Calina Sartori
Dias atuais...
Observava mais uma vez a paisagem pela janela do trem, mas agora a escuridão cobria toda a floresta densa que passava rapidamente. Me traz arrepios com lembranças e inquietações. Meu estômago completamente coberto por uma ânsia sem fim, meu peito doendo por estar me afastando de Bristol e da minha mãe. Mas mesmo que eu decidisse lutar de nada adiantaria. Que forças eu teria para ir contra meu pai e meu irmão?
Arrastei o olhar contra a minha vontade para Bugsy sentado ao meu lado, Hunter e Aiken nos bancos da frente com os braços cruzados sobre o peitoral. Todos em completo silêncio, talvez não quisessem perguntar sobre o que aconteceu. E por dentro eu me sentia aliviada em não precisar esclarecer absolutamente nada. Soltei o ar dos meus pulmões e abaixei a cabeça fechando os olhos sentindo-a latejar.
— Por que te chamaram de assassina? — Levantei meu olhar para o Aiken no mesmo segundo. Ele me encarava com um bico nos lábios como se fosse uma criança esperando pela história. Mesmo que já tivesse contato anteriormente o motivo.
— Nossa, como você é um idiota! — Hunter sussurrou passando as mãos pelo pescoço.
— Qual é! Todo mundo quer saber, alguém tem que tomar a iniciativa de perguntar. Só não faz sentido... Porque assassina? Você não a matou. — Hunter revirou os olhos acertando um tapa na cabeça do amigo. — Se fizer isso de novo eu quebro seus braços.
— Cala a boca, Aiken. — O mascarado ao meu lado murmurou arrancando um suspiro frustrado do Aiken, mas acabou seguindo sua ordem.
— Por que todos vocês não calam a boca? — Revirei meus olhos voltando a prestar atenção na paisagem.
— Não precisa falar nada, Calina. — Hunter disse e eu o encarei. De certa forma ele sempre me trás conforto, mas dessa vez eu me sinto meio irritada com seu olhar piedoso sobre mim.
Como se estivesse dizendo... "Oh pobrezinha, você tem o direito de ficar em silêncio pelo seu passado fodido". É óbvio que tenho direito de ficar calada, principalmente quando o passado fodido foi por causa deles. Puxei o ar com força sentindo quando meus pulmões se romperem.
— Não é como se eu quisesse contar algo a vocês. — Balancei os ombros escorando minha cabeça na janela e pelo reflexo vi sua expressão se fechar.
Como se em segundos a sua personalidade cuidadosa e carismática tivesse desaparecido e o lado sombrio dominasse.
— Não é como se você já tivesse contado algo. — Hunter disse como uma alfinetada. Levantei meu olhar para ele outra vez, deixando um sorriso bufado sair pelos meus lábios. — O que você tanto esconde, boneca?
— Um belo par de peitos. — Rapidamente seus lábios se curvaram em um sorriso maldoso e eu fechei os olhos me arrependendo.
— Isso não é segredo, Bunny. Todos nós sabemos o quanto seus seios são lindos. — Me afundei contra o banco passando meus braços ao redor do casaco. Posso quase me sentir nua na frente deles. — Esconde mais alguma coisa? Ah não, todos nós já vimos tudo, não é Aiken?
Aiken não poupou tempo soltando uma risada e eu pude sentir seu olhar passando por todo o meu corpo. Como se eu fosse um puta banquete em sua frente. Realmente é meu karma ter cedido para essa tríade pesadelo. Talvez eu fosse muito inocente quando tinha 17 anos, mas não agora. Agora quem tem o controle sou eu. Mesmo que eu já tenha perdido dez por cento dele horas atrás.
— Ah, eu já vi tudinho... Não é mais um segredinho. — Revirei os olhos percebendo a mudança no tom de voz de Aiken. Rouquidão e sedução passando por suas cordas vocais me trazendo arrepios.
— Acham mesmo que viram tudo? — Soltei uma risada. — Apenas me tocaram e acham que isso é uma foda? — Umedeci meus lábios abrindo parte do casaco, desabotoando o primeiro botão do meu uniforme.
Os lábios de ambos foram umedecidos, Hunter até tentou desviar o olhar mas ao perceber o meu olhar para ele como se fosse um desafio, rapidamente ele aceitou. Os olhos de ambos queimando em chamas enquanto observavam cada linha do meu torso como se imaginasse o que havia por baixo do tecido. Homens... São tão fáceis e dóceis que para controlá-los você precisa apenas deixar um mísero pedaço de pele exposto.
— Vous avez créé un monstre, Bugsy. — Minhas sobrancelhas se uniram no segundo que Aiken e ele trocaram risadas.
— Não me surpreende que você seja bom com línguas. — Me senti ainda mais tentada em provocá-lo no segundo que falou em francês com os outros rapazes.
— Bunny, Bunny... — Sua voz rouca em um sussurro atingiu em cheio meu corpo. A pressão se instalou no meio das minhas pernas e arrepios cruzou cada centímetro da minha pele. — Você nem imagina do que minha língua é capaz.
As suas longas mãos se cruzaram em cima da mesa apoiando seu queixo pontudo nos dedos. Os olhos azuis cintilando em puro divertimento. As poucas vezes que tive tempo para trocar conversas com o Hunter ele sempre tinha uma pitada de tédio, nada parecia agradá-lo o suficiente. Apenas uma vez, uma única vez vi seus olhos cintilarem. Naquela noite, quando as chamas se espalharam. E nesse exato momento que as veias dos seus braços estão saltadas, suas pernas se cruzando abaixo da mesa — eu acabo sentindo já que elas estão bem próximas as minhas — e o sorriso singelo mas perceptível esperando pela minha resposta. Desejando que o respondesse à altura. Porque o Hunter também deseja sentir a mesma adrenalina, nós dois necessitamos disso para respirar.
— E se eu quiser sentir ao invés de imaginar? — Sua língua estalou no céu da boca e uma mordida em seu lábio inferior me fez ficar desconcentrada.
— Já chega. — A voz de Bugsy me trouxe de volta para a realidade me arrancando um suspiro.
Pisquei algumas vezes puxando o zíper do casaco para cima cobrindo o pequeno pedaço de pele exposto. Hunter lançou um olhar irritado para o amigo, mas rapidamente seus ombros ficaram tensos, como se Bugsy tivesse dito algo para ele. Mas havia apenas o silêncio entre eles. Me afundei contra o banco sentindo minhas bochechas queimarem. Não sei se por vergonha, tesão ou simplesmente pelo frio. Tentei fugir dos olhares que eles me lançavam de escanteio mantendo minha cabeça baixa olhando para o telefone com a tela apagada.
Bugsy depois de alguns segundos se levantou saindo em direção ao banheiro. Restando apenas mais silêncio desconfortável.
— Olha Bunny, você magoou ele flertando descaradamente com seus melhores amigos. — Levantei o olhar para Aiken que mantinha um sorriso largo nos lábios. — Imagina quando ele descobrir sobre o banheiro...
— Cala a boca, Aiken. — Murmurei entre dentes lançando um olhar envergonhado para o Hunter que apenas sorriu levemente.
Voltei a olhar para a tela observando mais uma mensagem de Eros que me arrancou um suspiro frustrado. Qual o problema dele hoje? Sete mensagens durante o dia todo. As ignorei mais uma vez arrastando a tela para as notícias. Aproveitando o leve sinal que rapidamente iria oscilar vendo as notícias sobre o terceiro assalto a banco consecutivo em menos de 1 mês. Levantei o telefone apoiando minhas mãos na mesa lendo a matéria.
— Vocês viram as notícias sobre os assaltos? — Perguntei tentando puxar um assunto diferente, já que teríamos mais quarenta minutos à frente no caminho de volta.
— Assaltos? — Levantei minha cabeça percebendo a troca de olhar entre eles dois. Aiken pigarreou voltando a me olhar cruzando os dedos em frente ao rosto. — Não estou sabendo sobre isso. Você sabe algo, Hunter? — Seus olhos negros cintilaram em curiosidade.
— Hum, acho que ouvi falar sobre isso. O que aconteceu mesmo? — Outro par de olhos me fitando também em curiosidade.
— Em mais um incidente chocante este mês, o Banco Obelisk em Londres foi alvo de um terceiro assalto no dia 18 de outubro de 2023. Três assaltantes habilmente mascarados invadiram a instituição financeira, desencadeando o pânico entre clientes e funcionários. Os criminosos, vestidos com roupas escuras e capuzes, demonstraram uma notável destreza ao evitar sistemas de segurança enquanto realizavam a ação criminosa. As autoridades estão empenhadas em identificar e capturar os responsáveis por essa série de eventos perturbadores. — Soltei um suspiro arregalando levemente os olhos.
Uma risada bufada à minha frente chamou minha atenção. Levantei o olhar na direção de Aiken que tinha os lábios curvados em um sorriso arteiro. Minhas sobrancelhas se levantaram percebendo a troca de olhares entre eles dois. Olhei para a notícia mais uma vez sentindo uma sensação estranha, mas voltei a atenção para eles agora tendo seus olhos atentos a mim.
— Do que você tá rindo? — Perguntei confusa.
— Você fica deslumbrante até mesmo lendo uma notícia. — Fiz uma careta no mesmo instante retirando uma risada de seus lábios. — Qual é, Bunny! Timidez não faz seu estilo.
Estava prestes a responder, mas Bugsy parando ao meu lado um tanto quanto eufórico fez meus lábios se fecharem. Observei ele balançando a cabeça e Hunter soltando um suspiro pesado.
— Vamos, tá na hora de saltar. — Eles se levantaram acatando a ordem do mascarado sem sequer pestanejar.
— Porra, que saco! — Aiken disse balançando a cabeça frustrado.
— O que? Mas ainda estamos a 30 minutos de Paddington e não tem nenhuma parada. — Me levantei vendo eles se afastarem lentamente entre as poltronas.
— Relaxa Bunny, nós fazemos as nossas próprias paradas. — Balancei a cabeça sem entender absolutamente nada, mas o sorriso de escanteio nos lábios de Aiken me dizia que eles sabiam o que estavam fazendo.
Voltei a me sentar no momento em que eles saíram da minha visão. Abri o bolso da mochila agarrando meus fones de ouvido, já que agora não precisaria lidar com a tríade pesadelo falando no meu ouvido. Mas minhas sobrancelhas se ergueram no momento que vi Hunter passando entre as poltronas. Seu corpo alto quase tocava o teto do trem. Rapidamente chamando atenção das pessoas que estavam sentadas ao nosso redor. Um de seus braços longos se colocou na pequena mesa e o outro me estendeu um cartão preto com detalhes dourados. Olhei para o cartão brevemente logo após levantando meu olhar para ele.
— Se tiver coragem e toda essa provocação não for apenas momentânea, aparece por lá. — Seus dedos se balançaram me incitando a pegar o cartão. — Nos vemos mais tarde, pequena Bunny.
Segurei o cartão firmemente enquanto o via se afastar pela mesma direção que veio. Passei os dedos sentindo o pequeno relevo, mas pelo cartão ser preto não dava para distinguir visualmente. Então apenas fechei os olhos tentando me guiar nas palavras, fazendo meus lábios se curvarem no momento que decifrei a última letra.
"Submundo".
Balancei minha cabeça abrindo os olhos. O cartão me lembrava a primeira máscara de Bugsy. Os raios dourados saindo por todos os lados dando um aspecto sombrio, mas também luxuoso. Me lembrando de como era aquele lugar me perguntei se continuava exatamente igual. Mas fui retirada do meu devaneio no segundo em que o trem foi parando lentamente. Levei meu olhar para o lado de fora apenas vendo a escuridão preenchendo a floresta. E então o ruído do auto falante ecoou sendo seguido pela voz falhada do operador.
— Desculpe pelo atraso. Recebemos um sinal vermelho, voltaremos a andar assim que o sinal verde for dado.
Bufei voltando a olhar pela janela. Minhas sobrancelhas se uniram indo em direção a testa no segundo que eu vi os três passando calmamente pela minha janela com as mãos levantadas dando um tchauzinho.
— O que? — Sussurrei em surpresa soltando um riso leve.
Eles realmente tem a própria parada. Ao ver eles desaparecerem pela floresta voltei a observar o cartão dourado me perguntando o que eu iria fazer. Mordi meu lábio inferior me sentindo receosa, mas a pontada de curiosidade surgia no meu interior me aquecendo.
Como o submundo estava? O que Hunter vai fazer se eu aparecer em sua frente? Provocação momentânea?
Ah, eles realmente não me conhecem mais.