Terra Proibida - Essência

By EvaSans86

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Em um entrelaçar de passado e presente, mergulhe em uma trama que desafia os limites da razão e da sanidade... More

Nota da Autora
[Agora] A queda
[45 anos atrás] A proposta
Cap. 1 - Sentimentos Ocultos
Cap. 2 - Tormenta
Cap. 3 - Ecos do Passado
Cap.4 - A medalha
Cap. 5 - Revelação
Cap.6 - O nada
Cap. 7 - Oráculo
Cap. 8 - Isadora Moraes
Cap. 9 - Elizabeth Detzel
Cap. 10 - Segredos ao pôr do sol
Cap. 11 - Sangue quente
[45 anos atrás] A Alma à venda
[45 anos atrás] A casca
[Agora] O Salto
Cap. 12 - Despertar
Cap. 14 - Presente de grego
Cap. 15 - Feito de lágrimas e cinzas
[45 anos atrás] Ninguém se lembrou
[45 anos atrás] Inferno
[45 anos atrás] Quando todos os homens falharam
[45 anos atrás] Mais que morrer
[45 anos atrás] Seus pensamentos
[45 anos atrás] Miserável
[45 anos atrás] Esse tipo de amor...
Cap. 16 - Versões de uma mulher
Cap. 17 - A casa
Cap. 18 - Terceira morte
Cap. 19 - Primeira vida
Cap. 20 - Alguém tem que morrer
Cap. 21 - Sete Palmos
Cap. 22 - O Centro do Universo
Cap. 23 - Essência

Cap. 13 - O Animal que me tornei

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By EvaSans86


Benício Speltri

Era preciso manter a calma. Definiu o ritmo da respiração e mesmo com o outro o encarando com uma expressão odiosa, Benício tentava se concentrar nos compostos químicos da medicação que havia tomado no hospital. Algum deles, ou sua combinação poderia ter causado as alucinações.

Já estava cansado de ver Diego e qualquer sintoma que relatasse a qualquer médico, por suas perfeitas condições físicas e falta de transtornos mentais no seu histórico médico, seria encarado como estratégia para sair da prisão.

Tentava ignorar o outro, mas aguentar a crítica de Diego era bastante desafiador. Não conseguia dormir e quando dormia, ele continuava lá, só que ainda pior.

Seu breve cochilo dentro do camburão foi interrompido por uma freada brusca. Seus olhos deram de cara com Diego apoiado no outro preso que estava sendo movido para o centro de detenção junto com ele. O rapaz era negro, bonito, afeminado e como ele próprio, estava aterrorizado.

O rapaz desceu primeiro.

Como remoção de suas identidades, rasparam-lhes a cabeça e lhes deram números. Diego observava os dois com uma expressão divertida.

Criaturas de sorte. - disse ele cruzando os braços conferindo o trabalho dos detentos que raspavam suas cabeças. - Antes que ousassem fazer isso com os meus cabelos, suas mãos já estariam em outro estado.

Benício apenas respirava fundo. Estava exausto. Era mentalmente cansativo ignorar Diego. Pouco tempo depois descobriu que o rapaz que havia chegado junto com ele chamava-se Wallace. Estranhamente, Diego parecia gostar de Wallace. Enquanto o rapaz estivesse por perto, Diego pararia de encher o saco, concluiu.

Infelizmente, Wallace e Benício foram levados para celas diferentes, assim como lhes foram atribuídas funções diferentes. O primeiro foi designado a cozinha e o segundo para a limpeza.

Com uma semana, era visível a mudança em Benício. Olhos fundos, magro e aspecto atormentado, desligado. Ninguém o aguentava mais. Durante o dia ele se atrapalhava em suas funções e durante a noite, acordava a todos os companheiros de cela com sua sequência sustos e grunhidos provenientes de seus pesadelos.

Wallace, surpreendentemente, se adaptou mais rápido. Era excelente em tudo o que se propunha a fazer e logo, todos que trabalhavam no refeitório o queriam por perto.

Diego continuava se manifestando para Benício vinte e quatro horas por dia. Estava sempre observando o que os outros faziam. Tinha passado a falar um pouco menos, mas toda vez que abria a boca, certamente viria uma sugestão mortífera, uma crítica ou um comentário maldoso. Chegou a um ponto que Benício não conseguia mais ignorar.

Não que quisesse acreditar em fantasmas, mas já não tinha medicamento nenhum correndo em suas veias e só o sobrenatural poderia explicar essas visões ou... a privação de sono.

Preferiu arriscar na privação de sono.

Todos sabiam que havia algo de errado com ele.

Você é péssimo ator. - disse Diego, bastante relaxado encostado no muro, fumando um cigarro como se estivesse nascido para estar ali.

Benício estava trêmulo. Tinha recebido um recado de que se incomodasse os outros detentos durante a madrugada, seria moído na pancada.

— O que eu posso fazer se você não desaparece nunca? - respondeu a Diego.

Quer dizer que a pobre vítima da sociedade decidiu parar de me ignorar? - gracejou enquanto ficava frente a frente com Benício o fitando de forma intimidadora - Já estava começando a pensar que você era surdo.

— Bem que eu queria. Não tem outra pessoa pra você assombrar não?

Bem que eu queria. Se eu pudesse escolher, ficaria no pé da "bruxa maldita", mas infelizmente estou preso a você...

Wallace observava de longe Benício conversando sozinho. Naquele dia, receberia a visita do advogado e sem dúvidas, informaria a Henri que o primo estava completamente maluco das ideias. Já tinha fuçado a vida dele o suficiente para saber que tinha coisa errada acontecendo e, inclusive, se lembrou de um dos seus últimos passatempo favoritos: Ouvir as gravações da coleção de pesadelos de Benício. A princípio, abriu os áudios por mera curiosidade, mas as histórias eram tão horripilantes e boas que começou a ouvir todos. Lembrou que nos últimos "episódios", pois já considerava aquilo um podcast diário, Benício tinha dado nome ao seu "inimigo íntimo" e sentiu uma enorme tentação de ir até ele e perguntar se ele conversava com Diego Del Toro. Não tiveram muito contato desde que chegaram, mas aquele era um de seus clientes mais importantes, porque não aproveitar a oportunidade?

— Benício... - Wallace mal começou a falar e logo foi interrompido.

— Você acredita em fantasmas, monstros, demônios, ou coisas do tipo? - Benício parecia muito mais estranho pessoalmente.

— Sempre que a gente mudava de casa, minha mãe jogava sal grosso pra espantar os espíritos...

— Boa! Me traz um quilo de sal da cozinha e te pago com seis pacotes com dez maços de cigarros.

Os olhos de Wallace brilharam. Na cadeia cigarro era sinônimo de dinheiro. Agora, como ele pegaria o sal é que eram outros quinhentos.


Henri Speltri

Quem olhasse Henri de relance diria claramente que ele era um advogado, camisa bem passada, costume bem cortado e de alguma grife famosa, sapatos caros e cabelos impecáveis. Definitivamente ele estava estranho, concluiu sua secretária, Margareth, que o acompanhava há pelo menos três anos. Parecia que ele havia sido possuído por algum espírito e que pelos deuses, isto continuasse.

Até ele mesmo estava se achando estranho. Sentia uma urgência em ser mais cuidadoso com as coisas, parecia que lhe faltava uma peça, um gap na memória.

Naquela tarde se encontraria com seus notórios clientes Wallace e Benício. Já faziam dez dias que eles estavam no centro de detenção e também, dez dias que Henri praticamente não dormia. Sua mente revisitava os detalhes contidos nas provas do crime, já tinha feito mentalmente os passos do primo, e também de Wallace, incontáveis vezes. Uma seguindo a lógica dos investigadores e outra, seguindo a lógica dos clientes.

A de Wallace batia perfeitamente com o que ele havia dito, já a de Benício parecia surreal. Certamente inocentaria o Hórus muito antes do primo.

Sentou-se de frente para Wallace na abafada sala reservada para os advogados conversarem com seus clientes dentro do complexo penitenciário, o parlatório, e surpreendeu-se em como o rapaz estava adaptado. Explicou a ele como estavam os trâmites e Wallace lhe deu ideias valiosas para achar o cara que lascou com sua vida, deixando que ele fosse incriminado por algo que não fez. Antes de finalizarem o assunto, Wallace tocou no ponto que Henri também queria chegar:

— Doutor Speltri, seu primo não tá legal não. A mona tá zuadassa. - Disse arregalando os olhos.

Henri respirou fundo.

— Fica de olho nele pra mim. - entregou ao rapaz, além de cigarros, dinheiro. — Eu vou te tirar daqui em aproximadamente vinte dias. Aguente firme até lá. Depois disto, vamos processar o estado. Vou te deixar rico. Mas cuida do meu primo.

Wallace deixou a sala com um sorriso enorme no rosto.

Espanto é a palavra que traduzia a cara de Henri ao olhar para Benício, naquela tarde. Ele entrou na sala, não o saudou e apenas sentou-se com o olhar fixo em algo. Estava visivelmente mais magro.

— Beni? E aí, cara?

O silêncio foi sua resposta. Levou longos minutos até Benício o olhar diretamente. Quando o fez, parecia literalmente outra pessoa.

— Eu vou te dar um nome: Isadora Moraes.

— Isado...

— Acesse meu icloud e o meu drive, cheque o histórico de conversas, assimile a forma como eu costumo me relacionar por mensagens e foque, principalmente na minha curta conversa com a Isadora. Tem outra pessoa que quero que preste a atenção pra mim, Anita Stier.

— A puta loira...

— Essa mesma. Acho que as duas estão relacionadas.

— Por quê você chegou a essa conclusão?

— Elas deram a impressão de me conhecerem antes que eu as conhecesse. Eu tenho uma foto salva da Isadora na galeria.

Na conversa anterior que teve com o primo, ele veementemente havia dito que não tinha matado Olívia, embora as circunstâncias mostrassem o contrário.

Era deveras estranho que as câmeras de segurança do evento não estivessem funcionando na noite do crime e mais ainda as câmeras que monitoram as ruas da cidade estarem aparentemente desligadas no horário correspondente. Henri sabia que tinha algum tipo de manipulação nessa história e ele precisava descobrir a mando de quem e por quê.

Benício fitava um ponto aleatório da sala com uma cara estranha.

— Beni, há quantos dias você não dorme?

— Engraçado, geralmente sou eu que faço esse tipo de pergunta... - disse Benício ainda olhando para o nada.

— O que tanto você está vendo, que eu não consigo ver? - olhou na mesma direção que o primo e ouviu alguém cantarolando.

Hoje a noite, aqui na selva, quem dorme é o leãoooooooo...

— Se eu te falasse que eu vejo uma imagem igual e oposta à minha ao mesmo tempo, falando sem parar, - disse Benício. - você acreditaria?

— Eu não costumo acreditar em muita coisa, mas também não duvido de nada. Qual diagnóstico você se daria?

— Se eu apelar para a razão, eu posso me dizer esquizofrênico. Se eu pensar de forma religiosa, coisa que nunca fui, eu diria que estou vendo o demônio ou algum espírito maligno.

— E o que esse espírito está fazendo neste exato momento?

— Cantando a porra da música do Rei Leão.

Henri sentiu um calafrio, ele também ouvia mesmo que baixinho alguém cantarolando a mesma música.

— Bê...

— Eu não consigo dormir por causa dele. Quando durmo, ele protagoniza cenas dignas de um filme de terror e já perdi as contas de quantas vezes ele tentou me matar.

Henri estava encucado com a conversa que teve com o primo, tinha certeza que também tinha ouvido o mesmo cantarolar na voz do próprio Benício enquanto eles conversavam.


Anita Stier

Nada estava normal.

Depois da noite do fatídico crime, o lado sobrenatural do mundo estava uma bagunça e Anita precisava escolher um lado.

Não fosse a ruptura dos Del Toro a quarenta anos atrás, eles já teriam dominado absolutamente tudo e agora estava por vir a ascensão de uma bruxa Detzel.

Os etéreos já estavam em decadência. O elixir de Alejandro não se comparava ao de Diego. Criaturas da noite se multiplicavam e nenhum dos reinos eram capazes de abrir os portais que as Detzels fecharam.

Embora tecnicamente os iluminados estivessem seguros por conta da recente parceria de Alejandro com os reinos, nenhum dos imortais queriam aderir em suas famílias seres híbridos. Queriam a fórmula do elixir apenas para perpetuar suas castas do jeito que eram até conseguirem deixar a Terra.

Anita pensou seriamente em seguir Alejandro.

No passado, Alejandro idolatrava Diego e tentava seguir os passos do mais velho à sua maneira. Claro que pela sua sede em ser visto, apreciado e aplaudido, fez bastante merda durante o processo. Era considerado por todos apenas um pupilo dos irmãos mais velhos. Por vezes, Anita viu Diego tentar direcioná-lo para atuar no que de fato ele seria bom. Mas ele queria ser tudo.

Quando Diego caiu de amores pela maldita Detzel, viu Alejandro ser consumido pelo ciúmes. Para ele, o irmão que até então tinha sido o seu modelo sagrado havia se corrompido. Ela própria também tinha achado o mesmo.

Só após a traição, Anita percebeu o quão tenaz Diego Del Toro havia sido. Todos os iluminados que juravam estar mortos estavam mais vivos e poderosos do que nunca, com novos nomes, novas vidas e seguindo as direções de Elizabeth.

Essa nova versão de iluminados praticamente não deixava rastros de suas existências e eles poderiam estar em qualquer lugar.

Faziam dias que Anita acompanhava a rotina de Henri. Não por ordem de Santiago, o qual ainda considerava como mestre. Mas porque ele era a única forma de conseguir notícias de Benício. Entendeu de cara quando o viu ao lado de Santiago que ele também era um Del Toro.

Em todos os anos que viveu ao redor dos irmãos, embora ele fosse um amor de pessoa para se conviver, Santiago tinha um lado obscuro. Qualquer um poderia jurar que sua intenção fosse sempre tentar salvar o máximo de vidas possíveis, mas a verdade era bem distante disso. Ele sentia prazer peculiar na dor que proporcionava vida.

Pensou que Henri seria mais parecido com Alejandro, por ser falastrão e descuidado. Mas agora percebia que não era bem o caso. Assim como ela o estava observando, ele também a observava. Sua principal dúvida era como ele estava usando o Hórus sendo que ele estava preso?

Agora estavam frente a frente um ao outro em uma hamburgueria. Tudo nele a irritava. A postura com a qual ele estava sentado relaxado demais, a forma como comia, o desdém impresso no olhar em como ele a observava. Para quem visse a cena de fora, certamente veria um casal em um aparentemente fim de relacionamento. Ele sério, ela fria.

— Acho que temos um problema entre nós. - Disse Anita em uma tonalidade calma - por quê você está me seguindo?

— Você deve saber o motivo. - respondeu ele na mesma entonação.

— Ahhhhh, você ainda é obcecado pela Jú. - disse ela dando um gole num drink.

— Entenda como quiser. Você também está me observando. Será que é medo de finalmente eu conseguir reconquistá-la ou por quê você está louca de curiosidade sobre meu primo?

— Bingo.

— A Ju precisa se relacionar com pessoas melhores. - disse Henri. Havia algo diferente na forma como ele a olhava agora. Anita tinha certeza que viu uma peculiar luz dourada nos olhos dele. - Mas o que me trouxe até você não foi ela, infelizmente. Quem é Isadora Moraes?

— Isad... - Ela tentava fechar a boca. Tentava não falar nada, mas algo estava forçando seus lábios a quererem despejar tudo o que sabia sobre Isadora. - Isadora Moraes é a filha do Coronel Moraes, nascida e criada em Diamantina, Minas...

Anita contou a Henri absolutamente tudo sobre Isadora. Ela não conseguia se controlar, e isso estava sendo aterrorizante.


Henri Speltri

Henri estava chocado com a avalanche de coisas sem sentido que havia ouvido de Anita.

Ou todo mundo estava louco ou ele mesmo estaria. Vampiros? Bruxas? Que tipo de obra de ficção Anita poderia estar escrevendo?

Acendeu um cigarro. Colocou o fone de ouvido e escutou a história que Anita contou novamente. Costumava gravar esse tipo de "reunião" embora não pudesse usar os audios como prova, pelo carater ilegal, poderia pelo menos entender melhor a situação. Anotou os pontos chaves da história e os principais nomes que apareceram, e o que mais o embasbacou eram os nomes conhecidos que apareceram: o grande amigo Thiago Taurus, a tia Elizabeth Detzel, o grande cineasta Alexandre Távros, o próprio pai e até a terapeuta do primo, Sophia.

Imprimiu a foto de todos eles e fixou no quadro branco conforme o relato de Anita. Fez anotações ligando cada uma como a loira havia relatado. Era muita viagem, concluiu. No mínimo a loira estava envolvida com drogas pesadas e viciou o primo.

Desgrudou as fotos do quadro e as jogou no lixo.


Oráculo

Vivian podia se dizer finalmente uma adolescente comum. Ainda havia ecos dos abusos que sofreu, mas as terapias estavam ajudando bastante. Todos os sobrenaturais a sua volta eram cuidadosos demais, até.

Criou um apego enorme a Thiago. Ele era o que ela sempre imaginou que uma figura paterna seria, amoroso, brincalhão e muito sério quando o assunto eram suas notas. Ele a cobriu de todos os privilégios que uma garota poderia ou queria ter. A matriculou na escola mais cara de Santa Catarina, contratou os melhores tutores, motoristas e seguranças que a levavam aonde precisava ir, um belo cartão de crédito para gastar com o que quisesse. Sentia-se uma princesa.

No fundo do coração um medo pairava. Ela conhecia o passado e também tinha vislumbres do futuro. Sabia que Diego Del Toro não veio ao mundo a passeio e que devolveria a dor para Santiago em uma proporção muito maior. O viu sofrer e não podia fazer nada que alterasse os vetores que o levariam até ali, qualquer possibilidade no futuro teria o mesmo resultado.

Naquela tarde, após mais uma visão, uma sensação de aprisionamento e taquicardia e pânico a acometeram. As sensações não eram dela, mas sim da outra garota. Foi até o quarto onde Eva estava e se abraçou ao corpo que inerte dormia.

— Eva, eu também tenho medo.

Queria poder conversar com a garota.


Eva Detzel

Eu quero morrer.

Eu quero qualquer coisa menos ficar com você.

Eu quero ir pra qualquer lugar que não seja perto de você.

Como meu pai dizia eu sou uma maldita bruxa.

Eu não queria ter nascido.

Silêncio. O mais absoluto silêncio. Seus olhos só viam o próprio corpo que tanto odiava. Seus sentidos, replicavam a dor da falha tentativa em alcançar a morte.

Não havia esperança e também não havia salvação.


Raul Speltri

Estava realmente surpreso. Nunca pensou na vida que um dia chegaria na casa do filho e estaria tudo organizado e quiçá limpo.

— O que fizeram com os meus filhos? - perguntou ele, após atravessar a porta, com uma caixa de pizza nas mãos.

— Ih pai, nem eu sei. - pegou a caixa de pizza das mãos do coroa. - bem vindo.

— Obrigado.

Raul se sentou na mesa da cozinha do filho que era integrada com a sala e foi servido por Henri com uma taça de vinho. Embora estivesse em frangalhos por conta da situação de Benício, estava feliz por ver Henri bem.

— Fui visitar seu irmão ontem. Ele parecia outra pessoa.

— Também não tô conseguindo acompanhar muito bem essa mudança. - respondeu Henri. - Ele tá muito surtado, pai, e olha que tenho me esforçado, coloquei dois detetives, um hacker e mais uma pá de gente me dando informações sobre o que aconteceu, mas tá tudo muito nebuloso.

— Você percebeu que ele tá olhando muito pro nada?

— Coroa, eu me arrepio até agora - mostrava os pelinhos eriçados para o pai. - mas olha que bizarro, eu tava conversando com ele, ele calado e mesmo assim eu tava ouvindo ele próprio cantando a musiquinha do rei leão.

— Como?

— Parece brincadeira, mas o bagulho foi meio que sinistro, ele tava calado! Quando ele falou que o espírito tava cantando, macho, eu me segurei pra não correr!

— O que mais de estranho ele falou com você?

— Ele me pediu pra ir atrás de uma tal Isadora Moraes e Anita Stier.

— Isadora Moraes... - Raul reconheceu o nome imediatamente. - E o que você conseguiu de informações sobre ela?

Henri contou a Raul absolutamente tudo sobre a conversa que havia tido com Anita, o mostrou o áudio da conversa e Raul o pediu que montasse o organograma da situação hipotética que tinha em mente. Foi com o filho até o escritório, ambos acompanhados de suas respectivas taças.

O filho tirava do lixo as fotos que havia impresso anteriormente e remontava o quadro. Enquanto Henri fixava as fotos, Raul escrevia o que sabia.

— Pai? - Henri olhou surpreso. - O que você sabe sobre isso?

— Isadora Moraes. - Raul apontava a foto. - ela é minha irmã. Por parte de pai, apenas.

— Como? Então ela é deve ser uma coroa... tipo a tia Liz?

— Pelo visto não... - Raul também ponderava. - mas ela e sua tia eram grandes amigas, até Isadora pegar a Elizabeth na cama do coronel.

— Oi? Péra! - Henri virou a taça de vinho de uma vez. - Como eu nunca soube desse caso de família?

Raul se encostou na mesa do escritório com um semblante triste.

— Eu fui o primeiro namorado da sua tia Liz e por causa do que aconteceu entre ela e o Coronel, nunca mais pudemos ficar juntos.

— Mas o quê aconteceu entre ela e o coronel? Ela te trocou pelo velho? A tia Liz TE TRAIU?

— Infelizmente não. - respirou fundo, os olhos marejaram. - Ela foi abusada por ele.

— Puta que pariu... - Henri estava consternado.

— E eu poderia ter evitado que tudo isso acontecesse com ela. - Pegou uma foto de Benício e fixou ao lado da de Elizabeth no quadro. - Olhe pra essa foto, mas não veja seu irmão. Vamos atribuir um nome diferente, Diego Del Toro.

— Diego Del Toro... - repetiu o nome com ar pensativo.

— Absolutamente tudo o que este homem colocasse as mãos virava ouro. - disse apontando para a foto.

— Um Midas, então?

— Algo mais como um mago, bruxo... O velho Moraes tinha um trato ou melhor, um pacto com ele. Esse pacto o tornou rico e influente. Ele abandonou a parte da família que julgava fraca. - pegou a garrafa de vinho e reabasteceu as taças - Eu e minha mãe. - disse engolindo a saliva. - e se casou com uma herdeira. Depois disso nasceu a Isadora. Ela foi a Miss Diamantina, a garota mais bonita da cidade. Sua tia a seguia em todos os lugares.

"As pessoas contavam que Isadora ficou obcecada pelo Diego desde a primeira vez em que ela colocou os olhos nele, e ele, ao contrário do que qualquer homem faria, a ignorou solenemente. E algum tempo depois ele começou a namorar a sua tia Liz."

Henri começava a se entreter com a história.

— Eu suspeito que sua tia seja tão rica hoje em dia por ter sido casada com ele.

— Então a tia já foi casada? E quando vocês dois ficaram amigos novamente, por que se terminaram, deve ter no mínimo ficado sem se falar por um tempo...

— No dia em que ela trouxe o Benício até mim.

— Pai..

— O Beni não é meu filho biológico.

— Ele é filho da tia Liz, então?

— Segundo ela não.

— Então o que a Anita disse faz sentido, Benício é o Diego? Ou reencarnação do Diego?

— Reencarnação, talvez. Não acho que sejam a mesma pessoa. Diego era bem diferente.

— E Santiago Del Toro, realmente se parece com o Thiago? - disse mostrando a foto.

— Sim, em cada ruga - Raul estava com os olhos fixos na imagem.

— E Anita Sti...

— Anita Del Toro. Eles continuam iguais, a diferença está apenas no estilo e na época.

— Então é verdade? Vampiros existem?

— Temo que sim, e se existem, seu irmão está certo.

— Eu não vou conseguir tirar ele lá de dentro nunca desse jeito! - Henri exibia o início de um desespero.

Raul, por sua vez, não estava tão assustado. Vendo que as ligações que Henri tinha feito eram mais ou menos o que pensava ser no passado, sentiu que finalmente estava matando uma charada, mas infelizmente até ali, nunca houveram provas de que os Del Toro fossem realmente vampiros. O problema é que se Isadora também tivesse se tornado uma vampira, ela iria infernizar Benício da forma que não conseguiu fazer com Diego. Precisava conversar com Elizabeth sobre isto. Precisava de saber a verdade sobre o filho e sobre o que aconteceu com Diego.


Thiago Taurus

Thiago tinha passado a noite e boa parte do dia realizando uma cirurgia. Quando pegou o celular, estava preparado para encontrar diversas mensagens de Vivian, mas se deparou com inúmeras chamadas e mensagens de Anita. Pensou em ignorá-la, mas quando passou os olhos na mensagem que dizia "o selo não funcionou no Henri", a preocupação veio à tona.

— O que foi? - disse ele quando Anita atendeu a chamada.

O selo do seu irmãozinho não funciona.

— O que aconteceu?

Não sei como, mas ele me compeliu a falar tudo o que eu sabia sobre a Isa, e eu não consegui parar de falar! Foi assustador!

— E por que cargas d'águas você teve que se encontrar com ele? Não te avisei pra manter distância?

Ele estava me seguindo! - protestou a loira.

Na noite da festa "Gratiluz", após liquidarem com todos os vampiros que perseguiam Henri e Júlia, Anita havia feito Henri adormecer e no dia seguinte, o próprio Thiago já sabendo da péssima hipnóloga que Anita era, fez com que o rapaz esquecesse tudo, inclusive perigosa obsessão pela ex-namorada. Tudo deveria estar certo, porém, minutos depois considerou que Henri também era um Del Toro e que o selo apenas o limitaria, mas não o impediria totalmente de manifestar episódios mágicos. Agora que ele sabia de boa parte da história por conta de Anita, seria apenas uma questão de tempo até ele chegar em toda a verdade, sobre o primo e sobre si.


Alexandre Távros

Para Alejandro, a bruxa Detzel estava ousada demais.

Não imaginava que ela teria a audácia de aparecer na reunião do conselho dos imortais e, ainda mais, que ela faria tamanho estrago.

Há anos negociava a participação dos Iluminados na mesa do conselho e, mais uma vez, por culpa da maldita Detzel, todos os seus esforços foram pelo ralo.

Iria atacá-la onde certamente mais doeria. Não fazia ideia e nem se importava em como Elizabeth trouxe Diego de volta a vida, mas sabia perfeitamente como matá-lo e não precisava de nenhum ser sobrenatural para isto.

Mais rápido do que todos imaginavam ia colocá-lo outra vez sete palmos abaixo do chão. Já havia estudado todo o perfil de Benício, sabia perfeitamente em que presídio estava, quem eram seus colegas de cela, quem eram os presos que cuidavam da cozinha e já tinha corrompido pelo menos quatro agentes que lá trabalham.

Primeiro, faria Benício enlouquecer.

Depois o envolveria nas disputas entre grupos rivais. Um desses grupos o mataria. Tinha até oferecido uma gorda premiação aos que conseguissem matá-lo.

Por um momento lamentou não ter com quem apostar sobre qual dos grupos que dominavam a cadeia o mataria primeiro. Esse era o sabor agridoce de sua vida livre dos Del Toro.

Alejandro ainda tinha um ponto fraco e após Benício, seu próximo passo era eliminá-lo: Santiago.


Benício Speltri

Ele não conseguia comer direito, ele não conseguia dormir direito, o sal que Wallace tinha conseguido não havia servido para nada além de sujar a cela, e Diego continuava lá. Pleno. Altivo. Atento.

Não coma isso. Tem drogas aí. - disse o outro, relaxadamente dando voltas ao redor de Benício. - Eles o querem dopado para te matar mais fácil, embora, na minha opinião, seja muito mais divertido matar alguém sóbrio.

— Você é doente!

Quem avisa amigo é.

— Você não é meu amigo.

Ah... é mesmo, eu sou, como cê chama? Inimigo íntimo? - deu um irônico sorriso de canto. - Cabrón!

Benício estava no meio do pátio, quando um outro detento caiu no chão com sinais de convulsão. Instintivamente correu para socorrê-lo. Deitou o homem de lado, tirou a camisa e a colocou como travesseiro para que ele não se machucasse e aguardou até que a crise passasse. Todos a volta o encaravam de forma estranha.

O salvador dos pobres e desamparados! - bradou Diego aplaudindo ironicamente o feito de Benício. - Nunca se deve fazer o bem de graça.

— Você não é do tipo que faz o bem, Diego, fica quieto. - Benício falou baixinho.

Pouco tempo depois os policiais guiaram o doente até a enfermaria, para que fosse tratado. Benício observou eles sumirem do seu campo de visão. Logo após, um grupo de presidiários se aproximou dele.

— Aqui temos uma regra, ninguém salva ou ajuda a quem nós condenamos. - disse um homem robusto, ficando frente a ele. - Hoje, você irá tomar o lugar dele.

O homem foi ovacionado.

Naquela noite, os agentes penitenciários o guiaram para uma cela nova. Benício tinha ouvido mais cedo sobre o que supostamente fariam com ele e o medo estava estampado na sua face. Provavelmente seria torturado da pior forma possível. 

Enquanto era escoltado, Diego ia na frente, andando despreocupado, olhando para trás vez ou outra, com uma cara de "eu te avisei".

Os olhos fundos e vermelhos de Benício pareciam já ter desistido da vida quando entrou na sua nova cela. Eram uns quinze homens a sua volta, em um espaço minúsculo e todos ávidos por sua morte. 

É uma vergonha que o velho Raul Speltri tenha gasto uma pequena fortuna nas suas aulas de muay thai, Krav Magá e Jiu-Jitsu se você nem mesmo consegue se mover de tanto medo. - Disse Diego, no fundo da cela, de braços cruzados. - um pobre animalzinho indefeso. - balançava a cabeça em negação.

— Eu não sei o que fazer. - Balbuciou Benício com os olhos alternando entre as ameaças que estavam à seu redor.

Quer que eu te mostre o que fazer?

Benício fechou os olhos. O pesadelo se tornava real. 

Controle sua respiração. Encontre sua paz. Dedique a mesma misericórdia com a qual eles lhes oferecem e tudo ficará bem.

De repente, um campo de batalha medieval lhe vinha à mente. Não podia escapar daquele inferno. Antes que eles o tornassem a presa, ele seria o predador.

Diego não via Benício.

Diego via o mais perfeito reflexo de si mesmo.

O presídio parecia estar em festa como se fosse uma final de copa do mundo. Poucos se compadeciam com o que poderia acontecer a Benício e um deles era Wallace, que no canto de sua cela, fazia uma prece silenciosa.

Algum tempo depois, todos sentiram a energia mudar. O cheiro ocre de sangue parecia alcançar todas as celas do presídio, e aos poucos todos se calaram. Ironicamente, rompendo o silêncio, ouviam o perfeito assobiar de "Wind of Change" vindo de longe.

Na manhã seguinte, quando os carcereiros foram abrir a cela, se depararam com uma cena grotesca e uma cabeça que rolava até seus pés. As paredes pintadas de sangue, uma pilha de corpos humanos, degolados e sobre ela, sentado como um rei, fumando seu cigarro tranquilamente, Benício Speltri.

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