Já havia ouvido histórias em que os homens batiam em suas mulheres, e por muito tempo senti muito medo disso. Mas, meu pai era um bom homem, ele não faria isso com minha mãe. Suas brigas resumiam-se apenas em gritos e xingos. Eles ficavam com raiva um do outro e começavam a gritar feito loucos.
Quando isso acontecia, eu preferia ficar quietinha no meu canto ou ia até o quarto de Neji ver o que ele estava fazendo. Geralmente, ele colocava fones de ouvido e fingia que não tinha nada acontecendo, então passei a fazer o mesmo. Até que Hanabi nasceu e eu decidi que precisava defender ela da forma que eu não havia sido defendida.
Não estava nos meus direitos reclamar das coisas, então eu tentava ao máximo ser uma boa filha e não reclamar das coisas que me incomodavam. Afinal, de acordo com meus pais, minha vida era boa e fácil demais.
No entanto, é meio complicado não se abalar quando você escuta sua mãe dizer que a sua vida é um inferno e que ela não é feliz ao lado do marido. Quando ela diz que se casar com ele foi a pior decisão que já havia tomado na vida. Mas, estava tudo bem, aprendi a ouvir suas lamúrias diárias e não me abalar, até porque depois que seu ódio passava e ela terminava de dizer o quanto sua vida era péssima, ela sempre dizia que nós três - Neji, Hanabi e eu - éramos os amores da vida dela, a única coisa capaz de fazê-la feliz. E então, ficava tudo bem, não importa suas palavras anteriores, não importa se ela havia dito que éramos um peso na sua vida, não importa se ela nos fez pensar que tudo seria melhor se não existissimos.
E foi assim que eu aprendi a ser forte, ouvia aquelas palavras e não deixava que elas me abalassem, porque embora fossem verdadeiras, eram ditas com raiva, muita raiva.
Mas, hoje é diferente. Então, não me importo de estar chorando. As lágrimas descem desenfreadas por meu rosto e as limpo em seguida, balançando a cabeça para os lados, dissipando todas as idéias ruins.
Hoje é meu aniversário, e eu só queria que eles pudesse agir como uma família normal, unida em todos os aspectos e felizes com a presença um do outro. Mas, o nosso normal é um pouco diferente, e acho que eles nem perceberam quando começaram a discutir no meio do "parabéns". Hanabi começou a chorar assustada com os gritos e Neji apenas bufou, murmurando algo sobre eles serem impossíveis.
E eu... Bem, eu deveria estar me sentindo a rainha do universo. É meu aniversário, estou fazendo vinte e um anos, mamãe fez um bolo incrível, Neji comprou um kit de tintas pra mim e Hanabi me mimou o dia inteiro, prometendo que quando ela fosse mais velha e começasse a trabalhar me encheria de presentes. Mas, em vez disso, estou deitada na cama, me sentindo solitária e triste, as vezes limpo algumas lágrimas que descem e o processo vai se repetindo.
Hanabi está dormindo no quarto ao lado e Neji foi embora faz alguns minutos. Não sei o que meus pais estão fazendo e nem faço questão de saber, não quero ter que olhar pra eles agora, sabendo que nem um aniversário normal eu pude ter. Tenho certeza que no fim da noite um deles vai vir até meu quarto e pedir desculpas.
Mas, ta tudo bem.
Apenas respire fundo, Hinata.
Mais uma vez.
Mais uma vez.
Me levanto da cama, decidindo deixar toda essa angústia de lado.
Porra! É meu aniversário, eu não deveria estar me sentindo assim.
Deixei o presente que Neji me deu em cima da escrivaninha, o pego e abro.
Não é difícil brincar com as tintas e as cores, em certo ponto elas parecem fazer parte de mim e cada pincelada que dou no quadro é como se estivesse descarregando um pouco do mal estar. As cores vibram contra o branco do quadro, sem padrões ou formas específicas, apenas um borrão de cor, representando tudo e nada ao mesmo tempo.
Guardo os pincéis limpos no bolso e coloco os sujos em um potinho com água. Pego o celular e tiro uma foto, essa vai pro instagram.
Já apaguei todos os stories que falavam sobre meu aniversário, vou fingir que foi apenas um surto e eu errei a data. Posto a foto e coloco uma legenda tão triste quanto estou me sentindo agora.
Não gosto muito de demonstrar quando estou triste, porque quando a tristeza passa, sinto vergonha dos meus surtos. Mas, dizem que negativo com negativo dá positivo, então sim, eu sou o tipo de pessoa que escuta músicas tristes ou vê posts depressivos pra se sentir melhor.
E sendo sincera, estou torcendo pra que alguém fale algo para que eu me sinta melhor, odeio a ideia de estar triste logo hoje. Eu só não quero me sentir assim... Tão pra baixo, tão pequena e frágil.
Respiro fundo e me deito na cama, sem nem ao menos me importar com o meu casaco sujo. Coloco o celular sobre o peito e fecho os olhos, sentindo mais lágrimas escorrerem.
- Que saco! - murmuro pra mim mesma, passando os dedos nos olhos.
Então, sinto o celular vibrar e o pego, vendo que tem uma mensagem no instagram.
Uma mensagem de uma pessoa que eu passei dias evitando.
Naruto:
Dia ruim? :(
Eu:
Terrível.
Naruto:
Estou cansado dos dias ruins
Eu:
Também estou.
Naruto:
Tem algo que eu possa
fazer por vc?
Eu:
Acho que não.
Naruto:
Como foi seu aniversário?
Aconteceu algo?
Quer falar sobre?
Eu:
Não.
Naruto:
Okay
Comprei algo pra vc,
mas estou com vergonha
de te dar.
Eu:
Pra mim?
O que é?
Naruto:
Segredo :)
Só verá pessoalmente
Eu:
Vc quer me ver?
Naruto:
Quero, mas não hoje.
Curta seu aniversário :)
Eu:
Meu aniversário está
sendo uma droga.
Naruto:
Porque?
Eu:
Vc quer me ver?
Naruto:
Te encontro aonde?
Fecho os olhos outra vez, pensando em como estou prestes a sair de casa no dia do meu aniversário, apenas para encontrar um garoto que me esbarrei algumas poucas vezes. Um garoto que não tenho nada em comum e talvez devesse me manter longe, mas ainda sim, o garoto que pode me fazer esquecer esse dia por ao menos uns cinco minutos. O garoto que eu andava evitando quando aparecia na lanchonete e perguntava por mim, o garoto que eu evitava quando me oferecia carona, o garoto que evitava quando mandava mensagens.
Eu devo ser bem ridícula mesmo.
Mas, acho que qualquer sorriso me faria feliz agora, em especial pensar em Naruto me faz ansiar ver seu sorriso.
Me olho no espelho. Minha cara não é das melhores. Mas, me contento com isso, minha auto estima não é de outro mundo, mas as vezes, preciso dizer que estou bonita ou para me achar bonita ou para que as pessoas me achem bonita.
Meus olhos estão vermelhos.
Espero que Naruto ache que é maconha.
Hanabi continua dormindo, seus pequenos olhinhos estão até um pouco inchados, deixo um beijo em sua testa e saio de casa, sem nem ao menos me despedir dos meus pais.
Não me importo em ser rebelde ao menos uma vez na vida.
Estou bem agasalhada do lado de fora da minha casa, a neve está caindo e está frio pra caramba. A última coisa que eu desejaria hoje, é morrer congelada, então aperto o casaco em volta do meu corpo, garantindo que o cachecol esteja me protegendo.
Naruto não demora a chegar, seu carro chama a atenção e ele vai abrindo o vidro devagar, revelando seu cabelo loiro, seus olhos incrivelmente azuis e o rosto avermelhado pelo frio, coberto com um cachecol.
- Oi! - Naruto diz, acenando pra mim.
Me aproximo de seu carro, debruçando-me sobre a janela.
- Só pra saber, se tentar me sequestrar eu ando armada.
Meu tom é nitidamente de brincadeira, mas mesmo assim Naruto engole em seco.
- Estou brincando bobinho! - digo e dou a volta no carro, sentando-me no banco do carona.
Primeira e única vez que entrarei em um carro tão bonito assim.
- Como você está? - Naruto pergunta dando partida.
Seguro a ponta do meu casaco, brincando com os botões, evitando seu olhar ou qualquer coisa que me deixe sem jeito.
- Não quero falar sobre isso. - respondo - Quero que você faça meu dia valer a pena.
- Gosta de café? - Naruto sorri.
- Acho que você já sabe a resposta pra isso.
Naruto comprime os lábios, escondendo um de seus sorrisos.
E admito tudo o que mais queria agora é ve-lo sorrir, porque seus sorrisos parecem sempre verdadeiros.
- Tive que planejar de última hora e falando nisso, temos menos de quatro - Ele diz, conferindo o horário rapidamente no seu relógio de pulso, depois volta o foco para a estrada.
E caramba! Ele dirige feito uma lesma!
- Estive pensando em algumas coisas legais, mas não sei o que você gosta de fazer, então pensei que seria legal deixar você escolher. Sou todo seu, me use e abuse.
Comprimo os lábios, rindo um pouquinho.
- Acho que vou pensar melhor, se tiver tomado uma boa xícara de café.
Naruto assente e volta seu foco totalmente na estrada, talvez essa velocidade absurdamente baixa seja medo de escorregar no gelo e não julgo Naruto por ser precavido.
Já é noite e as luzes das lojas estão acesas, revelando suas decorações natalinas e as pessoas parecem felizes em apenas parar para admira-las. Paramos em frente a cafeteria em que nos encontramos há um tempo atrás, Naruto sai do carro primeiro e eu vou logo atrás.
- O que você comprou pra mim? - pergunto curiosa.
Naruto comprimi os lábios e anda a minha frente um pouco apressado. Ele abre a porta e entramos.
- Aqui dentro está tão quentinho! - Naruto murmura, esfregando seus próprios braços. - Não sei como há pessoas que gostam do frio.
- Você mudou de assunto... - resmungo, passando por ele para escolher nossa mesa.
Naruto me segue e se senta.
- Não fiz isso em momento algum. - mentiroso! - Só deixe de ser curiosa, Hinata.
Abro a boca um pouco incrédula. Não é justo ele me deixar curiosa e depois ser tão mal. Que vontade de dar um soco nele!
- Então... - Naruto desvia o olhar do meu e abre o cardápio - Me conta alguma coisa sobre você. O que você quer fazer hoje? O que sente vontade de fazer ?
Também abro o cardápio, sendo que já sei o que vou pedir. Mas, mesmo assim o faço, porque preciso de algo para ocupar as mãos.
- Hmm - murmuro, pensando um pouco - Ainda não estou preparada pra isso. Preciso de café. Café é meu combustível.
Uma garçonete vem até nossa mesa e fazemos o nosso pedido. Naruto cochicha algo no ouvido da garota e ela assente. Eu sei o que ele pediu, não é difícil adivinhar. Nossos pedidos chegam e pego minha xícara, levando-a aos lábios, enquanto sinto o cheiro delicioso do café e o vapor quentinho.
- Isso é tão bom!
Naruto faz o mesmo, concordando comigo.
- Então, Naruto... - começo a dizer, circundando a borda da xícara com o dedo - Eu não faço ideia do que fazer.
- Sério isso?! - Naruto sorri, parecendo estar confuso e animado ao mesmo tempo - Quando eu era criança e meu aniversário chegava, eu tinha mil idéias do que queria fazer, até hoje sou assim. Esse ano pedi ao Sasuke pra me levar a um daqueles restaurante nas nuvens. Mas, ele não me levou. Disse que iria parecer que éramos namorados ou coisa do tipo. Então, pedimos pizza e viramos a noite jogando video-game.
- O que você tem com esse garoto? - pergunto. - Olha, eu não quero atrapalhar em nada!
Naruto comprimi os lábios, segurando uma risada, então joga a cabeça para trás.
- Ele é meu irmão, Hina!
- Hm. Sério?! Vocês não se parecem muito.
- É, eu sei. - ele concorda, imitando meu movimento de pouco tempo atrás, deslizando seu dedo na borda da xícara
Ficamos um pouco em silêncio, desfrutando apenas do café e da compainha um do outro. Relaxo na cadeira e me viro para Naruto.
- Me conta algo sobre você.
Ele parece ficar feliz com a brincadeira, joga os cabelos para trás e apoia o queixo sobre as mãos em cima da mesa.
- Sou um ótimo cozinheiro.
- Imaginei. - digo, revirando os olhos.
- Ei! Minha mãe ser cozinheira não quer dizer que eu vá seguir seu caminho e gostar de cozinha.
- Tem razão. - concordo - Mas, você gosta e no futuro ainda vai assumir o lugar do seu pai na empresa. Você é como o reflexo deles, uma mistura perfeita de ambos.
- Em vários sentidos. - ele murmura, bebendo mais um pouco do café - Em questão de aparência sou igualzinho ao meu pai, mas minha personalidade é como a da minha mãe. Ao mesmo tempo que sou carinhoso e pacífico, sou explosivo e agitado.
- Como são seus pais? - pergunto.
Naruto balança a cabeça para os lados.
- Você está quebrando as regras. Cada hora um pergunta e agora é minha vez. O que você quer fazer hoje, Hinata?
Me desencosto da cadeira e penso um pouco antes de responder.
- Posso pedir qualquer coisa?
- Não ultrapassando os limites, acho que tudo bem. Estou disposto a melhorar um pouco o seu dia.
Naruto é fofo.
- Vamos patinar. Você já patinou alguma vez?
Os ombros de Naruto estremecem e ele se encolhe um pouco no lugar, levando a xícara até os lábios. Provavelmente não gostou da ideia.
- Gelo?! Você tem noção de quantos graus está fazendo lá fora?!
- Poxa! Você disse que me deixaria escolher!
- Ta. Tudo bem.
Naruto é facilmente manipulável.
- Mas, vamos terminar o café primeiro. Preciso preparar meu psicológico pra isso.
(...)
O parque está cheio de pessoas patinando no lago ou sentadas em banquinhos. A neve deixa tudo mais bonito, embora Naruto não concorde comigo.
Ele tem alguma obsessão estranha por odiar neve.
De toda forma, ele continua caminhando ao meu lado em direção a pista de gelo. Não temos patins, mas no momento nada disso importa muito. Naruto continua me seguindo e quando chegamos a pista, seus dedos envolvem meu pulso.
- Certo. - ele murmura. - Acho que eu não sei fazer isso.
A pele de Naruto está pálida e ele parece estar morrendo de medo.
Tiro sua mão do meu pulso e entrelaço nossos dedos. O toque parece acalmar Naruto, sua mão está quentinha e seus dedos são maiores que os meus, mas ainda sim são suaves e macios.
- É claro que consegue! - digo, puxando-o para o gelo.
Nos desequilibramos, mas continuamos de pé. Naruto sorri, feliz pelo nosso desempenho.
- Viu só? Não é difícil.
Começamos a nos mexer sob o gelo, deslizando para os lados. Naruto aperta meus dedos mais forte e me segue, sem nunca desviar o olhar do meu.
- Você é boa nisso. - ele diz.
- Eu sei.
- E convencida.
- Também sei disso. - rio.
Naruto se solta da minha mão, arriscando a fazer seus próprios movimentos. Também faço os meus, girando no gelo e deslizando para os lados, as vezes perco o equilíbrio, mas logo me recomponho. Quando olho novamente para Naruto, ele está lutando para manter o equilíbrio enquanto vai em direção ao pequeno murinho de tijolos, mas sem muito sucesso. Ele cai de bunda no chão e pelo barulho que fez, imagino que deva ter doído.
- Você é péssimo nisso! - digo me aproximando, ajudando-o a se levantar.
- Eu sei. - ele responde, escondendo um sorriso. Mas, logo este desaparece e Naruto se levanta com minha ajuda - Não gosto muito de gelo, neve e essas coisas, e elas também parecem não gostar muito de mim.
- Você está bravo? - pergunto indo me sentar ao seu lado.
Naruto bagunça os cabelos.
- Por que eu estaria bravo?
- Porque você levou um tombo horrível. - seu sorriso volta ao rosto, desta vez como se tivesse gostado da minha provocação.
Ele nega, balançando a cabeça para os lados.
- Precisa mais do que isso pra me tirar do sério.
- Tipo o que?
- Tipo me obrigar a fazer exercício. Eu sou meio sedentário, sabe.
- Não parece. - murmuro.
- Sua vez. - Naruto diz - Curiosidade sobre você.
- Odeio cozinhar. - minha resposta vem rápida.
- Tsc! - Naruto finge aborrecimento, virando a cabeça para o lado e bufando - Não quero mais você, somos incompatíveis.
Seu tom é tão brincalhão que me faz rir.
- Eu até sei cozinhar, mas só o básico mesmo.
- Você precisa provar a comida da minha mãe. - ele diz - Vai querer aprender todas as receitas.
Ficamos olhando um para o outro em silêncio, talvez porque o assunto tenha acabado. O parque continua movimentado e não é problema para nós ter um minuto de paz.
- O que mais quer fazer? - Naruto pergunta.
Não preciso pensar muito pra responder.
- Quero comer o bolo que você comprou.
Naruto faz careta e balança o rosto para os lados.
- Estragou a surpresa! Como você sabia?
- Eu já disse... Você é fácil de ler.
Naruto mexe na sacola com as coisas que trouxe e eu o olho ansiosa, além de estar curiosa com o suposto presente que ele me comprou, quero saber de que sabor é o bolo.
- Quer que eu cante parabéns pra você? - ele pergunta sorrindo.
Comprimo os lábios, balançando a cabeça para os lados. Naruto me estende o embrulho, mas segura minhas mãos, impedindo-me de abrir.
- Então me diz qual é sua música favorita, vou cantar pra você.
Rio um pouco, negando com a cabeça.
- Nunca!