Terra Proibida - Essência

By EvaSans86

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Em um entrelaçar de passado e presente, mergulhe em uma trama que desafia os limites da razão e da sanidade... More

Nota da Autora
[Agora] A queda
[45 anos atrás] A proposta
Cap. 1 - Sentimentos Ocultos
Cap. 2 - Tormenta
Cap. 3 - Ecos do Passado
Cap.4 - A medalha
Cap. 5 - Revelação
Cap.6 - O nada
Cap. 7 - Oráculo
Cap. 8 - Isadora Moraes
Cap. 9 - Elizabeth Detzel
Cap. 10 - Segredos ao pôr do sol
Cap. 11 - Sangue quente
[45 anos atrás] A Alma à venda
[45 anos atrás] A casca
[Agora] O Salto
Cap. 12 - Despertar
Cap. 13 - O Animal que me tornei
Cap. 14 - Presente de grego
Cap. 15 - Feito de lágrimas e cinzas
[45 anos atrás] Ninguém se lembrou
[45 anos atrás] Inferno
[45 anos atrás] Quando todos os homens falharam
[45 anos atrás] Mais que morrer
[45 anos atrás] Seus pensamentos
[45 anos atrás] Esse tipo de amor...
Cap. 16 - Versões de uma mulher
Cap. 17 - A casa
Cap. 18 - Terceira morte
Cap. 19 - Primeira vida
Cap. 20 - Alguém tem que morrer
Cap. 21 - Sete Palmos
Cap. 22 - O Centro do Universo
Cap. 23 - Essência

[45 anos atrás] Miserável

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By EvaSans86

Isadora Moraes


Isadora nunca se sentiu tão humilhada em toda a vida.

Isso porque até então, tudo tinha sido perfeito. Diego a levou para jantar em um dos melhores restaurantes que servem frutos do mar no país. A tratou como uma princesa, a seduziu completamente e a jogou na cama como uma de suas vadias. Ela o tinha jurado amor eterno. Tinham se amado de forma tão ardente e profunda que se houvesse outro em sua vida, não se lembrava mais.

Santinho que se lasque. Já que estão brigados, que continuem.

Suportou cada tapa, cada puxão de cabelo, cada dor que ele provocava. Por ele, estava disposta a tudo.

— Lambe o chão. — disse ele, andando como um deus a seu redor em um quarto de motel barato.

— Diego... isso não é demais?

— Você acha demais? Eu sou o seu dono, apenas faça o que mando. — ele a sufocava por trás. — vagabunda.

Ela obedeceu. Só que as coisas foram escalando. As ordens foram ficando bizarras e, também, públicas, para o mal de seu orgulho próprio. Mas mesmo assim, o desejo que sentia por ele, chegava a doer.

— Tá vendo aqueles dois homens ali? — Diego falou em seu ouvido, dentro do carro, no fim de uma tarde. Eram os homens mais horríveis e imundos que Isadora já tinha visto. — Quero ver você foder com eles? Seduza eles.

— Mas, Diego...

Cedeu e realizou os desejos impuros daqueles homens enquanto Diego ria de sua cara.

— Espetacular Isadora. Espetacular! — Aplaudiu ele.

— Só fiz o que você me pediu.

— Claro.

— Diego, você me ama?

— Amo. — ele riu e soltou por entre os dentes — Amo ver você assim, suja. Igual uma prostituta de beira de estrada. Imunda.

Ele só pode estar de brincadeira, quanto mais baixo terei que descer?


Santiago Del Toro

Estava tão insanamente com raiva e corroído pela falta de reciprocidade de Isadora, que quando a ideia de se transformar em Diego passou de relance por sua cabeça, simplesmente a abraçou e realizou o feitiço sem ao menos se importar com as consequências.

Ao contrário de Diego, que podia se tornar a criatura que quisesse, quando quisesse e pelo tempo que quisesse, Santiago precisava de um esforço um pouco maior e também da ajuda de fórmulas para se manter transformado por mais tempo. Para que isso acontecesse, ele precisava de um "pedaço" do irmão. Um fio de cabelo já serviria para seu propósito. Iria mostrar à Isadora que ninguém no mundo a valorizaria tanto quanto ele e que Diego podia ser uma péssima escolha.

Transfigurado na figura de Diego e percebeu a enorme discrepância no tratamento que ela o concedia. Em momento algum visualizou arrependimento ou culpa pela "traição" que cometia. Foi duro constatar mais uma vez o que ele já sabia: que não era querido e que não merecia nem um pouco de respeito por parte dela.

Era a primeira vez em toda a sua existência que a mulher que ele amava não o desejava. Que preferia Diego a ele. Que estava em segundo ou talvez último plano e desde Hella, nunca havia quisto tanto alguém quanto queria Isadora. Seu ego estava sendo tão massacrado que ele ia fazê-la sentir na mesma moeda aquela dor. Ia submetê-la, enquanto habitasse a forma de Diego as situações mais vexatórias.

Ela ia perceber que ele, Santiago Del Toro, era o paraíso comparado à crueldade do irmão.

Elizabeth Detzel

Havia algo absurdamente magnético no contato que a pele de Diego contra a sua produzia. Mesmo com aquela cólica maldita revirando seu útero e a mente atormentada por todos os demônios de seu passado, Liz não podia negar que nos braços de Diego, tudo zerava. Sob o calor da água morna e a mão do vampiro sobre seu ventre, abriu lentamente os olhos e nunca pensou que o acharia o homem mais encantador da face da terra.

— Você consegue tomar banho sozinha? Preciso fazer um chá pra você.

O abraçou um pouco mais forte. Tinha medo de que aquela paz desaparecesse no segundo em que o soltasse.

— Não. — disse enfiando a cabeça no cangote do bruxo se aninhando e se escondendo de vergonha ao mesmo tempo. — Você já fez isso antes, lembra?

— Certeza? Eu vou ter que tirar sua roupa...

— Tudo bem.

Diego se levantou, pegou no colo e a colocou dentro de uma banheira vitoriana. Ele tinha o poder de fazê-la se sentir protegida e cuidada. Após o banho, a ajudou a vestir um pijama quentinho e a levou para a cama. Quando ele fez menção de se afastar, Liz segurou seu braço para que não a deixasse. Ela não conseguia conter as lágrimas.

— Eu volto rapidinho. — deu um beijinho em sua cabeça, um delicado cafuné e continuou - Eu não vou sumir outra vez, só preciso trocar de roupa e te fazer um chá.

A garota soltou o braço do vampiro reticente, que sumiu apenas por alguns minutos, mas que pareceram séculos. Quando ele voltou, estava vestido em um moletom confortável e trazia consigo uma bandeja com duas xícaras de chá e deliciosas comidinhas. Ele se aconchegou ao seu lado, encostados na cabeceira da cama.

— Esse chá vai tirar a dor e te ajudar a dormir um pouco.

— Seus poderes não seriam mais rápidos?

— Seriam... se a dor fosse causada por um fator externo, mas como isso é uma reação natural do seu corpo, meus poderes não conseguem agir de forma precisa.

Liz deu um gole no chá e identificou o fantástico sabor de baunilha, camomila, mel e leite. Diego estava atento a sua reação com um meio sorriso.

— Bruxinha chorona! — ele tentava conter o riso.

— Vindo de você é elogio, pra quem só me chama de bruxa renegada, bruxa maldita, peste e outras coisas piores.

— Mas eu nunca te chamei desses nomes.

— Verbalmente não, mas pensou.

— E como você sabe o que eu pensei?

Liz suspirou desanimada.

— Desde quando eu acordei aqui eu escutei e vi tudo o que você pensou e imaginou.

— Como assim?

— Você está trabalhando em um portal e até quatro dias atrás estava sendo torturado por aquela bruxa. — Liz olhou bem para o pescoço de Diego e viu um suave arranhão onde sabia que ele tinha sido cortado.

— Espera... e você me diz isso só agora? Depois de um mês?

— Você é bem assustador, sabia? — o rosto de Diego corou e ele engoliu em seco. — Boa parte do tempo você é um filho da puta pervertido, mas quando você lê livros ou quadrinhos é bem legal. — esperou um pouco, mordeu um pãozinho e acrescentou — Quando cozinha também.

O vampiro estava mortificado.

— Então é por isso que você estava com medo de mim esse tempo todo... — disse a si mesmo.

— Eu até me acostumei a te ouvir, mas quando você se livrou da sua musa dos infernos, tudo parou, você me deixou no escuro e sozinha com um monte de pesadelos — as lágrimas aumentaram a intensidade. Diego a abraçou.

— Bruxinha... — A aninhou um pouco mais em seus braços e quando percebeu que ela parava de chorar, arriscou mudar o assunto — Que tal um brigadeiro de panela? Quer?

— Quero.

Diego trouxe o brigadeiro mais gostoso que Liz já provou na vida e o vampiro estava embasbacado com a proporção das coisas que a garota possivelmente tinha absorvido. Liz ficou sonolenta, mas não queria dormir. Não sem ouvir a voz dele. Diego materializou um livro nas mãos e começou a ler em voz alta, enquanto ela pouco a pouco adormecia. Porém toda vez que ele pausava a leitura, ela acordava assustada.

O problema era que quando Liz fechava os olhos, os demônios voltavam. Se via sendo abusada pelo coronel Moraes ou correndo dos cachorros que a perseguiram na mata, ou sentindo as dores da tortura enquanto presa nos porões da ditadura. Mas dessa vez apareceu um monstro diferente. Esse monstro em forma de um enorme e sanguinário leão dilacerou todos que a machucavam e quando acabou, com os dourados olhos reluzentes na enorme juba negra, se aproximou dela como um gato, se jogou no chão e começou com o delicado trabalho de lamber as patas.

— Diego! — Disse a bruxa com a voz embargada, encolhida de medo.

— Tem mais algum pesadelo? Estou faminto hoje.

— Você comeu eles?

— Um por um, embora eu prefira carnes nobres. Vamos bruxinha chorona, me dê seus piores medos.

— Todos?

— Todos.

O pesadelo foi sendo transformado em algo... estranho... completamente diferente e de repente, Liz se via montada nas costas do leão que corria por uma extensa savana sob um céu estrelado e uma sensação indescritível de liberdade.

— Onde estamos indo? — perguntou ela.

— Qualquer lugar. Onde você quer ir?

— Eu quero ir para... eu não sei!

— Então vamos para o mar!

— Eu nunca vi o mar...

— Você vai gostar, se segura...

Em algum momento da noite, Liz despertou e viu Diego dormindo ao seu lado enquanto segurava sua mão. O que foi uma surpresa, pois imaginou que ele não dormisse nunca. Se aconchegou na conchinha que ele fazia, passou o braço dele por cima de si e adormeceu novamente.

Desta vez em paz.


Diego Del Toro

Raramente dormia.

Aquele era um hábito que preferia não conservar, mas para entrar nos sonhos da garota de forma efetiva e talvez duradoura, não pensou duas vezes em adormecer ao lado dela. Quando despertou, surpreendeu-se ao sentir a garota aninhada em seu corpo. Enfiou o nariz no emaranhado vermelho daqueles cabelos e por um longo tempo lutou contra a própria vontade de permanecer abraçado àquele corpo e se levantou.

Ainda estava incrédulo que o efeito do elixir foi deixar seus pensamentos abertos para ela. A quantidade de fantasias impuras que calculou ter pensado, com certeza devem tê-la chocado bastante. Passou um café amargo, foi até a sacada do próprio quarto e ao observar seu precioso campo de girassóis, constatou que era a hora perfeita para iniciar os ensinamentos que a tornariam uma bruxa espetacular.

Quando foi à cozinha procurar algo para beliscar, já que era literalmente uma pessoa que comia o tempo todo, notou que Liz procurava nos armários os ingredientes do chá que ele havia feito. Silenciosamente, ficou encostado na porta observando como ela se comportava sozinha. Imaginou brevemente a pegando no colo, colocando sobre a mesa e a beijando começando pelos pés. Pigarreou no momento em que percebeu que já estava pensando besteira.

— Bom dia Elizabeth. — A voz saiu um pouco mais fria do que esperava.

— Bom dia! — ela estava com os ingredientes sobre a bancada e sem saber direito como misturar, perguntou — Como preparo? Tem mais um sabor que não sei identificar... o que era?

— É isso aqui. — Diego pegou vidrinho com um pozinho branco em outro armário. — Você mistura assim, duas colherinhas para cada cem mililitros. Não pode extrapolar, senão você ficará sonolenta demais.

— hummmm. Assim?

— isso. — observou ela dar um gole na mistura.

— O seu é bem melhor.

— A prática faz a perfeição, Elizabeth. Tome o seu café da manhã direito e daqui a uma hora venha para a biblioteca. Vamos ocupar essa cabecinha com coisas úteis, como aprender magia, por exemplo.

— Você vai me ensinar? De verdade? — os olhos dela brilharam.

— De verdade, mas se prepare, no começo é muita teoria e quero seu foco total no conteúdo que vou te passar.

— Então eu vou deixar de ser uma bruxa mequetrefe? - o sorriso que ela o entregou acabaria com guerras, curaria doenças, eliminaria a fome do mundo...

— Quem sabe daqui uns mil anos.

— MIL ANOS?

— Se não começar a estudar logo poderá ser cinco mil anos, você decide.

Escondendo um sorriso de satisfação, Diego foi para a biblioteca separar tudo o que achava viável ensinar Liz em uma primeira aula. Era um conteúdo tipicamente sumério, e quando a garota entrou na biblioteca, era como se nunca tivesse sido tão linda aos seus olhos.

Nunca pensei que a realidade um dia superaria a fantasia.

Puta que pariu! Eu estou literalmente lascado.

Se eu fosse mortal já teria criado umas boas rugas nessa minha cara de otário.

Ela era uma garota alta, delicada em sua própria maneira, desastrada na medida exata e pelo que deixava transparecer, por ter se antecipado meia hora, é que era, também, muito curiosa. Estava vestida com calça jeans, camiseta verde e cabelos amarrados.

— Sente-se aqui. — indicou a ela uma mesa que ficava próxima a uma janela com vista para um lago. Colocando sobre ela uma pilha de pergaminhos, livros velhos, papéis e canetas. Liz se sentou e ele se apoiou na mesa, inclinando-se sobre ela. — Hoje, quero que leia esse pergaminho aqui. Ele é o básico do básico e há vários milênios atrás, servia como introdução a magia para as crianças sumérias que eram dotadas de, o que chamavam na época, de "poderes divinos". Depois vamos contrapor com esse outro livro, que eu roubei há aproximadamente um milênio da sua querida avó, antes que ela tentasse me matar pela, sei lá, trigésima sétima vez.

— Você roubou um livro da minha avó?

— Não só esse, como vaaaaarios outros também. Mas convenhamos que ela não usava eles pra nada, nem pra ensinar vocês ela se prestou. Se ela tivesse educado todas as meninas da família, não teríamos chegado ao ponto em que estamos. Não era interessante pra ela que as bruxinhas — brincou com o rabo de cavalo de Liz — despertassem poderes além dos que ela quisesse.

— A vovó sempre foi uma pessoa tão cruel assim?

— hummmm ... te contarei mais a medida em que você for aprendendo, senão vamos mergulhar em um passado não muito interessante e agora quero que a senhorita foque em coisas boas como aprender a se defender e, posteriormente, atacar. Só existirá uma regra, que a senhorita deverá obedecer e jamais ignorar. — frisou — Jamais, em hipótese alguma, pratique magia ou feitiços dentro de casa. Tudo o que você aprender e que vamos testar será da porta pra fora, entendido?

— Sim, mestre! — a garota o presenteou com o sorriso mais cristalino que já havia visto.

— Feche os olhos, vou abrir seu entendimento, senão será impossível ler tudo isso.

Ah esse sorriso... Como não amar uma criatura dessa?

A atenção de Liz o pegou de uma forma que não saberia descrever, tudo o que explicava a jovem bruxa assimilava em uma velocidade assombrosa. Os mais diversos tipos de perguntas surgiam e exigiam dele uma vasta criatividade para não atropelar o processo de aprendizagem e deixar de ensinar algum passo ou fundamento importante.

Em uma semana, iniciaram as aulas práticas externas, e essas aulas divertiam Diego de tal forma que se controlava o tempo inteiro para não rir, enquanto Liz apanhava para conseguir fazer o básico ou quando tentava burlar alguma das teorias falhando no resultado. Ela caia no lago tentando controlar a água. Se desequilibrava ao tentar mudar a direção dos ventos, atraia mais do que queria tentando pegar algum objeto à distância, se sujava inteira de cinzas quando tentava manipular o fogo. Um ponto positivo é que ela tentava à beira da exaustão, até conseguir.

Ávida, quase todos os dias Elizabeth adormecia sobre os estudos e Diego gentilmente a colocava na cama. Isso estava se transformando em hábito. Um afago. Um beijinho na testa. Um suave cheirinho.

Era visível a transformação física e energética que ela atravessava. Ela já era bela e a cada dia que passava se tornava ainda mais. Inúmeras vezes Diego se pegou perdido admirando aquela criatura mandada diretamente dos quintos para acabar com ele. Se deu conta de que, se arrependimento matasse, estaria morto desde o dia em que a viu chorar pela primeira vez. Se ele soubesse que cairia de amores por aquela Detzel, teria surgido na vida dela antes mesmo do Raul e a teria só pra ele, livre de qualquer trauma ou infortúnio que a vida pudesse causar. Amava Elizabeth ao ponto de doer e se seu castigo era não poder tocá-la nunca como homem, aceitaria de bom grado. Afinal, merecia.


Elizabeth Detzel

Adotou Diego não apenas como seu mestre, mas como um modelo a ser seguido. Queria ser implacável como ele. Queria ser tão forte quanto ele. O admirava a cada magia que ele a ensinava, a cada vez que caia e ele a levantava.

Só que nem tudo eram flores, ele também a irritava. Percebeu as incontáveis vezes que ele segurava o riso quando algo dava errado e nesses momentos específicos ela o odiava. Desculpa Madá, mas seu filho é um filho da puta presunçoso! Mas esse ódio ia todinho embora quando se via no colo enquanto ele a levava para cama, a cada prato saboroso que ele a servia, a cada vez que seu olhar seus olhares colidiam. A cada carinho disfarçado.

Monstro asqueroso maldito! Dá pra ser menos fofo? Eu tô gostando de você...

Uma dúvida começou a florescer em seu âmago, será que um dia seria amada da mesma forma que ele amava a outra? Para, por fim, culminar na desesperança, pois como alguém tão perfeito como ele iria se interessar por alguém tão insignificante quanto ela? Se toda vez que se olhava no espelho via uma imagem repugnante, suja e desagradável.

Ela tentava ignorar seus demônios, mas mesmo ocupando a cabeça com fórmulas e magias, os pensamentos reapareciam no momento em que lembrava que uma hora Diego ia sair para se alimentar e demorar a voltar. Pior! Que ele ia encontrar Anita.

Ele parecia inatingível e já estava cansada de se sentir tão miserável. Sentia ciúme e também inveja de tudo e todos. Inclusive dos pets.

Invejava o Seth por todos os momentos divertidos que os dois passavam juntos e por sempre ser felicitado nas mínimas proezas. Invejava as gatas, que tinham a liberdade de subir em cima dele quando queriam e recebiam carinho sem ao menos precisar pedir, e por mais que Diego fosse sempre extremamente cuidadoso e carinhoso com ela, sentia uma carência tão grande de atenção e afeto que chegava a ser cortante.

O dia que o vampiro precisou realmente sair, deixou Liz desolada. A garota olhou para todos os cantos da casa e antes que sua imaginação a levasse para terrenos perigosos, dedicou-se aos estudos. Afinal, dois dias voam. Embora soubesse que ele levava muito menos tempo para consumir o que precisava, as memórias do que ele fazia quando estava lá fora vinham nos momentos mais inoportunos.

Na primeira noite fez o chá e ao invés de duas colher do pozinho do sono, colocou logo quatro e dormiu tranquilamente. No dia seguinte praticou magia pela manhã conforme a rotina e estudou o restante da tarde. Brincou com Seth, que já não lhes causava mais medo, tocou piano, ouviu todos os álbuns lançados do Beatles até então e também desenhou as roupas que queria fazer.

Se eu usar um pouquinho só de magia, o Diego não vai nem desconfiar, vai?

Só um pouquinho?

Agulha, linhas, tecidos, giz para marcar, fita métrica para medir, papel pardo para moldar. Utilizou tudo o que sabia sobre costura e que tinha aprendido com Madá, Sophia e as outras moradoras do bordel. Se divertiu costurando quatro peças de roupas simultaneamente, ostentando um tempo recorde com auxílio de magia. Tudo voava e a casa estava em festa. Seth e as gatas brincavam com os tecidos e novelos de linhas que pairavam no ar.

Sem uma gota de sono, Liz achou uma excelente ideia fazer roupas pra bicharada também. O difícil era conseguir pegar as criaturas e fazê-las vestir suas criações. O cachorro não se importou com o modelito composto por um smoking.

— Seth, você está pronto para o meu recital daqui a pouco! Bom garoto! — abraçou o cachorro e o encheu de beijinhos e recebeu lambeijos como retribuição. Voltou a atenção para as gatas. — Meninas! Agora é a vez de vocês, não me decepcionem, vocês ficarão fantastique!

As gatas sumiram. Procurou por quase todos os lugares até concluir que elas poderiam estar nas prateleiras da biblioteca. Dito e certo. Pegou a primeira, Diana, uma persa malhada, que boazinha de tudo, seu único protesto foi agarrar-se a sua blusa.

Trè bien, você está parfait Diana! Próxima... Astrid!

Astrid, a gata preta, apenas miava tentando "argumentar" o porquê de não querer vestir a roupinha, mas cedeu.

—Você ficou tão linda Tridinha! Os rubis combinaram perfeitamente com sua aura misteriosa! Agora só falta uma... senhorita Morganaaaaaa!

Morgana deu a maior canseira que Elizabeth poderia imaginar em receber de um gato na vida. A cinzenta pulava por toda a biblioteca. Com magia eu consigo pegar essa peste! Com um gesto, canalizando uma força de atração, conseguiu puxar a bichana do alto de uma prateleira, a gata se agarrou ao que podia para tentar escapar. Quando Elizabeth a pegou, presa em suas garras vieram alguns pergaminhos. Liz os colocou sobre a mesa de Diego e se concentrou no modelito da criaturinha danada em sua posse. Foi trabalhoso, mas depois de alguns arranhões, também a vestiu com sucesso.

Estavam todos prontos para o recital e vestindo uma de suas criações da noite, um vestido longo de veludo vermelho escuro, Liz se apresentou para o seu público pet. Tocou suas músicas favoritas e lá pelas tantas, já tendo acabado seu repertório e com os olhos curiosos passeando pelos cantos da casa, pensou em por que não ler algum livro diferente, afinal a enorme biblioteca tinha uma ampla variedade de títulos. Arriscou em um livro contemporâneo e sentindo falta do seu bruxo, sentou-se na poltrona dele. Leu algumas páginas até por fim seus olhos pousarem pelos pergaminhos que a gata tinha pego no alto da estante. Eram três.

Então esse é um típico contrato de venda de alma? Interessante! - Pensou ao abrir um deles.

Leu linha por linha, chocada com as cláusulas, um tanto quanto meticulosas, por sinal. Diego realmente não brinca. Acho que mereço um vinho, pra assimilar essas coisas um pouco melhor! Pegou uma garrafa na adega, se serviu de uma taça e pegou outro contrato. Hummmm esse parece diferente.

"Contrato de compra e venda de propriedade.

Pelo presente contrato particular de compra e venda que entre si fazem, de um lado, como vendedora Elizabeth Detzel..."

A garota engoliu em seco cada palavra escrita. Estava atônita.

Absolutamente nada é de graça nessa merda de mundo.

Com os olhos marejados e cintilantes, decidiu fazer uma breve pesquisa.

— Casa, me mostre todos os contratos que citam o nome "Detzel" e "Fazenda das Almas" juntos.

Apareceram mais dois contratos sobre a mesa.

O contrato que Diego havia feito com o Coronel Moraes há anos atrás e o anexo do contrato que alienava a vida de Isadora.

Eram tantos sentimentos misturados. Tantos conflitos, que por fim, voltou todas as coisas para seus devidos lugares e foi para seu quarto. No escuro, chorou de desolação. Se abraçou com tanta força que cravou as unhas nos próprios braços e se arranhou com toda força.

Todo seu pesadelo era por causa daquela fazenda, da ganância do bruxo que adorava e da aparente falta de sensatez da avó.

Nunca foi tão miserável. 

Alejandro Del Toro

Como gostava e muito da bagaceira, não se conteve em brincar com a fórmula de Santiago a adulterando para que não conseguisse voltar à forma original quando bem quisesse.

Já que ele quer tanto ser o Diego, vamos ver por quanto tempo ele consegue sustentar o personagem?

Diego jamais se prestaria a esse papel. E olha que já vi ele louco morto de ciúmes pela Hella várias vezes.

Essa Isadora é até gostosinha, mas não merece tanto aplauso assim.

Esperou a merda.

Era indiscutível que seu irmão favorito era o do meio. Indiretamente ele foi praticamente um pai e queria ser tão ou mais importante que ele. O mais velho tinha qualidades inenarráveis, tinha um ar mais austero, porém foi o mundano do meio que se fez presente em todos os momentos que precisou.

Mas nesse caso todo, estava do lado da briga. Era a primeira vez que os mais velhos brigavam entre si, e estava adorando passar o título de "o mais inconsequente e estúpido" para Santiago.

Diego Del Toro

A certeza que tinha é que nunca foi tão "casto" em toda sua existência e, simplesmente, não estava mais a fim. O que era muito estranho para uma pessoa que sempre estava a fim de uma boa putaria. Estava tão centrado na bruxinha, que seu olhar, seu corpo e desejo reagiriam apenas a ela, caso quisesse.

Durante seu breve momento fora de casa, se divertiu mais uma vez com um dos torturadores de Liz. Conversou com pessoas que seriam importantes para o lado dos Iluminados. Liquidou contratos que não eram vantajosos e realizou novos pactos.

Encontrou-se com Anita, mas para outra finalidade. O foco dessa vez era um trabalho que desenvolviam sobre mapeamento das almas. Em seu pouco mais de um milênio de vida, Anita o ajudou a desenvolver um sistema que identificava pessoas que seriam importantes vetores de transformação social, tecnológica e mágica entre todos os reinos e castas. Algumas delas precisavam ser despertadas e Diego se divertia com isso. Adorava despertar pessoas importantes.

— O programador vai demorar um pouquinho pra renascer, Diego. — Disse Anita, olhando para o mapa. — Ele ainda não deve estar pronto depois da confusão que foi sua última vida, ao que tudo indica, ele só retornará na virada do século.

O mapa era uma pedra circular que mostrava onde cada alma estava, e para as que podiam, quando estariam prontas para voltar e onde. O vampiro suspirou desanimado. O programador segundo seus diários de outras vidas, tinha sido um de seus melhores amigos e estava ansioso para conhecê-lo nesta existência.

A finalidade inicial do mapa das almas era encontrar onde e quando renasceriam os quatro filhos de Anita, que quando mortal os viu morrer um por um diante de seus olhos enquanto tentavam extrair dela a localização do trio Del Toro. A promessa de Diego que ela os veria novamente foi o que a manteve viva, e o mapa das almas que ele criou, acabou servindo também para outras finalidades.

— Mas Diego, você não estava de férias?

— E estou. Você sabe que isso pra mim virou mais um hobby que um trabalho, afinal, se não fosse por você eu nem teria começado. Como estão meus afilhados?

— Florence está em seus últimos dias e Pierre completou quinze anos mês passado.

Isso também vai ser importante pra Liz. Vamos conseguir achar as novas bruxas que nascerão na família dela e poderemos remodelar o sistema.

Chegando em casa no meio da manhã, estranhou Elizabeth não estar acordada. Nos últimos dias ela praticamente madrugava. Riu gostoso quando viu os pets todos vestidos. Era maravilhoso estar em casa.

Essa cretina usou magia dentro de casa, não tem condições ou possibilidades de vestir a Morgana sem magia.

Foi até o quarto da garota e ao vê-la ainda deitada, entrou sem pedir permissão. Pulou na cama ao lado dela.

— Bruxinha fedorenta, você está atrasada. — Disse puxando o travesseiro que ela cobria a cabeça. Liz abriu os olhos e o encarou com um desprezo tão grande que Diego sentiu na alma. Mas eu não fiz nada... o quê será que tá rolando?

— Já vou.

Se retirou do quarto pensativo. Avaliou todas as ações que tinha feito, vai que ela tá assistindo meus pensamentos outra vez, nunca se sabe. Mas que porra, eu ando tão santo que poderia ser canonizado!

Foi ignorado o dia inteiro.

Elizabeth não se aproximava, não o olhava nos olhos, não o dirigia a palavra, apenas fazia o que devia fazer: estudar. Ele mesmo já estava ficando puto com a situação.

No outro dia a mesma coisa. Cansou. Teria que usar seus vigilantes para saber o que aconteceu. Primeiro perguntou a Seth, que pouca coisa revelou pois tinha dormido. Depois pegou Diana, e em seus olhos viu toda a enorme festa que fizeram durante a noite que esteve fora, Quer dizer que vocês se divertiram tanto assim e nem me chamaram? Isso é um ultraje! Os olhos de Astrid, por sua vez, revelaram um pouco mais, como Elizabeth puxando Morgana do alto da prateleira e os pergaminhos que vieram juntos. Morgana mostrou o que queria.

— Elizabeth, vem comigo, vamos conversar. — Disse ele no começo da noite. Sentaram-se na sala. Ela estava rígida, cabeça erguida como uma rainha, olhando para o lustre, de braços cruzados, cenho fechado e balançando o pé expressando toda a sua impaciência. — Agora me conta, o que diabos aconteceu? O que eu fiz de errado?

— Você deve saber muito bem. Você não é o todo poderoso Diego Del Toro?

— Bem... Sobre os contratos...

— Você tem ideia do quanto você foi ridículo? — Ele sabia. Apenas abaixou a cabeça e soprou o ar vencido — Quer dizer, que eu te venderia a merda daquela fazenda e eu teria que cumprir aquelas condições bizarras em troca? Quem é você pra controlar meus filhos? Quem é você pra dizer o que eu posso fazer ou não com a minha vida? Isso não deveria ser ao contrário? — ela se levantou e começou a caminhar de um lado a outro na frente de Diego e disparou — Você queria me impedir de casar com o Raul? Tá certo que nessa parte você estaria me fazendo um favor, mas Diego? Quem deveria me dar o mundo em pagamento por tudo o que passei é você! — Liz pausou, respirou fundo e com os olhos marejados continuou. — Se você queria tanto aquela fazenda maldita era só ter me pedido! Eu te dou aquela desgraça!

Diego estava consternado olhando para sua adorada bruxinha raivosa. Eu devia ter rasgado aquele disparate de contrato. Como acalmar essa criatura depois de uma merda dessa, casa pesquisar?

— Eu não quero nunca mais pisar naquele inferno, você destruiu a minha vida, você tem noção do quanto eu estou chateada? — Diego apenas arregalou os olhos, preocupado. — É só por isso que você está me ensinando magia? Pega logo essa merda e enfia...

— Liz! Meu bem, calma! — Ele se levantou, pegou a mão de Liz e a puxou para o colo. A garota respirou fundo sentida. Ele limpava suas lágrimas morto de preocupação. Com a voz mais mais branda o possível, continuou — Meu amor, esse contrato não era nem pra existir, foi piração minha e eu não estou te ensinando magia porque quero algo de você. Tudo o que eu mais quero no mundo é que você fique bem, apenas isso.

— Mas você quer a fazenda. — Ela o abraçou desabando em lágrimas.

— Não mais. — Os lábios de Liz o atraiam tanto, que ele estava em vias de beijá-la.

— Mentiroso. Sem a fazenda, as almas e os diamantes que tem lá você não vai conseguir abrir o portal.

— Sempre existe um outro jeito pra tudo. — Não se segurou. Deu um beijinho na bochecha da garota em seu colo. Ela soprou uma mechinha ruiva que caia sobre seu rosto e desenhou um sorriso de adoração em Diego. — Me perdoa?

— Não.

— Bruxinha rancorosa. — gracejou, colocando carinhosamente a mechinha que caia por de trás da orelha da bruxa.

— Faça um contrato decente sobre essas terras. — disse ela com uma cara fachada. — E quero também o contrato daquele maldito coronel, assim como o da Isadora.

— Tudo o que você quiser. Inclusive eu.

— Palhaço. — Se tocando de onde estava, assustada se levantou do colo de Diego se afastou. — Faça um bom contrato.

Ah meu santo periquito! Eu tô perdendo totalmente a linha.

Vontade de beijar essa garota inteira!

Ela sorrindo é uma delícia, mas ela brava é matadora!

Se dedicou a noite inteira escrevendo um novo contrato. Liz se enfurnou no quarto e não deu nem um mísero "boa noite". Sem perceber, Diego também se sentia carente da atenção dela.

Tomara que com esse contrato ela volte ao normal.

Bruxinha dos infernos!


Elizabeth

A decepção ao se deparar com o contrato na mesa de cabeceira da cama foi tão amarga que se enfiou novamente debaixo das cobertas e se arranhou inteira.

Leu linha por linha. Era tudo uma mera transação econômica, mas se era o que ele queria, assinaria.

Sua vida já não valia nada mesmo.

Não estava com saco pra continuar vivendo.

Usando suas novas habilidades mágicas, materializou uma caneta tinteira nas mãos e a cravou com toda força na coxa. Com o seu próprio sangue assinou o contrato.

Jogou o documento sobre a mesa do escritório de Diego com ódio.

A cara de desentendido que Diego fez, a deixou mais irritada ainda. Quando ele fez menção de que ia falar, ela o interrompeu.

— Só por hoje, eu não quero ouvir a tua voz. 

[Autora entra no chat]

Hello povo! 

Como esse capítulo ficou enorme, decidi dividir em dois pra não cansá-los demais. ;)

Xoxo

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