Terra Proibida - Essência

By EvaSans86

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Em um entrelaçar de passado e presente, mergulhe em uma trama que desafia os limites da razão e da sanidade... More

Nota da Autora
[Agora] A queda
[45 anos atrás] A proposta
Cap. 1 - Sentimentos Ocultos
Cap. 2 - Tormenta
Cap. 3 - Ecos do Passado
Cap.4 - A medalha
Cap. 5 - Revelação
Cap.6 - O nada
Cap. 7 - Oráculo
Cap. 8 - Isadora Moraes
Cap. 9 - Elizabeth Detzel
Cap. 10 - Segredos ao pôr do sol
Cap. 11 - Sangue quente
[45 anos atrás] A casca
[Agora] O Salto
Cap. 12 - Despertar
Cap. 13 - O Animal que me tornei
Cap. 14 - Presente de grego
Cap. 15 - Feito de lágrimas e cinzas
[45 anos atrás] Ninguém se lembrou
[45 anos atrás] Inferno
[45 anos atrás] Quando todos os homens falharam
[45 anos atrás] Mais que morrer
[45 anos atrás] Seus pensamentos
[45 anos atrás] Miserável
[45 anos atrás] Esse tipo de amor...
Cap. 16 - Versões de uma mulher
Cap. 17 - A casa
Cap. 18 - Terceira morte
Cap. 19 - Primeira vida
Cap. 20 - Alguém tem que morrer
Cap. 21 - Sete Palmos
Cap. 22 - O Centro do Universo
Cap. 23 - Essência

[45 anos atrás] A Alma à venda

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By EvaSans86


A chegada dos Del Toro em Diamantina em meados da década de setenta foi um evento extraordinário. Os irmãos traziam consigo uma avalanche de modernidade e progresso para toda a região.

Foram motivo de manchetes nos principais jornais da cidade, não só pela empresa que se fundia aos negócios do prefeito, o coronel Moraes, mas também, pela boa aparência que o trio possuía e, claro, suas especulações amorosas.

A beleza de Santiago era irresistível a, pelo menos, metade das moças da cidade. Já a outra metade se encantava por Alejandro, com sua voz e charme inigualáveis.

Diego por sua vez preferia manter-se anônimo. Tudo o que as pessoas sabiam, é que ele era o homem por trás dos negócios, porém poucos eram os privilegiados em vê-lo. Geralmente essas pessoas eram membros da alta sociedade e o que se falava sobre ele, sem dúvidas criavam diversas histórias no imaginário coletivo. Algumas eram absurdamente tão verdadeiras que pareciam mentira e outras, tão fantásticas que de tanto serem repetidas pelas pessoas tornavam-se verdade.

— Dizem que se vender a sua arlma pros Del Toro, ocê fica podi de rico. - comentou um senhor dentro do Tiborna, famoso bar da cidade, enquanto era servido de uma cerveja em um tradicional copo americano.

— Uai? acha mesmo que os homi qué comprar alma penada que nem a nossa? - dizia um dos garçons rindo.

— Mais provável eles dá ocês pros cachorro cumê. - dizia outro homem enquanto virava uma cachaça de alambique.

Raul Speltri limpava uma das mesas do bar sem dar importância ao assunto dos homens que conversavam. No alto de seus dezenove anos, tudo o que ele queria era juntar dinheiro o suficiente para conseguir ir embora para a capital quando se formasse e se casar com a garota que amava, Elizabeth Detzel. Seus dias eram cansativos, mas antes que o galo cantasse estava de pé. Intercalava seu trabalho na feira carregando carga com os estudos da faculdade de engenharia, e também, com seus turnos no bar.

Era um dos poucos que não tinha se deslumbrado com os forasteiros. Qualquer um que tivesse ligação com o ignóbil Coronel Moraes, não era digno de seu respeito.

Corria na cidade o boato de que Raul era o filho bastardo do Coronel. 

Quando criança ele sonhava em conhecer o pai, sonho que foi completamente destruído quando foi humilhado em praça pública pelo homem mais poderoso da cidade, enquanto ele, era apenas um pobre engraxate tentando garantir o próprio sustento. Não tinha feito nada para merecer tal tratamento.

Os mais velhos diziam que quando o coronel era jovem e pobre, morria de amores por sua mãe, mas quando ela engravidou, ele a enxotou tal qual um cão sarnento, e que quando ele começou a ganhar dinheiro de verdade, se casou com uma moça de família, que era herdeira de um dos grandes fazendeiros da região e deixou mãe e filho na mais absoluta miséria e vergonha.

Uma das ambições que Raul tinha na vida era se tornar doutor. Queria provar a todos que seria tão ou mais poderoso que o mesquinho coronel. Mas por onde começar? E como?

Em uma noite chuvosa, enquanto ponderava debaixo de uma marquise, sobre como se molhar menos ao voltar para casa, que ficava no entorno da cidade em um dos bairros pobres, um luxuoso Cadillac Deville 75 preto parou ao seu lado. No volante, embora nunca o tivesse visto pessoalmente, sabia exatamente quem era, Diego Del Toro.

— Entre rapaz. Te darei uma carona.

— Agradecido, mas não precisa não senhor. - lembrou das conversas que ouvira mais cedo no bar e virar comida de cachorro estava fora de cogitação. - Muito obrigado miesmo, a chuva logo vai passar.

Diego sorriu contrariado. Acenou brevemente e sumiu pelas ruas enquanto a chuva despencava indecorosa.

Raul temia oportunidades de ouro como essas. Segundo sua mãe, foi exatamente assim que seu pai vendeu a alma.

Diego Del Toro

Reza a lenda de que quando Diego Del Toro veio ao mundo, seus olhos estavam bem abertos, e quando seu pai o pegou no colo, se assustou tanto com o que viu que deixou o recém nascido cair no chão. Diziam também, que foi nesse mesmo instante que a escuridão da noite o abraçou tornando seus olhos pretos como o mais profundo dos abismos. E que mesmo com toda a dor infligida ao seu frágil corpo, não emitiu som ou lágrima sequer.

Ele era o que todos acreditavam ser desprovido de sentimentos, ou pelo menos, como seus irmãos acreditavam, de bons sentimentos.

De fato, ele não era do tipo que se importava com o que os outros pensavam ao seu respeito, seu semblante sempre estava fechado na mais pura expressão do tédio. Poucas coisas o entretinham, dentre essas poucas, estavam suas apostas com Santiago.

Naquele noite, durante uma partida de xadrez, confortavelmente sentados no chão da grande sala, o silêncio era rompido pelo forte timbre de Tim Maia que ecoava pelos auto-falantes da vitrola. 

Entre uma jogada e outra, os dois conversavam sobre a alma do filho que o Coronel Moraes havia vendido a Diego.

— Continuo entediado. - disse Diego, após um suspiro, enquanto movia um peão preto no tabuleiro.

— Eu também. - concordou Santiago, enquanto apoiava a cabeça no braço.

— Faz tempo que não apostamos, então que tal uma aposta?

— Que tipo de aposta?

— Quero testar mais uma vez se o sangue é mais espesso que a água. - tomou um gole de whisky - Será que o filho do Coronel faria a mesma escolha feita pelo pai há vinte anos atrás?

— Acho que não. Ele parece ser muito mais sensato.

— Nem se eu o tentar um pouquinho?

— E se ele não vender? - disse Santiago movendo um dos cavalos brancos do jogo atacando o bispo de Diego - Mas afinal, por quê você o quer?

— Dessa vez, um mero capricho.

— Diego! - Santiago ria incrédulo - você já tem a filha, agora quer o filho também?

— Adoro brincar de deus e diabo! Eu tento de um lado e você puxa para o outro, o que acha? Se ele vender a alma, você me concederá a sua energia vital por um ano, quero fazer um experimento novo.

— Eu sabia! Você não dá ponto sem nó! - Ponderou um pouco. - Se o garoto não vender a alma, tudo o que é de propriedade do Coronel Moraes, assim como as almas dele e da filha serão meus.

— Trato feito. Estou ansioso para me divertir com o Raul Speltri... Check Mate!

Isadora Moares

Isadora dirigia pela estrada que ligava Belo Horizonte a Diamantina animada enquanto deixava com que a mão esquerda quebrasse o vento em ondas, no rádio, tocava a música Ovelha Negra de Rita Lee no último volume. Estava feliz por voltar a Diamantina depois de um ano sem pisar na cidade. Morria de saudades da melhor amiga e das matinês que costumavam ir juntas. Estava ansiosa para dividir com Elizabeth tudo o que era moda na capital. A amiga era mais nova, um pouco avoada, mas sempre sorria, aceitava e concordava com suas loucuras.

Ao chegar na cidade, ficou surpresa com as novidades, não sabia que o pai, o grande Coronel Moraes possuía sócios, que uma nova família importante agora morava na cidade e muito menos que sua melhor amiga, agora namorava o garoto pobrinho que as pessoas diziam ser seu irmão.

— Liz, me conta, o que você viu nele? - perguntava a amiga após o reencontro, ambas sentadas na cama de seu quarto na sede da fazenda, uma de frente a outra, de mãos dadas. - tantos homens importantes e ricos na cidade e você foi namorar logo o filho da doida?

— Não fala assim Isa! Ele é um pão e também, uma pessoa maravilhosa.

— Só se for pão seco! - Pausou um pouco, para metralhar amiga com perguntas. - até onde você já foi com ele? Já beijou? Transou? Você já apresentou ele pra sua família? O que eles acharam? Certeza que reprovaram também...

— Calma Isa, respira! - Disse Elizabeth rindo. - Nós nos beijamos... só.

— Mas beijaram como? Eu quero detalhes!

Isa fingia entusiasmo ao ouvir Elizabeth contar sobre seu namoro com Raul. Na verdade, nada era tão interessante quanto ela mesma. Decidiu que merecia uma festa de boas vindas, mesmo tendo passado apenas um ano fora de Diamantina, afinal ela era a mais bonita, a mais inteligente, a mais antenada e a única filha do homem mais rico da região. Queria também conhecer os forasteiros sobre os quais Liz havia contado. Aparentemente, eram figuras interessantes.

— Vou dar uma festa!

— Uma festa? Assim do nada?

— Como assim do nada? Eu, a Miss Diamantina, mereço uma festa de boas vindas! Não?

A organização da festa ficou por conta de Elizabeth e os funcionários da fazenda. Isadora era ótima em ter ideias, mas não em executá-las. Liz a acompanhava com um caderninho anotando tudo que a amiga queria e o que precisava ser feito para repassar as ordens. Essa era a sua função na amizade, ouvir, apoiar, ajudar e obedecer Isadora. Elas não viam problema nisso, então seguiam em harmonia.

A festa ficou perfeita.

No estacionamento da sede da fazenda, os carros mais cobiçados da época faziam fila, e jovens animados se juntavam em seus grupos na mais pura euforia. Isadora usava um vestido vermelho com poá que marcava bem sua cintura, um delineado gatinho perfeito e um batom, também vermelho, enquanto suas longas madeixas cor de chocolate compunham a moldura perfeita para seu rosto. Estava linda e também ansiosa. Uma banda foi trazida da capital especialmente para seu evento, eles tocavam o melhor da música brasileira que despontava nas rádios. Aos poucos, os convidados iam preenchendo o ambiente, inundando Isa de felicitações e abraços. "Uma pena a Liz não poder vir... azar o dela" pensou Isa por um breve momento, até ver o trio cruzar a porta de entrada.

Por Deus, eles são realmente lindos!

Correu para cumprimentá-los.

Alejandro a cumprimentou com um galanteador beijo na mão.

Santiago a cumprimentou com um caloroso sorriso, e claro, um delicado beijo em sua mão.

Já Diego, acenou rapidamente com a cabeça sem sequer olhar a perfeição que ela era e a deixou para conversar com uma pessoa aleatória no outro canto do salão. Aquilo, sem dúvidas, feriu seu ego ao ponto de deixá-la de mau humor no momento que era pra ser um dos mais felizes de sua vida, mas ia ter volta. Ela ia devolver o sentimento. Ninguém a ignorava e saia impune.

Durante a noite inteira, seus olhos perseguiram Diego. Observou ele conversar com várias pessoas e em momento algum os olhos dele cruzaram com seus. Ela já estava ficando visivelmente bêbada, quando o viu sair da casa. Não hesitou em segui-lo, afinal, quem ele pensava que era?

Diego Del Toro

No céu, a lua cheia bruxuleava por entre as nuvens enquanto o aroma da dama da noite perfumava o casarão. Na varanda, um pouco distante da multidão, Diego acendia seu cigarro encostado em uma das colunas. Seus olhos, agora dourados, estavam focados em algo longínquo. Um sorriso soturno formou-se em seus lábios. Deu um trago e soprou a densa fumaça vagarosamente para o alto. Uma gata calica, magra e com dificuldades de locomoção se aproximava.

— Está tão velha que o máximo que consegue se transformar é em um gato esfarrapado, Aimée Detzel? - Disse Diego ácido. - Uma serpente teria combinado mais, já que você adora trocar de casca.

A velha gata saltou até uma mureta próxima de Diego, o encarando com reluzentes olhos brancos, se desfazendo no ar como um enxame de vagalumes, transformando-se então na adorável figura de uma velhinha de cabelos brancos.

— Ah Diego. Tu ainda te atreves a me importunar? Posso estar velha, mas consigo muito bem dividir a sua imagem perfeita em duas, para não dizer, pequenos pedaços como fiz da última vez.

— Velha Detzel... - brincou com a fumaça. - No seu estado atual? Duvido que me cause um simples arranhão. Está tão velha que só se recorda dos dias de glória. - disse meio que praguejando baixinho. - Mas... vamos aos negócios, me dê o que quero e nunca mais verá um Del Toro na sua frente.

— Diego, Diego... O que tu queres, jamais terás.

— Será? Conheço pelo menos sete reinos que me pagariam fortunas inimagináveis por sua cabeça e localização das colônias.

— É mesmo? Conte-me uma novidade. Mas ainda assim não terás o que quer. - disse ela, austera.

— Que pena. - Os olhos de Aimée e Diego cintilavam na mais pura expressão de repulsa. - Por que costumo conquistar o que quero, por bem ou por mal.

O ódio mútuo durava desde o dia em que se conheceram a mais de um milênio. Na mente de Diego, enquanto encarava a figura envelhecida a sua frente, vinha uma avalanche de memórias tão dolorosas que faziam com que seu autocontrole também fosse uma forma de tortura. Se odiavam com razões distintas, mas nem por isso menos verídicas.

Diego olhou de soslaio para trás. Ele sabia que estava sendo observado à distância pela filha do coronel, Aimée também a notou.

— Diego, tu podes comprar as almas da cidade e do mundo inteiro, que mesmo assim não mudarei de ideia.

— Acho que você deveria mudar, viu? O mundo está evoluindo Aimée e você ainda tá presa na era do gelo. De que adianta ser imortal se você não é capaz de se atualizar?

— Eu não me importo com a superfície Diego. Já vi civilizações nascerem e morrerem umas quatro vezes no mínimo.

— Jura? Não sou tão velho mas, tenho certeza que nunca vi uma Detzel tão inofensiva. - desdenhou ele.

— Diego... posso falar um pouquinho com você? - Interrompeu Isadora. - Oi vovó Aimée! - disse a garota saudando a velha, enquanto puxava o braço de Diego tentando lhe chamar a atenção.

Aimée encarou Isadora com um ar de poucos amigos. Diego se virou para a moça como se lidasse com um ser inferior, se soltando dela, e em um tom intimidador disse:

— O que você deseja, Isadora Moraes?

— Você chegou e mal conversou comigo, então eu vim atrás de você. - Isadora era expert em se fazer de doida. O não ela já sabia que tinha, agora ela iria atrás da humilhação. - sou a filha do coronel Moraes.

— E eu com isso?

— Minha casa, minha festa...

— Ninguém nunca te ensinou que é rude interromper o assunto dos mais velhos? - Diego desviou o olhar de Isadora, deu um longo trago em seu cigarro, jogou a fumaça para cima e continuou - E será mesmo que essa casa é sua?

— Diego... - ela tentou continuar.

— Senhora Detzel, com sua licença - disse Diego à velha, ignorando Isadora - tenho coisas importantes a fazer, conversamos depois.

Se tinha uma coisa que Diego odiava era interações sociais. Não saia de sua casa a não ser que fosse para fazer alguma conexão ou trabalho importante. Estava ali para encontrar apenas uma pessoa e essa pessoa era Aimée Detzel. Isadora que esperasse a sua devida hora.

Por um segundo imaginou como seria interessante a anfitriã da festa ser encontrada morta no dia seguinte e por um triz não cedeu à tentação de matá-la ali mesmo. Sabia que Aimée também desejava fulminar a garota, mas estavam em uma guerra fria, então tentaria manter a civilidade por enquanto. Se Diego e Aimée tinham uma coisa em comum, era a falta de paciência com os mortais, a diferença é que ela fingia ser boa, já ele, não.

Deixou as duas mulheres na varanda, e dirigiu-se ao seu luxuoso Cadillac Deville. Já estava de saco cheio, porém, tinha certeza que o seu propósito de ter ido até ali foi cumprido. Induziu, de forma subliminar, Aimée a trocar de casca antes do tempo, certo que ela aproveitaria o próximo eclipse lunar para isso, agora era esperar alguns dias.

Diego sabia que enquanto estivesse por perto, Aimée não teria paz. Não até que se tornasse mais forte que ele, e já que tomar as terras das Detzels de uma forma sutil pelo coronel não tinha dado certo, faria o trabalho ele mesmo. Quem quer faz, quem não quer manda.

A oportunidade era a troca de casca da velha Detzel. Por um breve período ela estaria enfraquecida e seria o momento perfeito para dar fim na múmia.

Em um passado distante, as Detzels eram líderes de uma sociedade matriarcal que foi devastada ao longo dos séculos, tanto pelos reinos imortais, quanto pelos habitantes da superfície. A troca de corpo de uma rainha para um corpo mais jovem era uma forma de sobrevivência e na maioria das vezes um sacrifício voluntário e motivo de honra para as seguidoras, pois suas almas se fundiam a terra a qual habitavam a tornando prósperas para subsistência das gerações futuras. Sem dúvidas já foram uma prole numerosa. Agora, caçadas pelos reinos por terem destruído os portais que permitiam o trânsito entre dimensões no espaço-tempo, restava viver anonimamente em lugares discretos ou remotos.

As terras das Detzels que Diego tanto queria, para olhos comuns, não passavam de terras improdutivas, o que mantinha curiosos e exploradores de minério bem longe, porém o que Diego buscava estava além do que até mesmo seus irmãos podiam ver. As almas das pessoas consideradas as menos importantes da família. A partir do momento em que a propriedade passasse a ser sua, essas almas, riquíssimas em conteúdos históricos o pertenceriam, sem contar a mina de diamantes inexplorada a quilômetros da superfície.

As Detzels se organizavam em colônias, e cada colônia tinha uma Matriarca que chefiava tudo. abaixo delas, estavam as sacerdotisas, responsáveis por manter os ensinamentos das meninas e selecionar as futuras possíveis cascas da rainha as iniciando nos ritos, adiante, vinham as trabalhadoras, que cuidam das manutenção dos afazeres domésticos e propagação das lendas familiares. Tinham também as educadoras, que cuidam da educação de todas as jovens da comunidade e por último os homens, responsáveis pela reprodução e trabalhos externos.

Em cada continente havia de duas a três colônias e Diego sabia exatamente onde estava localizada cada uma delas, como se organizavam e quem eram suas matriarcas. Para ele era uma grata surpresa a rainha estar vivendo em terras brasileiras. Achou curioso ela ainda manter o nome Aimée. Na última vez em que viu a rainha das Detzels, sobrenome contemporâneo utilizado pela linhagem, ela vivia no sul da França e foi um confronto nada amistoso. Agora, tinha seus seguidores posicionados e infiltrados em cada uma das colônias prontos para o momento certo.

Claro que não precisava de todas as Detzels mortas. Elas serviam como uma ótima distração para os reinos, tirando o foco dos iluminados. Se livraria apenas das principais.

O conhecimento das almas sepultadas nas terras das Detzels, forneceriam informações que grimório nenhum conseguiria compilar e desta vez, ele tinha certeza que a nova fórmula do seu disputado elixir, seria a melhor de todas as versões que ele já poderia ter criado.

O elixir era um trabalho de várias vidas.

Como Diego e os irmãos eram anomalias, ao contrário das Detzels que nasciam uma única vez, e de outras famílias que reencarnavam dentro de suas respectivas castas, eles renasciam cada vez que as cinco linhagens se cruzavam.

De suas vidas passadas, a única coisa que Diego lembrava com clareza eram os sentimentos de dor, medo e desolação que cada morte o trouxe. Não estava disposto a sentir aquela amálgama outra vez. Agora que tinha conseguido reunir boa parte de seus estudos acumulados em vidas,  sentia-se pronto para desvendar o elemento que traria o toque final.

O elemento que eliminaria o vampirismo como efeito colateral. Talvez o conhecimento milenar das Detzels o ajudasse a desvendar esse enigma.

Elizabeth Detzel

Sentada em um cantinho do quarto, olhando tristonha para a lua, Liz sonhava com o dia em que poderia frequentar os bailes, usar as roupas e maquiagens da moda, ou fazer o que bem entendesse da vida. Agora tudo o que lhes restava, era bordar uma de suas blusas com pequenas florezinhas lilás para renovar a peça.

Era chato organizar tudo e não poder, sequer, participar. Verificou durante o dia todos os detalhes para que a festa da amiga acontecesse perfeitamente. O que a aliviava era saber que no dia seguinte Isadora contaria tudo com a maior riqueza de detalhes possíveis e estava ansiosa por isso.

Elizabeth era uma garota até certo ponto obediente, organizada e leal. Quando sua mãe disse que não poderia ir à festa de Isadora, tudo o que fez foi acatar a ordem, mesmo que morresse de vontade de argumentar. Queria pelo menos poder sair de casa para ver Raul, mas ele, como em todos os outros dias, estava trabalhando.

Lambeu a ponta da linha, a passou pelo buraquinho da agulha, e continuou seu delicado bordado. Elizabeth adorava fazer coisas que exigiam um profundo nível de detalhe. Estava ansiosa para aprender com a vovó Aimée diferentes tipos de pontos. Esses tipos de tarefas evitavam que sua mente se dispersasse em pensamentos que eram julgados como inadequados, como beijar Raul outra vez, tocar o corpo dele, sentir seu calor...

Já tinha a vida toda planejada. Se formaria professora, enquanto Raul trabalharia como engenheiro, comprariam uma casa em Belo Horizonte, se casariam e teriam dois ou três filhos, os quais já tinham até escolhido os nomes.

Planejar era sua função favorita. Adorava ter o controle sobre as ideias que tinha. Enquanto alinhavava o tecido, planejava um modo de ficar sozinha com Raul na semana seguinte. Já tinha aprendido com Sophia, grande meretriz da cidade, como não ficar grávida e queria muito experimentar os famosos "prazeres carnais" que lia nos romances proibidos que trocava com as colegas de escola.

Seus pensamentos foram interrompidos quando sua mãe entrou no quarto.

— Liz, precisamos ir até a fazenda. Se vista.

— Mas mamãe, não está tarde demais pra pegar a estrada? Nessa hora pode ser perigoso. - no relógio já passavam das onze horas da noite.

— Não discuta. Vamos.

Liz se vestiu com roupas quentinhas e seguiu a mãe.

— beba. - disse a mãe ao entregar-lhe uma garrafinha com uma espécie de chá.

Elizabeth odiava chás, ainda mais aquele em específico que a deixava fora de órbita. Fez que bebeu, porém jogou o líquido no chão do carro enquanto a mãe atenta na estrada ao volante, não percebeu a trapaça. Liz faria como costumava fazer todas as vezes que era obrigada a beber a mistura, fingiria o torpor. Olhou para a mãe antes de iniciar a encenação e notou nunca a tinha visto tão séria.

Será que algo aconteceu com a vovó Aimée?

Diego Del Toro

Estacionou o Cadillac Deville em frente ao conhecido bordel da cidade. Entrou no recinto tornando-se o foco principal de todos os presentes. Caminhou até a magnífica travesti que se encontrava em frente ao balcão. Sensual, ela estendia os braços em surpresa.

— Diego! A que devo a honra?

— Negócios, minha cara Sophia. - Disse ele ao beijar-lhe a mão.

— Me acompanhe, vamos para um lugar mais reservado.

Sophia o guiou até uma confortável sala e o serviu um whisky.

— Pela sua indumentária, julgo que estava na festa da miss Diamantina?

— Que garota chata!

— De fato, ela é insuportável. Se acha dona do mundo. - brindaram e em seguida deram um gole.

— Preciso de uma consultoria sua. - Disse Diego em um tom sério enquanto encarava Sophia.

— Já imagino sobre o que se trata. As Detzels, certo?

— Preciso saber quem será a próxima casca. - como cartas de baralho, Diego lançou no ar as fotos das meninas que podiam se tornar a próxima rainha.

Sophia deu uma leve farejada no ar, tocando as cartas que flutuavam, assimilando o perfil de cada uma das meninas expostas. Ao todo eram vinte e duas garotas.

— Aimée desta vez tem ótimas opções. - disse ela destacando três garotas. - Essa aqui, Ayo, África ocidental, boas características físicas, 15 anos. - apontou outra menina - Mei Mei,  brilhante, porém fisicamente não tão perfeita quanto Ayo, 17 anos e por último Daphne, - disse ela apontando outra garota - feia, apesar de resistente, inteligente e nossa... essa emana uma energia poderosa.

— hummmm. - Disse Diego enquanto ponderava coçando a barba. - E quem seria a pior das opções?

— Essa criatura aqui. - Ela trouxe a lume uma carta que emergia do fundo. - Elizabeth foge aos padrões da família, é rebelde, curiosa demais para coisas desnecessárias. - pausou como se recordasse de algo distante. - como a mãe penou com essa criança, sem contar que atualmente tudo o que essa menina quer é transar com o namorado.

— Você a conhece? - Disse Diego rindo da ironia. 

— Claro! E com propriedade de causa! Quem nesta cidade não conhece a astuta serviçal da miss Diamantina? Namorada do filho bastardo do Coronel Moraes? A menina que incendiou a missa?

— Com esse currículo todo, por que ela seria uma péssima opção para Aimée?

— Elizabeth nunca foi iniciada aos ritos familiares. As Detzels costumam, digamos que excluir de seus ritos, qualquer membro que possa causar perigo à rainha. E a Liz quando ela era menor, era uma verdadeira força bruta da natureza. Imagina se no momento da troca essa criatura não estiver inconsciente, ela pode ser capaz de eliminar toda a linhagem de uma vez.

— Não sei porque, mas gosto dessa garota. - Diego franzia o cenho, enquanto aprimorava seu plano mentalmente - Suponhamos que todas as vinte e uma garotas não existissem e sobrasse apenas ela? Qual escolha Aimée teria?

— Ela poderia possuir o corpo das sacerdotisas, mas teria que trocar de casca a cada seis meses... não sei.

— Bem... não tenho motivos para ficar de braços cruzados esperando essa maldita trocar de casca.

A face de Diego rapidamente se transformou no monstro que de fato era, lábios escuros em presas marfim, dourados olhos felinos em uma pele marmórea, pontiagudas e enegrecidas garras.

Santiago, Alejandro, apareçam.

— Ouçam, é chegada a hora, matem-nas. - ordenou em uma tonalidade sombria, as cartas desapareceram e se revelaram a cada um dos seguidores de Diego ao redor da Terra, que recebiam o chamado.

Cada uma das vinte e uma meninas foram assassinadas sem misericórdia. Em flashs, numa fração de segundos Diego observava a lamúria em todas as  mortes com um sorriso amargo.

 Alejandro e Santiago se materializaram na sala privada de Sophia contrariados.

— Eu estava no meio de um show, Diego! - protestou Alejandro.

Santiago apenas se ajeitava nas roupas bagunçadas, como se estivesse em vias de se deleitar no corpo de alguém.

— Vamos nos livrar da Aimée Detzel. - declarou Diego.

— Mas já? O ritual não aconteceria apenas durante uma lua de sangue ou eclipse? - Disse Santiago, ainda tentando entender o que estava acontecendo.

— Me ocorreu hoje que, criar este tipo de condição para que um ritual de troca ocorra tem apenas um objetivo, despistar as ameaças. Não vou perder tempo esperando, Aimée vai tentar trocar de casca hoje. Assim como eu, ela não tem tempo a perder.

Os três se deram as mãos. Suas faces se tornaram tão sombrias quanto as de Diego e desapareceram.

Sofia os viu sumir e embora quisesse, não conseguia sentir pena das garotas. Derramou um pouco de whisky no chão em reverência às mortes. Das Detzels, torcia apenas por uma, Elizabeth. Gostava da garota. Assim como Diego, ela não a discriminava. Eram iguais.

O trio surgiu na porteira da Fazenda das Almas. 

Não podiam atravessar fisicamente. Não sem um convite. Quebrar a barreira exigiria um esforço que consumiria uma parte da famosa adega de almas compradas por Diego. 

Quando de longe avistaram o fusquinha azul se aproximando,  Diego farejou o cheiro de Elizabeth e sua mãe, constatando que a garota cochilava. Sentiu o aroma do chá, e pensou, por que não tentar um método menos destrutivo? 

 Antes que atravessasse a porteira da fazenda, alguns quilômetros antes, Diego invadiu os  sonhos de Elizabeth. Ela sonhava com Raul. 

Diego assumiu então a forma do rapaz, viu o que ela tanto desejava e a satisfez.

Liz - disse ele como se fosse Raul, em uma tonalidade de voz apaziguadora, abraçados nus sob a tênue luz do sol, em um jardim de girassóis - quando você sentir medo, diga, "Santiago, Alejandro e Diego Del Toro eu permito sua entrada".

— Por quê?

— Eles vão te proteger... - Nesse momento, o fusca cruzou a fronteira da fazenda.

Santiago e Alejandro se entreolharam incrédulos.

Diego! É Sério? - se divertiu Alejandro.

Você é verdadeiramente o tinhoso! - praguejou Santiago.

Diego em poucos minutos deu à Liz o tipo de beijo que ela tanto queria de Raul, e um prazer que ela sequer esperava. Com um sorriso macabro voltou a si e observou o fusca desaparecer. Agora, sua entrada na Fazenda das Almas seria apenas uma questão de tempo. 

[Autora entra no chat]

E aí? O que acharam do Diego? Bem bonzinho, né? rsrsr

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