A igreja é branca com detalhes dourados, enquanto meu terno é branco com detalhes prateados. Não estou prestando atenção no padre. Há uma TV grande pendurada, onde passa fotos e vídeos do meu pai com parentes e conhecidos. Uma ideia brega que será necessária em breve. Permiti mais convidados na missa de sétimo dia do Salvatore para que a vingança seja feita. Justiça de queimar no inferno não é o suficiente.
Olho para Jasmine ao meu lado. Está de cabeça baixa, ansiosa. Olho um pouco mais distante, encontrando Magdala e nossos amigos, os quatro igualmente entediados. Seguro um risinho. A viúva deixará a missa acordada, não se preocupem.
As imagens na tela começam a mudar. Percebo os convidados ficarem tensos. São imagens de hematomas que minha madrasta adquiriu devido a abusos. Ela, sem erguer a cabeça, aperta os olhos. Foi seu plano. Jasmine me contou que tinha diversas gravações dos abusos do marido, mas que sempre temeu vazá-las, por medo do Salvatore ficar impune e matá-la. Agora, a viúva pôde pedir minha ajuda para que essas evidências fossem reveladas ao mundo.
"O que é isso?" o padre questiona, assustado. "Desliguem essa atrocidade!"
No momento, está passando uma cena de Jasmine correndo pela mansão, fugindo do meu pai. Mostra a agressão quando ele a alcança. Os convidados ficam horrorizados, emitindo sons e murmurando entre si. Crianças não foram permitidas nesta missa, para as pouparem de tais imagens.
Em seguida, passa um vídeo de Jasmine no dentista, consertando o dente que o marido quebrou. Por último, passa um vídeo de Jasmine dentro de seu carro, filmando com o celular, choramingando enquanto conversa com a câmera.
"Sobrevivi a outro dia. Tenho medo do Salv descobrir essas evidências. Mas elas podem me salvar dele, certo?" é uma das coisas que fala no carro.
Quando o vídeo pausa em uma imagem do meu pai prestes a dar um soco na esposa, subo no altar e roubo o microfone do padre.
"Esse era o verdadeiro Salvatore," inicio. "Isso é o que minha mãe, eu e Jasmine passamos nas mãos dele. Não é lamentável que bandidos assassinaram esse monstro. Fomos abençoados. Vocês estavam sendo enganados por um homem ganancioso, egocêntrico, mau-caráter e covarde. A única imagem que Salvatore D'Angelo merece é de abusivo, não de filantropo, porque sua filantropia era apenas uma máscara."
A igreja está calada, umas pessoas com mão na boca, outras concordando com a cabeça... Jasmine permanece de cabeça baixa, exausta demais até para chorar.
"Fim da missa, padre." Desligo o microfone e desço do altar.
No estacionamento da igreja, Magdala abraça Jasmine, e a escuto elogiar, "Você foi corajosa."
Meus amigos também a abraçam.
Enquanto conversam entre si, sento no capô da Mercedes, observando os convidados irem embora, alguns com olhares tristes em direção a viúva. Nenhum olhar em minha direção. Nenhum 'sinto muito'. Não quero a pena desse pessoal, na real.
Acendo meu cigarro, assistindo Magdala se aproximar. Ela se posiciona de frente para mim, entre minhas pernas, e descansa suas mãos nas minhas coxas. Meu coração acelera tão rápido, que se eu não estivesse sentado, eu me desequilibraria.
Um vento suave da manhã bate nos seus cabelos presos. Sua beleza é estonteante. Não tiro meu olhar dela, me perguntando se alguém está vendo este momento íntimo. Quero que vejam como Magdala me encurrala em todos os sentidos.
"Sites e jornais já estão espalhando a notícia da verdadeira face do Salvatore," ela comenta.
"Sim. O plano era publicarem logo após a missa."
"Não sei se chegará a vez do meu pai," sua voz sai mais séria, pensativa.
É quase impossível obtermos provas dos Delacorte, mas... "A gente descobre um jeito," repouso minha mão livre na sua.
Jasmine aparece e dá um pequeno sorriso para nós dois.
"Vamos?" pergunto. Viemos juntos.
"Vou embora com minha irmã. Queremos passar o dia juntas."
Baforo, decidindo. "Chame seu guarda-costas."
"Não precisa—"
"Sim, precisa," me levanto. Perco o toque de Magdala, infelizmente. "Você é herdeira do Salvatore, acabou de expor podres dele, o que pode deixar sócios enfurecidos. Sabe usar arma? Não. Então chame seu guarda-costas."
"Minha vida será assim?" Jasmine se frustra. "Não quero entrar em uma nova prisão. Finalmente me libertei do meu marido, Ettore. Terei que me preocupar com mais pessoas querendo me matar?"
"Ei," Magdala a chama suavemente, segurando sua mão. "Eu sei que é uma merda ter alguém nos seguindo. Sempre recusei quando meus pais insistiam que eu aceitasse guarda-costas. No seu caso, será temporário. Até a poeira abaixar, combinado? Se Ettore continuar enchendo o saco, ele nunca mais me verá nua."
Engasgo com a fumaça. As duas desgraças riem de mim tossindo.
"Tem sorte de não haver paparazzis por aqui para te flagrarem rindo."
A viúva para até de sorrir. Falei merda.
"Parem de me tratar como criança," Jasmine briga. "Vocês não percebem que me tratam como uma coisinha frágil? Como se eu sempre tivesse que ter alguém para me explicar as coisas? Não preciso de delicadeza o tempo inteiro. Não sou carente. Sou grata pelo apoio de vocês, então chamarei o guarda-costas. Mas não deixarei de rir quando eu sentir vontade. Cansei de me limitar."
Eu e Magdala estamos sorrindo, porque merecemos essa repreensão.
"Minha irmã está me esperando. Não transem na minha Mercedes."
À noite, enquanto dou uma pausa no estudo da minha próxima missão, a mídia-política se manifesta. Leio o artigo. Se compadeceram pelos abusos (mentira), mas acharam insensível o modo que expusemos os crimes. Foram cenas fortes para todos da missa assistirem, disseram.
Em resposta a mídia-política, posto no Twitter uma citação da clássica autora Anne Brontë:
Representar algo mau em seu aspecto menos ofensivo é, sem dúvida, o curso mais agradável que um escritor de ficção pode trilhar; mas seria esse o mais honesto ou o mais seguro? É melhor revelar as armadilhas e as ciladas da vida para o jovem e imprevidente viajante, ou cobri-las com ramos e flores? Oh, leitor! Se houvesse menos desse delicado ocultar dos fatos – deste sussurrar, "Paz, paz", quando não há paz, haveria menos pecado e dor aos jovens que são deixados a extrair seu amargo conhecimento da experiência.
Chega de ilusões, Avas.
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