O mundo parecia um zunido distante e a vida parecia nova. Era assim que ela deveria se sentir? Outra pessoa, em um lugar distante e muito conhecido.
Seu peito subia e descia com constância, e tudo parecia igual aos olhos. Lentamente, Kara piscou para se acostumar com a iluminação do ambiente, puxando o cobertor quando se sentou ao notar a nudez do corpo. Ainda de olhos semi-abertos, ela olhou para suas próprias mãos que se apertavam ao redor dos seios, notando a textura e coloração das cicatrizes... Não novas, antigas, de antes, do seu passado.
— O que...?
A feérica empurrou o cobertor para longe, a boca se abrindo em choque repentino.
— Fique calma — a voz de Rhysand era serena, mas com toque de preocupação palpável.
Kara o olhou e ela já sabia que existia inúmeras lágrimas descendo por seu novo rosto; ou, seu antigo rosto.
— Madja pode dar um jeito nas cicatrizes se quiser... Não chore — ele pediu, sentando na cama ao lado dela. — Minha lady, não chore.
Ela olhou para baixo novamente, tocando a barriga; uma extensa cicatriz seguia do seu quadril até o umbigo, e perto das coxas, tinha as pequenas marcas retorcidas de queimadura, os braços com pequenas cicatrizes arranhadas debaixo daquela tatuagem.
— Era tudo o que eu queria — ela murmurou. — Minha vida... Minha alma, meu corpo.
Rhysand a olhou como se pudesse ver sua alma, notando o sorriso que se abriu entre as lágrimas.
— Como é possível ter voltado? — Ele questionou, lentamente, o Grão-Senhor passou os dedos pelo contorno do rosto, desenhando os lábios com seu toque, alinhando as sobrancelhas ruivas, contando cada sarda, tocando a ponta do pequeno nariz arrebitado; delicadeza e suavidade, algo nunca antes visto.
Kara não era mais Amarantha, e qualquer mínimo vestígio daquele antigo corpo maldoso, foi coberto por uma nova pele, antigas cicatrizes e uma realização da alma.
— Algo mudou em mim — ela murmurou, como uma confissão.
— Os poderes das cortes... Ainda os mantém — o Grão-Senhor analisou, e mesmo com a seriedade da situação, ele não podia deixar de toca-la.
Ela concordou. Mantinha os dons dentro de si, foi instantâneo; Kara havia se esquecido de quem era, viveu semanas debaixo da sombra de Amarantha e de Feyre, uma mulher quase morta e outra que ainda nem existia, estava tão preocupada e exausta, procurando agradar todos e refazer o mundo, sua história... Ela se perdeu, perdeu o caminho da alma e perdeu quem era no passado, porém, ela se lembrou, dentro daquele cubículo apertado, Kara memorizou os momentos mais aterrorizantes da sua vida e de novo, fez desses momentos sua barreira.
Ela foi pedra quebrando pedra e antes disso, ela era uma humana enfrentando o medo.
O destino a trouxe para esse mundo, o destino deu essa vida.
— Não podem me tirar o que o destino decidiu me dar.
Não podiam. Ninguém.
Farta, Kara estava cansada de viver nessa escuridão iminente, Kai tinha razão, estava na hora de Kara agir como uma adulta.
— Precisamos conversar, Rhys. — Ela levantou o olhar.
Rhysand assentiu, sem sequer se incomodar em se afastar.
— Estou ouvindo.
Sua garganta oscilou. Em um minuto ela poderia perder tudo; toda a amizade que conquistou nesse lugar, eles, uma família.
— O lugar qual eu vivia antes, não existia magia ou criaturas como as que existem aqui. Éramos humanos convivendo com outros humanos — disse engolindo fortemente. — Para alguns existia a fé em Deus, e para outros existia a falta de fé em deuses divinos, mas, existiam aqueles que inconformados, criavam histórias fantásticas; histórias com magia, as mais diversas criaturas e os mais poderosos dons.
"Minha vida era desprovida de magia, eu tinha minha família mas sentia necessidade de algo mais... Então, me tornei a espectadora de amores alheios, um desses amores veio de um livro; ela, Feyre Archeron era uma humana do lado mortal de um reino enorme..."
A porta se abriu, e Rhysand foi rápido em cobrir Kara com o cobertor, mas não foi rápido em fechar a porta, e logo Morrigan atravessou o quarto, sentando na cama, dando passagem para Cassian que a seguiu.
— Graças a Mãe, você acordou. — Morrigan sorriu, uma emoção antiga dentro do olhar. — Kara... Tem noção do quão diferente está? Definitivamente é outra pessoa, você é... Linda.
— Estávamos no meio de uma conversa. — Rhysand franziu as sobrancelhas.
— Rhysinho, não sabe compartilhar? — Cassian inclinou a cabeça de maneira provocativa.
— Ele tem razão...
— Sabemos. — Morrigan balançou a cabeça. — Mas não há tempo, você dormiu por três dias, Kara.
— Três? — Ela apertou o cobertor. — Pensei que tinham sido apenas horas.
— Ela não está pronta, nem teve tempo para treinar.
— Pronta para o quê? — Questionou ela à Rhysand.
— Ir até Helion hoje, porém, acreditamos que ele tenha convidado todas as outras cortes e Thesan vai estar lá, ele pode exigir o que é dele também... E agora, você com todos os dons ainda faiscando, isso pode criar uma guerra.
Kara sabia, se fosse de conhecimento geral que ela mantinha os dons, uma guerra poderia se iniciar, a verdade ou justiça não estava do lado deles, então, Kara deveria ser a feérica mais poderosa do continente em segredo.
Ela estendeu a palma da mão, os dedos se movendo suavemente quando uma esfera brilhante em ouro surgiu, não era como o sol, mas remetia o dom palpitante de Helion, logo, ao redor, um sol cresceu, envolto do dourado, como se fosse o mais belo nascer do sol... Thesan. Kara nunca realmente dominou os dons das cortes, ela só tinha que saber como devolver, e agora, ela sabia.
De súbito, sua mão se fechou.
— Está na hora de resolvermos isso.
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O vestido vermelho de Morrigan oscilou enquanto a feérica dos cabelos dourados descia as escadas com um sorriso felino no rosto, os olhos acastanhados pareciam brilhosos e todos imaginaram que se devia à outra jovem feérica no topo da escada, ainda envolvida por sombras que escondia totalmente sua aparência.
Degrau por degrau ela veio; primeiro, suas delineadas pernas surgiram, e seus pés cobertos pelo sapato de cristal, que se erguia em cordas lentas até perto dos joelhos, a saia escura fora aberta em uma fenda de ambos os lados do quadril, revelando marcas antigas que foram desenhadas por tinta prateada. Kara surgiu em um vestido preto como a noite, encravejado por cascatas minúsculas de diamantes, e ela, estava sublime está noite.
Nunca houve beleza tão exímia, desde a ponta dos pés até o último fio de cabelo vermelho, dentro de seus olhos acinzentados e prufundamente em cada marca exposta como um troféu.
Amarantha estava morta e Kara eternamente viva.
Kai sorriu, hoje ele estava entre todos. Sua antiga aparência de Eria foi substituída por ele mesmo, um belo homem feérico.
— Não vá chorar agora. — Ele gargalhou quando viu o olhar brilhoso que Kara despejou.
— Você cresceu — ela disse.
— Você continua a mesma.
Cassian passou o braço pelo pescoço de Kai, sua risada foi a mais ruidosa possível, Azriel balançou a cabeça e ofereceu pequenos tapas que tremeram os ombros do jovem. Os dois, ambos estavam vestidos em trajes elegantes, os illyrianos estavam ansiosos pela era de ruindade que finalmente estava chegando ao fim.
— Estaremos esperando — Amren levantou uma sobrancelha e continuou: — Mas não demorem.
Kara assentiu, e todos saíram para fora.
Seus olhos cinzentos subiram para o arroxeado, onde ela encontrou o maior brilho que já teve a oportunidade de ver; não era um brilho comum, Rhysand olhava para ela como se estivesse orgulhoso, feliz e amando... Era como se Kara fosse uma estrela, a maior e mais brilhante, a mais bela de todas.
Ele se aproximou, rodeando os braços na cintura fina, adorando o novo corpo como se fosse uma deusa em sua presença. Ele inspirou o cheiro e a encarou profundamente, aquele rosto, o novo rosto, era o ápice da beleza.
— Sobre hoje — ela murmurou. — Eu queria dizer...
— Pode me contar tudo o que quiser mais tarde — Rhysand sussurrou e se aproximou. — Cada história e cada detalhe, antes e depois que eu adorar todo seu corpo.
— Rhys...
— Kara. — Ele sorriu, aquele sorriso... — Temos todo o tempo do mundo.
Kara sorriu, e no fundo, ela sabia que o tempo estava acabando.
Notas da autora:
O drama está chegando 🤯
Cap não revisado!!!