[45 anos atrás] A casca

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Elizabeth Detzel

Acordou assustada ao sentir a freada brusca do fusquinha quando a mãe parou para abrir a porteira da fazenda. Observou ela sair do carro e se ajeitou no banco do carona sentindo a euforia que o sonho com Raul tinha provocado e só de lembrar seu rosto corava.

Ai meu deus, Raul!

Queria dormir de novo e voltar para o sonho.

Certamente escreveria no diário sobre o quão intenso foi sonhar fazendo amor com Raul em um jardim de girassóis. Antes que a mãe voltasse para o carro, lembrou que estava fingindo estar "dopada" pelo chá.

Ao se aproximarem da sede da fazenda, notou que nunca tinha visto a casa de sua avó tão movimentada, ainda mais naquela hora da noite. Ao descer do carro, deslumbrou-se com a grande fogueira acesa a alguns metros.

Que linda!

Queria ir pra perto do fogo, pensou nas fogueiras de São João, as comidas da época, a música, mas ainda faltavam alguns dias para que junho chegasse.

- Liz, venha, você precisa se preparar. - a mãe a puxava para dentro da casa.

Era pra ser um momento feliz, não era? Então por que os olhos de sua mãe estavam tão tristes? Elizabeth a seguiu enquanto sua intuição gritava. Viu que todas as tias estavam presentes. Ouvia um som de tambores que ditavam um ritmo que pareciam as batidas do seu coração. Sentiu uma energia diferente se propagando por toda aquela a terra.

Incrível! - Pensou ela, sentindo um gostoso arrepio.

- Mamãe, o que está acontecendo? - Ela estava deslumbrada. A mulher se virou para a filha e tentando disfarçar as lágrimas a abraçou.

- Liz, eu te amo minha filha.

- Porquê você está falando como se estivesse se despedindo? Não estamos em uma festa?


Aimée Detzel

Estava sendo uma noite crítica. A tenacidade de Diego fazia juz a sua fama. Ele não era bobo e ia em frente com seu propósito a cada existência. Cada vez que o viu renascer o ciclo se repetia. Exceto por seu último nascimento. Nesta existência que se prolongava a mais de um milênio ele estava bem mais discreto, estudou sobre si mesmo e aprimorou a temida fórmula.

Aimée já viu o trio Del Toro em outras vidas destruir uma civilização, criar mortos vivos assustadores, levar seres raros à extinção e até mesmo, quase destruir uma das poderosas linhagens colonizadoras. Ela não sabia até que ponto eles eram maus por serem caçados ou se eram caçados por serem maus. O que importava é que eles eram a junção de tudo o que aprendeu a odiar.

Naquela noite, viu quase todas as suas possíveis cascas perecerem de uma vez. Restando apenas uma, Elizabeth. No passado, em seus pensamentos, cogitou que quando assumisse uma pele mais jovem, se tornaria a melhor amiga de Liz. Não perdoaria os Del Toro por fazê-la trocar para o corpo de uma pessoa que amava. Elizabeth era a sua pessoa mais querida desde o momento em que nasceu.

Preparou-se para o ritual se despedindo do velho corpo que tanto a serviu. Cingiu-se delicadamente com um óleo aromático. Uma das sacerdotisas marcava seus olhos com cinzas em sinal de cruz. Outra, cobria seu corpo com um manto em algodão cru.

Todos os membros restantes da linhagem estavam reunidos em suas respectivas colônias. Nas outras localidades, mesmo sendo atacadas pelos seguidores dos Del Toro, persistiam em suas posições em volta ao círculo de fogo. As sacerdotisas sincronizavam seus pensamentos e movimentos em uma espécie de coreografia, produzindo uma poderosa redoma energética em torno da Fazenda das Almas, onde estavam Aimée e Elizabeth como uma forma de protegê-las.

Terra Proibida - EssênciaWhere stories live. Discover now