama onde outras mil pessoas já suaram em cima.

— "Suíte master"? — Veronica repetiu, estreitando os olhos. — Com o cartão de crédito dela, né? Porque, com o seu, vocês duas não transam nem no estacionamento do motel...

Ah, agora a Depressão Ambulante voltou a ser engraçadinha?!

— Pelo menos a pessoa com quem eu saio transaria comigo nesse exato momento, Iglesias! Você não pode dizer o mesmo!

Evitei dar nome aos bois enquanto caçava a Cabello com os olhos, encontrando-a na beirada do campo, acompanhada do restante das cheerleaders. Nós duas realmente estávamos vivendo um dos clichês mais antigos que existiam; com ela sendo uma líder de torcida e eu aqui, nas arquibancadas, ansiosa para assisti-la torcer.

Nunca vou me acostumar com a beleza da novata. Deveria ser proibido nascer tão bonito assim. Não existia um mísero detalhe em Camila que não fosse perfeito; acho que eu jamais me cansaria de olhar para ela e mergulhar de cabeça naquelas íris castanho-brilhantes. Não cansaria da sua pele bronzeada, ou do nariz empinado que até me tirava do sério de vez em quando, mas era lindo. Ela era toda linda.

Urgh, eu estou soando igual a uma tola...

Boa noite, comunidade escolar! — A voz do diretor Romeu C. Litores, mais conhecido como Sr. Vulva, escapou alta pelas caixas de som espalhadas por aquele campo de futebol gigantesco. — Gostaria, primeiramente, de dar boas-vindas aos atletas e alunos de Deport High School! — Algumas pessoas bateram palmas, outras começaram a vaiar. Normalmente, os alunos das escolas visitantes ficam de um lado e nós do outro. — Já é do conhecimento da diretoria de Earwood que ocorreram desavenças entre os estudantes de ambos os colégios ao longo da semana. Envolvendo, inclusive, alegações de danos ao patrimônio de Deport. Obviamente, se os fatos forem comprovados, é uma postura inaceitável, e passa longe da conduta e do espírito esportivo promovidos em nossa ilustríssima instituição. Saliento que, em parceria com o ex-vice-prefeito de Grand Water, Rayman Ho Cho, e a Farley Veículos, concessionária de Michael Farley, cobriremos todos os gastos referentes à pintura e reparação dos danos supostamente causados pelos alunos de Earwood em Deport.

Supostamente? Sério? Deve ter uns dez TikToks do Jackson Hill literalmente mijando numa lixeira de Deport. Dentro de Deport!

As líderes e os jogadores de futebol gravaram tudo. Eles postaram fotos segurando a cabeça daquele mascote. Mas, quando as coisas envolvem esses malditos metidos, são sempre vistas como "mal-entendidos".

Mesmo que não existam materiais concretos que comprovem que nossos alunos fizeram parte disso, nós, da Earwood High School, somos comprometidos com o esporte, e acreditamos que devemos apoiar os nossos vizinhos de Winston City.

Ou seja, os pais do Trent Ho Cho e do Miles Farley estão livrando as caras dos filhos comprando latas de tinta. E o nosso colégio também quer que Deport feche a boca e não denuncie os seus alunos.

— Lauren Jauregui? — A minha atenção foi roubada assim que a sombra de alguém se projetou por cima de mim, cobrindo os focos de luz dos holofotes que iluminavam o campo. — Meu Deus, você ainda existe?!

— Nem fodendo?! — Não demorei nem um segundo para reconhecer a garota parada ao meu lado. Oh, meu Deus! — Sisi?

— Olha só você... — Sadie Sink abriu um grande sorriso, me analisando de cima a baixo. — Com essa jaqueta de Earwood, sentada desse lado aqui, o lado dos bacanas... quem te viu, quem te vê, Jauregui!

Sadie Sink era uma velha amiga. Nós duas nos conhecemos bem novas, em Winston City, quando Clara começou a namorar com o Pablo e a gente se mudou para a casa dele. A sua família se tornou vizinha da minha, e nós passamos a frequentar a mesma escola de middle school, e também fomos colegas pelo pouco tempo em que cursei o ensino médio em Deport High School.

Sadie era uma garota naturalmente ruiva, de estatura média e olhos tão azuis que chegavam a me intimidar de vez em quando. Assim como eu, a garota gostava de correr e fazia parte da equipe de atletismo do colégio, mas não acho que levasse tão a sério quanto eu; praticava por diversão e nem competia. Inclusive, foi ela quem me ensinou a andar de skate, porque sempre foi a mais descolada entre a gente, usando roupas largas e fazendo o que bem entendesse. Uma rebelde declarada.

Nós tínhamos uma amizade forte antes de eu me mudar e, enfim, os nossos contextos se tornarem diferentes.

— Caraca, quanto tempo! — Precisei levantar para cumprimentá-la da maneira correta: com um abraço apertado. Olhar para Sadie era olhar para boa parte da minha infância, e recordar da minha vida em Winston City. — Veio assistir ao jogo? Nunca te vi por aqui.

— Claro que faz muito tempo, você nunca mais pisou em Winston. — Isso era verdade, e contribuía ainda mais para aquele meu sentimento de "traidora da pátria": fui eu que parei de visitar a minha cidade natal e perdi contato com todos meus amigos de infância. — E, bem, eu não curto Grand Water, nem futebol americano. Vim 'pra ver a pancadaria por causa das provocações.

Oh, faz sentido. Sadie ainda é a mesma de sempre! Ela adoraria conhecer a Hailee.

— Decisão esperta. Aliás, Sisi, essa daqui é a Veronica Iglesias... — Apontei para a morena, na qual forçou um sorriso que saiu tão depressivo que a ruiva chegou a ficar confusa. Pobre Vero! — E essa é a Dinah Jane... — Apontei para a loira, assistindo-a acenar. — Garotas, Sadie Sink, minha ex-vizinha e amiga de Winston City.

— Gente, me desculpem, é um prazer conhecê-las, mas ver a Jauregui aqui, estudando no colégio dos almofadinhas, é engraçado demais! — Me provocou, rindo divertida. — Você é praticamente um deles agora, quase não te reconheci na multidão. Se camuflou bem.

— Acredite, para eu ser um deles, falta alguns milhões no meu bolso. — Dei de ombros, sorrindo com as suas piadinhas. — Quer sentar com a gente?

— Eu...

— Com licença?

Sink não pôde responder, pois a fala de outra pessoa atropelou a sua.

— Caraca, Jauregui... — Ela ergueu as sobrancelhas, parecendo surpresa. — Você se enturmou até mesmo com as líderes de torcida, é?

— Meu nome é Camila Cabello, na verdade. — A morena cruzou os seus braços por debaixo do peito, mantendo a postura reta e o queixo erguido, naquela pose que lhe dava certo ar de superioridade. Ah, não... — Quem é a ruivinha do Texas, Lauren?

Ruivinha do Texas? Camila não pode ver uma pessoa usando camisa xadrez e calça jeans sem interligá-la ao Texas?!

— Cabello... — De tantos outdoors da empresa da sua família espalhados por aí, é impossível não reconhecer o sobrenome. — Você deve ser a princesa-herdeira, então. — Naquele momento, admito que fiquei com um pouco de medo do teor daquela conversa. Nenhuma das duas era... uma pessoa amigável, digamos assim. — Sou a Sadie, Sadie Sink, e nasci na Califórnia mesmo. Winston City.

— Hmm... — Alternou o seu olhar entre a minha amiga e eu. — Suponho que sejam conhecidas?

— Sim, Cabello... — Cocei a nuca, meio sem jeito. Não queria que elas não gostassem uma da outra. — Nós éramos vizinhas e Sadie corria comigo.

— É um prazer conhecê-la, Camila! Desculpa, eu fiquei surpresa porque nunca tinha visto a Lauren na vida nova dela.

Acho que Sink até tentou ser legal, mas a Cabello não lhe deu nenhum tipo de abertura, ignorando a ruiva:

— É, que seja. Lauren, eu quero uma água. — Me encarou diretamente, como se eu devesse saber o que aquilo significava. Quando percebeu a minha confusão, bufou irritada, repetindo: — Quero que você vá lá e compre uma água para mim.

— O quê? — Franzi a testa. — Por que você não bebe ali no bebedouro?

— Haha, Jauregui. — Forçou uma risada. Isso é sério?! — Quando você me viu em um bebedouro nojento desses?!

— Mas... — Pensei em argumentar, porém, seria uma guerra perdida. Camila indicou a parte de fora do campo com a cabeça e eu soltei um suspiro. — 'Tá! 'Tá!

— Bom, eu vou indo. Não quero atrapalhar... — Sadie anunciou, dando alguns passos curtos para trás. — Lauren, foi muito legal te reencontrar. Estou muito feliz por você.

— Obrigada, Sisi. — Fiz questão de me despedir com um abraço, temendo deixar alguma impressão ruim, como se eu realmente fosse uma dondoca de Grand Water agora. Todo mundo sabe que eu odeio cada um desses mauricinhos com abotoadura na manga! Tipo, onde eles pensam que estão?! Num episódio de Suits?! — Também gostei de te ver de novo! Prometo que farei uma visita a Winston.

Veronica e Dinah se despediram da ruiva de maneira educada, acenando rapidamente, enquanto tudo o que Camila fez foi deixar claro que forçava um sorriso ao mesmo tempo em que dizia "tchauzinho".

Desci as arquibancadas irritada pela sua postura hostil. Porra! Qual a necessidade de tratar a Sadie assim? Isso tudo é pelo fato de ela ter nascido em Winston City e não se vestir como se tivesse saído da barriga da Cher Horowitz? Porque nisso nós somos iguais!

— Uma água sem gás, por favor. — Pedi ao atendente do food truck que a escola disponibilizava nos dias de jogo. Aliás, a Cabello que é a milionária, e eu que tenho que pagar pela água dela?!

Quando retornei, a morena continuava lá, com uma das mãos na cintura e a outra segurando os seus pompons.

— Toma. — Lhe estendi a garrafinha. — Olha, Camila, é ridículo que eu tenha que te falar isso, mas você não pode sair por aí dizendo 'pras pessoas que elas são do Texas!

— O que tem de errado? — Aceitou a água de bom grado, retirando a tampa antes de beber um gole da mesma. — Não tenho nada contra o Texas. Semana passada, comprei uma bolsa cow print.

— Você... urgh! — Grunhi frustrada. Tem vezes que essa garota é inacreditável! — Sadie é minha amiga, ok? Não trate ela desse jeito.

— Eu vi com os meus próprios olhos o quão amigas vocês são, Jauregui, não preciso que me diga.

— Caso você não tenha entendido, Lauren... — Dinah apoiou a mão no meu ombro. — A Camila não quer outras galinhas ciscando no galinheiro dela.

Ergui uma das sobrancelhas, encarando a Cabello. Então quer dizer que o seu problema com a Sink é ciúmes? A adolescente mais autoconfiante e egocêntrica da cidade, com ciúmes de mim? Acho difícil...

Quer dizer, de fato, a princesa-herdeira avistou uma garota desconhecida ao meu lado e largou o seu posto de líder de torcida na mesma hora, o que é bem suspeito da parte dela. Mas não acho que Camila seja o tipo de garota que não confia cegamente no próprio taco.

— Espera aí, você me chamou de galinha? — A mesma franziu a testa enquanto processava o que a sua melhor amiga havia dito. — Esquece! Cala a boca, Jane! Não existe motivo algum para eu ter ciúmes de ninguém daqui. — Lançou um olhar sério para a loira que, pelo visto, esqueceu-se de que estávamos cercadas por colegas de escola. E digamos que uma líder de torcida nas arquibancadas sempre chama atenção, ainda mais se é a Cabello. — Aquela garota ao menos deveria pisar desse lado das arquibancadas, ela estava usando um broche de Deport e os visitantes ficam 'pra lá. E outra, eu sou líder de torcida, não posso ser vista sendo gentil com os adversários. Nem mesmo se a adversária em questão for amiguinha sua, Lauren. — Dessa vez, seu olhar sério caiu sobre mim.

Camilaaa...

Resmunguei, sendo cortada no mesmo instante:

Mas, prometo que não direi mais à Sandy que ela nasceu no Texas. Apesar das botas dela confundirem bastante.

Que menina implicante, puta que pariu!

Atenção, alunos! — Os autofalantes voltaram a ressonar. — Dentro de cinco minutos, a apresentação das líderes de torcida de Earwood irá começar!

— Essa é minha deixa. — Cabello bebeu um último gole d'água antes de me estender a garrafa. — Nos vemos depois do jogo, meninas.

— 'Tá legal.

Eu não sabia se ficava irritada com ela ou se secava a sua bunda descaradamente enquanto ela descia as arquibancadas. Na dúvida, fiz os dois, rindo quando Camila tropeçou nos próprios pés, apesar de ser uma atitude estranha por parte dela, que sempre caminha tão perfeitinha.

— Boa sorte, Jauregui... — Dinah deu dois tapinhas nas minhas costas, como quem consola alguém, me oferecendo o seu pacote de pipocas. — Você vai precisar...

— Não se preocupa não, daqui a pouco surge uma menina psicopata para acabar com a história de amor de vocês!

Oh, meu Deus, eu nunca vi a Veronica sendo tão dramática na minha vida. E olha que ela chorou porque o participante favorito dela não ganhou o The Cicle. Em todas as temporadas!

— Parem com isso.

Enchi a mão de pipoca e enfiei tudo na boca. O que eu menos precisava agora era de mais motivos para brigar com a Cabello.

Jane começou a falar sobre as bundas durinhas dos jogadores de Deport High School, perguntando para mim se a água era diferente em Winston City ou algo parecido, e, ao mesmo tempo em que nós conversávamos, as líderes de torcida se alinhavam no campo, prontas para iniciarem sua apresentação.

A capitã, Eloise Cooper, levantou os pompons, em um sinal para a banda marcial da escola. Assim, os trompetes, os pares de pratos e os tambores começaram. Normani apareceu logo atrás dela, e as arquibancadas estremeceram graças aos gritos animados dos alunos, enlouquecidos por enxergarem as garotas mais populares do colégio ali, iluminadas pelos holofotes.

Fora do campo, a treinadora observava tudo atentamente, corrigindo posturas e incentivando a energia do grupo. Admito que eu não prestava muita atenção; Camila estava de fora daquela parte em específica da dança, aguardando pelo seu momento de entrar enquanto assistia às outras líderes e os seus saltos sincronizados.

Até que elas abriram espaço e Cabello reforçou o seu rabo-de-cavalo de maneira ágil. Meu peito se encheu de expectativa ao vê-la caminhando até o centro do gramado ao lado de Peyton Mullins e mais algumas garotas. Eu amo assistir Camila dançando; a princesa-herdeira consegue ser a melhor em tudo o que se propõe a fazer.

— Olha lá... — O ronco do copo de Coca-Cola quase vazio de Dinah tirou-me dos meus próprios pensamentos. — Não é a Holly ali?

Um pouco distante de nós, lá estava a minha ex-namorada, claramente evitando de lançar olhares para cá.

Do outro lado das arquibancadas, Eric Fofoqueiro-Flowers também se sentou, e eu tive a certeza de que alguma coisa tinha rolado entre Camila e ele quando o mesmo fechou a cara ao vê-la dar uma "estrelinha", sendo ovacionada pelos alunos de ambos os colégios.

Oh, Deus, ela aterrorizou mesmo esses dois...

Cabello é, sem dúvida, a maior figura de Earwood. Chegou há poucos meses e consegue colocar as pessoas na palma da sua mão, e elas ainda precisam sentar e assisti-la brilhando. Dá para entender porque Chapman ou Flowers não conseguiram mexer com ela; a escola inteira gira ao seu redor.

"VAMOS, CABELLO!"

"A GENTE TE AMA, KCC!"

Eram alguns dos gritos que ecoavam. Ela ergueu a cabeça e abriu aquele sorriso que derretia qualquer um, sacudindo os pompons enquanto as pessoas transformavam o seu nome em um coro.

— Que garota gostosa. — O menino ao meu lado comentou com os amigos, e eu tive vontade de pegar aquela mão de espuma que ele segurava e enfiar na garganta dele. — Sortudo é o Farley que deve estar traçando ela.

Mas que p...

— VAMOS, CAMILA, CARALHO! — Dinah ficou de em pé para gritar.

— Nossa, a Mila 'tá legal? — Veronica também levantou, batendo palmas e gritando para incentivar a Cabello: — Vamos, Camila!

— O que aconteceu?

Respirei fundo, tentando não absorver o que aqueles idiotas estavam dizendo.

Dentro do campo, a princesa-herdeira não parecia muito bem. Ela errou o movimento de "estrelinha" duas vezes — coisa que fez de olhos fechados no começo — e passou a dar longas pausas para respirar e tomar fôlego.

Comecei a ficar um pouco preocupada, porque Camila passou o dia inteiro indisposta e essas coisas não melhoram de uma hora para a outra. Eu, mais do que ninguém, sei o que acontece quando forçamos o nosso corpo além da nossa capacidade, e não damos a ele tempo para descansar. A dança e ginástica são exercícios complicados que exigem muita força e movimentação.

— A CC 'tá drogada? — A menina atrás da gente falou. — Irado...

Apesar disso, a líder não fez menção alguma em parar, e jamais o faria.

Por favor, Camz... — Murmurei comigo mesma, sentindo que algo de ruim aconteceria.

E aconteceu.

Ao ser lançada para cima por Peyton e River, num ato rotineiro dos seus treinos e apresentações, ela não conseguiu se manter no ar, caindo com tudo no chão e batendo a cabeça no gramado.

— Camila?!

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