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By AndrwKy

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| EM ANDAMENTO | SENDO REESCRITA Mudar para a capital nunca fez parte dos planos do jovem bruxo Jungkook, no... More

00 | Avisos
01 | Doce Mudança
02 | Doces Estranhos
03 | Baralho de Copas
04 | Princípios Adolescentes
05 | Explosão Colorida
06 | Memórias Rubras
07 | Poção do Amor
08 | Profecia

09 | Passado, Presente e Encantados

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By AndrwKy

#CaçandoVagalumes

Hoseok demorou a aparecer após Yoongi hyung ceder aos pedidos para conversar com ele e, pela chuva que viria nas próximas horas, meu pai incitou Jimin e eu a entrarmos em casa. Contudo, o Park, qual meramente aparecia na residência sem um convite formal, agia de maneira divergente, negando várias vezes. Porém, bastou um murmúrio taciturno da minha parte para Ariel acatar a ordem de Junghyun e calçar as pantufas reservadas apenas para si.

Embora meu vizinho estivesse na minha casa, não pude conter o anseio em contar sobre os acontecimentos daquele dia para Sunmi. Disquei o número decorado e liguei de imediato, comunicando ao Jeon que iria para meu quarto, apontando com a mão livre para a escadaria e posicionei o aparelho telefônico na orelha, subindo vagarosamente com um duende sonolento equilibrando-se no meu ombro.

Todavia, parei no topo da escada, franzindo o cenho quando a chamada foi recusada e estalei a língua na boca, escutando as vozes baixas dos humanos. Eu não deveria escutar a conversa alheia, entretanto, a menção do meu nome aguçou a curiosidade e sequer contive-me ao assentar no último degrau, me concentrando no falatório, posicionando o indicador sobre os lábios para que Nana permanecesse em silêncio.

ㅡ Jungkook me disse que terminou com a Seulgi... Fez isso mesmo? ㅡ o timbre do meu pai estava baixo e deduzi que acaso não tivesse a audição perspicaz pelos genes bruxos, jamais poderia ouvi-lo. ㅡ Seus pais já sabem?

O avermelhado soprou uma risada em declínio, carregada de falsa diversão e considerei que, movido pelos efeitos do feitiço, o Park nem mesmo soubesse lidar com os acontecimentos.

ㅡ Não posso contar 'pra eles, são capazes de me expulsar de casa só por imaginarem uma coisa dessas, Junghyun. Mas, eu não posso continuar mentindo...! ㅡ desci alguns degraus, sorrateiro e mordi o lábio inferior ao observar o rapaz machucando os próprios dedos, visivelmente nervoso. ㅡ Prometi a Gi que faria tudo 'pra sairmos juntos dessa merda de sociedade, mas não dava 'pra continuar enganando a todo mundo, principalmente apaixonado por outra pessoa.

Enverguei o cenho, questionando o quanto eu sabia sobre Jimin. As palavras de Min Ho retumbavam nas lembranças acerca dos segredos que levavam o humano a ser abandonado, assim como suas próprias ações quando tratava-se dos seus progenitores ou de onde vinha, conhecido como um lugar dominado por milionários de famílias tradicionais e conservadoras.

Incluir Kang Seulgi, subjetivamente, impunha a hipótese de uma união arranjada para a junção de nomes e concentração de poder em escora nos herdeiros.

ㅡ Você faz promessas que talvez nunca possa cumprir, pirralho. ㅡ pisquei os olhos, lubrificando as escleras e enxerguei o médico sentar no sofá com o adolescente, abraçando os joelhos. ㅡ Jimin, você só tem dezoito anos. Apesar de faltar alguns meses 'pra maioridade, você não pode tomar as problemáticas do mundo 'pra si... Não cabe a nós, seres humanos, resolvermos coisas que nem mesmo o próprio Deus consegue.

Desviei o olhar para meus pés cobertos pelas meias do homem de ferro e afundei a língua na bochecha, incomodado com a narrativa do Jeon.

ㅡ Os pais cometem inúmeros erros, Jimin. Desejamos o melhor para os nossos filhos de maneiras cruéis, os restringindo do mundo ou dando a eles uma liberdade sem limites que muitas vezes os carrega 'pra um poço fundo, porém, como filhos, devemos saber o que queremos antes da vontade dos nossos pais... ㅡ o moreno fez uma pausa, recuperando o fôlego e procurando pelos vocativos corretos. ㅡ Pais não são heróis e nem vão nos salvar quando estivermos caindo, pirralho. Conduza sua vida como quiser... E, depois, se por um acaso eles não aceitarem suas escolhas, estarei de braços abertos 'pra te acolher.

Jimin abraçou Junghyun, jogando-se contra o corpo robusto e suspirei, comovido com a cena. O Jeon mais velho, embora fosse cético acerca da veracidade das constatações, era um excelente pai, cumprindo seu papel com maestria. Por vezes, eu acreditava que entre o humano e Sunmi, o coração de mãe abrigava-se no peito do homem, acolhendo tantas crianças e adolescentes como seus, dando-lhes suporte, incentivo e, sobretudo, amor.

Fitei Banana sentado no corrimão e sorri labial, indicando o topo da escada. Me movendo vagarosamente para não causar ruídos, arrastei os pés até a porta do meu quarto, empurrando a maçaneta devagar, não almejando dispersar o diálogo dos humanos e acendi a luz, observando Nana se teletransportar para perto de Amora, a qual levantou a cabeça, miando alto ao me enxergar.

Acariciei o espaço entre as orelhas felpudas, ouvindo a felina ronronar e tirei a jaqueta, deixando sob a cama, ao passo que digitava o telefone da mamãe novamente, me conduzindo para a varanda, apertando o aparelho contra a cartilagem, apreensivo com sua demora a delonga da Lee em atender.

O céu encoberto por nuvens onustas, escurecia antes do previsto e as lâmpadas dos postes espalhados pela calçada ligavam uma a uma, originando uma atmosfera sobrenatural somada a ventania, que trazia qual alçava a poeira, formando pequenos redemoinhos no asfalto, confortando meu interior à custa da familiaridade do cenário. Entretanto, tombei o pescoço, vislumbrando a figura suspicaz de um encapuzado, os olhos sanguíneos encaravam meus semelhantes à medida que o sorriso crescia, evidenciando uma cicatriz profunda nos lábios escuros.

O celular deslizou por meus dígitos, estrugindo em meio o farfalhar das árvores remanescentes na paisagem urbana e cravei as unhas no ferro do guarda-corpo, as palmas queimando conforme o fogo púrpura atravessava a derme, numa emissão de autodefesa descomedida provocada pelos instintos profundos do cerne. O desconhecido espelhou o meu ato, abrindo a boca para pronunciar palavras mudas em uma linguagem incapaz de ser interpretada na distância e mostrando os dentes alinhados, arregalei os lumes ao vê-lo ser consumido por chamas escuras como o breu, as íris brilhando na morte iminente.

Um raio rasgou a penumbra e pisquei inúmeras vezes, procurando afoitamente pelo encapuzado quando sua presença se desfez.

Onde antes jazia seus pés, caído no chão de concreto, um objeto de contas cintilava sob a luminescência artificial. Uma pontada repentina na fronte me obrigou a cerrar as pálpebras, o latejar na cabeça causando o almejo por jogar o conteúdo do estômago fora.

A campainha repercutiu na residência e sobressaltei, todavia, desviar o olhar do rosário tornou-se um trabalho árduo e me afligi quanto à atenção depositada na peça religiosa, prendendo-me sem haver uma escolha. Inerte a respeito dos meus atos, respirei profundamente, o pulso direito ardendo tal qual o inferno e saí do cômodo, guiado pelas vozes que insistiam em reverberar na minha mente, me extraindo da realidade.

Tão logo notei, estava no casulo, as vibrações sonoras, as quais soavam da minha garganta, retumbando nos tímpanos. Sentia o corpo flutuando na maré alta da ilusão e o cheiro de hortelã impregnando todo o ambiente ㅡ tal qual as roupas que cobriam meu corpo e possivelmente, cada poro da minha pele ㅡ, era o único elemento real em que poderia me agarrar.

O murmúrio cantarolado orientava meu corpo a mover-se numa dança cultural, girando os pulsos sobre a cabeça e seguindo uma sequência de passos que fazia-me rodar pelo assoalho do casulo, à proporção que as mãos depositavam ervas, pós e líquidos no interior do caldeirão; me encontrava absorto, trilhando pelas flamas do instinto. Meus pés descalços forçavam a estrutura corpórea a balançar no ritmo musical, recobrando as lembranças das festividades bruxas em Busan, quando as mulheres da tribo reuniam-se para dançar em comemoração dos festivais das colheitas e os homens se dedicavam a servi-las como deusas na Terra em honra a Théa.

De repente, hipnotizado pelas memórias nostálgicas, raspei as unhas acima do carpo direito, a coceira incômoda rastejando-se no braço como uma víbora traiçoeira, concentrando o veneno na artéria pulsante. Contudo, comprimindo o sangue próximo a junta, provocava a pele a ficar avermelhada em virtude das falanges que afundavam no tecido visando acabar com o desconforto rapidamente.

No entanto, observando a mancha rubra nas veias saltadas, sorri como um homem ébrio, gargalhando quando, no reflexo do caldeirão, as íris ostentavam o azul intenso característico de um olhar sobrenatural, saturado de magia.

Banana surgiu na mesa de madeira, franzindo o nariz à medida que o perfume forte do encantamento atingia suas narinas. Mirando-o, estalei os dedos e o fogo púrpura em minha destra mesclou-se no líquido seivoso, ocasionando numa fumaça verde-oliva cuja envolvia nossos corpos e os cantos do local, o preenchendo com a essência das ervas medicinais.

Aspirando o eflúvio, pude sentir os átomos do meu corpo aquiescendo e a consentânea da realidade e quimera tomaram minha mente, ruindo o vigor corporal e meus joelhos cederam, alcançando o chão vagarosamente, como uma cena de ficção. O conflito de pensamentos ocasionaram a inércia quanto a vida real, num duelo solitário da divagação do meu futuro, carregando o fardo de uma promessa ancestral e a incerteza do método designado acerca dos próximos passos.

O compromisso da palavra de um bruxo não poderia cair por terra, entretanto, subjugado pela chama qual calcinava meu peito e preenchia o espaço da razão, os vocativos tomavam minha mente, formando sentenças concisas e nenhum pouco satisfatórias quanto a verdade cravada durante minha vida. Contudo, a asserção era que independente do rumo escolhido, um sacrifício deveria ser feito e, eu perderia, porque o universo de modo nenhum propiciaria uma segunda chance.

Me sentia detido numa sala escura, sem indícios da liberdade, asfixiando com a ausência de oxigênio e o âmago formigava, originando uma angústia velada, a qual assemelhava-se a cargas elétricas sendo deferidas contra a vulnerabilidade da minha carne. Chegar a uma decisão contendo terceiros coadunava a mente, incapacitando os neurônios a seguirem a ordem natural imposta pelos comandos cerebrais e como se estivesse num mundo de fantasia, via os monstros terríveis da imaginação, porém, não era competente a mover algum músculo para fugir.

Junghyun abriu as portas da estufa, intrépido, tossindo audivelmente enquanto abanava a fumaça para longe e empurrou as janelas permitindo o ar entrar no recinto.

Filhote, consegue me ouvir?

Sim.

Porém, a impossibilidade de desviar o olhar da imagem distorcida da minha face, obstruia o almejo de encarar os mirantes de Junghyun e agarrar-me ao sentimento que somente meu genitor era capaz de emitir.

Juju! ㅡ a voz rouca repercutia distante, como um eco em um túnel vazio. ㅡ Jungkook! ㅡ o sacolejo em meu busto causou comoção nos sentidos e resfoleguei em busca de ar. ㅡ Porra, Juju! Olha 'pra mim, por favor! ㅡ pisquei, contemplando as íris escuras marejadas, o espelho dos meus olhos apagando o fogaréu que interditava o funcionamento ordinário do organismo. ㅡ Jungkook, o que 'tá acontecendo? ㅡ o Jeon apertou meus ombros, impulsionando meu tronco para frente e abraçando como se a vida dependesse disso.

E, de fato, dependia.

ㅡ E-Estou bem... ㅡ sussurrei contra seu peito, fungando.

ㅡ Não minta 'pra mim, Jungkook. ㅡ ralhou e me encolhi, apertando o tecido da camisa social contra os dedos. ㅡ Teus olhos... Filhote, me diga o que 'tá acontecendo. ㅡ permaneci em silêncio, desconsiderando a hipótese de radicar meu pai na versão negativa do meu cerne, impedindo o humano de temer a magia da minha essência do mesmo modo como eu temia. ㅡ Tenho medo de acabar te perdendo, Juju. Eu não suportaria! ㅡ confessou num sussurro. ㅡ Então, por favor...

Entreabri os lábios, arqueando ambas as sobrancelhas e ergui os lumes quando um soluço evadiu do humano e repensei quais passos estava seguindo para ver meu pai chorar, perturbando-se quanto a mim. Forcei um sorriso, deslizando os polegares nas bochechas do Jeon, secando as lágrimas que rolavam.

ㅡ Ficarei bem, papai.

Assegurei, deitando em sua espalda me escondendo como uma criança medrosa, enrijecendo o rosto instantaneamente.

Banana ocupou minha visão, sussurrando para que somente eu pudesse interpretar: ㅡ Por meus cogumelos, bruxinho! Capaz não for depois suportar não minta, magoar o quanto por omissão sei alguém acarretar pode árduo peso para demais aguentar.

Aspirei o perfume de Junghyun, as palavras ricocheteando a lucidez e praguejei-me pelos pensamentos que perseveravam em nublar as pupilas e me manter na redoma de vidro, encarcerado como uma flor murchando enquanto espera pelo mínimo contato de luz solar.

Subitamente, chiei em razão da dor pujante no pulso direito, contorcendo o semblante e cerrando os orbes, me afastando do Jeon até bater as costas nas prateleiras de poções e permitir-me sentir o ardor sozinho, sem interrupções. Eu arranhava a pele com viço, tentando dispersar o descômodo, no entanto, grunhi quando a audição aguçada captou o momento em que a pele fôra rompida e conforme o sangue coagulava no corte, uma linha dourada traçava acima da derme o desenho de um coração humano, cujo floresciam calêndulas e érica-japonesas, abaixo a sentença: Méchri to teleftaío pétalo.

Até a última pétala.

Cobri a boca com a canhota, os lumes cravados na delineação dourada, que tornava-se escura a cada segundo. Na tradição do cortejo místico, pretendentes ofereciam as suas paixões flores respectivas aos seus nascimentos, adjuntas ao emblema de um coração de carne, em ouro puro. Era a forma de expressar os sentimentos de maneira crua, indicando que os racemos simbolizavam o destino unido pelo órgão cardíaco, qual pulsava em comunhão ao amado.

Um coração por uma flor.

Dessarte as outras tatuagens no dorso da destra, não compreendia o significado do desenho cravejado na derme, palpitando em harmonia com o vaso sanguíneo.

Sequei uma lágrima solitária, a dor infernal no braço contorceu o rosto em uma careta e gani quando deslizei a manga do moletom sobre a marca, sentindo-a queimar. Cingi os joelhos, escondendo a face molhada da visão apoquentada do meu pai e fechei as pálpebras. O estrídulo dos grilos era o único som passível a ser ouvido e com a mente fervilhando, me limitei a erguer a cabeça quando, segundos depois, subitamente, o Jeon puxou minha destra, sentando-se ao meu lado.

Em silêncio, Junghyun liberou a tatuagem do tecido, colocando acima do desenho um unguento, comprimindo delicadamente com os dígitos, no entanto, pressionei os lábios buscando maneiras de conter a ardência latente. Sussurrei um agradecimento, limpando os vestígios de lágrimas com a mão livre, observando meu progenitor dedilhar as linhas na minha palma e fungar.

ㅡ Me pergunto quando foi que você cresceu tanto, Juju. ㅡ iniciou, de repente. ㅡ A primeira vez que te vi, você nem mesmo falava e andava, seus olhos eram enormes como bolinhas de gude e você tinha o hábito terrível de puxar meu cabelo, também costumava carregar um coelho de pelúcia 'pra todo canto ㅡ sorri pequeno, me recordando do brinquedo perdido nas mudanças que deixei em Busan. ㅡ Daquele dia em diante, me senti abençoado por Deus.

Solevei o olhar para as íris castanhas e suspirei, entrelaçando nossas falanges, deitando no ombro do meu genitor, o ouvindo falar baixinho.

ㅡ Acho incoerente como uma mãe se sente conectada ao filho desde o momento da descoberta no ventre, mas um pai apenas se sente como tal depois de certo tempo... Se Sunmi tivesse me contado sobre a gestação no primeiro mês, acredito que eu teria tido uma gravidez psicológica. ㅡ soprou um risada rouca, apertando nossas mãos unidas. ㅡ Me desculpa se não cumpri meu papel, Jungkook. Os anos que me atrasei 'pros seus aniversários ou nem compareci por causa do trabalho, as vezes que atendi uma ligação enquanto deveria estar passando meu tempo com você ou quando acabei sendo rude impulsivamente.

Uma gota escorreu na bochecha alheia e derrubei os olhos para o membro envolto pelos meus dedos, tremendo levemente, ao passo que o diafragma alheio movia-se com espasmos, denunciando o choro.

Meu pai sempre fôra transparente com seus sentimentos, quebrando o paradigma social acerca dos princípios masculinos, entretanto, vê-lo chorar abertamente, clamando por um perdão súbito e indagando suas funções como genitor, era diferente de somente conversarmos sobre alguma questão psicológica que me impedia de viver sem a sensação de culpa.

ㅡ Não posso lhe perdoar. ㅡ consolidei, prosseguindo quando o médico mordeu o lábio inferior, secando uma das lágrimas fujonas. ㅡ Você é o pai que eu pediria aos deuses todos os dias da minha existência se não nos conhecêssemos. Esteve por mim quando meu único desejo era ouvir palavras que me encorajassem, me serviu seu abraço como consolo nas noites de pesadelos, me permitiu conhecer um mundo além das obrigações como herdeiro e me proporcionou vir a Seul e conhecer pessoas incríveis.

Inúmeras vezes, norteado por sentimentos negativos derivados de falas pejorativas e os atrasos causados pelo trânsito turbulento ou a ausência mencionada pelo mais velho, eu obliterava sobre os feitos do Jeon, buscando em outras figuras próximas ㅡ como meus tios e o senhor Moon ㅡ, suprir a carência de um pai, quando Junghyun, de fato, empenhava-se para cumprir com suas promessas, embora demorasse.

ㅡ Era apenas minha obrigação, Juju.

ㅡ Sim. ㅡ reprimi um sorriso ao visualizar o cenho franzido do moreno. ㅡ Porém, enquanto tenho tudo de si, existem filhos condenados a um amor unilateral, capaz de causar uma ferida tão profunda quanto o oceano. ㅡ estalei a língua na boca. ㅡ O que desejo falar é: Você poderia ter feito como tantos outros genitores, porém escolheu realizar seu papel para comigo de forma exemplar. O senhor é o melhor pai que eu poderia querer e agradeço a Sunmi por ter lhe escolhido, Junghyun.

Filhote... ㅡ ditou com a voz embargada e rindo baixinho, agarrei o tronco largo, abraçando-o com todas as forças adjacentes em meu corpo. ㅡ Eu te amo muito, Juju, com cada respirar da minha existência.

Sorri, afundando o rosto no pescoço do meu pai e absorvi o aroma suave da camisa de botões, repousando a cabeça ali. Ficamos nessa posição por bastante tempo, todavia um barulho emergiu da quietude, fazendo o Jeon choramingar.

ㅡ Deixei o Hoseok e o pirralho sozinhos... Vão destruir nossa casa. ㅡ revirou os olhos, suspirando e enxugou a feição molhada pelas lágrimas salgadas. ㅡ Vou pedir pizza... Quer a de sempre, Juju?

ㅡ Adoraria.

Repuxei os lábios num sorriso pequeno, escondendo as mãos no bolso do moletom e um beijo casto fôra depositado sobre meus cabelos. Me olhando uma última vez, meu pai se levantou, dirigindo-se para o jardim.

O estrondo do velho diário da minha avó caindo no assoalho fez-me desviar o olhar para o duende amarelo e franzir o cenho, fitando o negrume dos globos oculares sob os óculos redondos. Repentinamente, Nana folheou a antiguidade e empurrou o caderno para perto dos meus pés descalços.

ㅡ Por que está fazendo isso? ㅡ resmunguei com dificuldade, pigarreando em seguida, o timbre rouco em consequência da deficiência de hidratação.

Você calmo quando lê fica, pudesse gostar pensei, bruxinho ㅡ sorriu pequeno, forçando minhas pernas a abaixarem para sentar-se sobre a coxa esquerda e apoiar o cotovelo em sua própria, escorando o rosto na mão esquerda. ㅡ Alguma coisa pode mostrar para mim?

Apanhei o exemplar, deslizando o indicador na fotografia da família Lee, colada na folha envelhecida e suspirei, liberando o ar gradativamente.

Avó sua diário deu por quê? ㅡ o duende parecia instigado pela velharia, tentava sondar entre meus dedos e com os orbes brilhando em direção às folhas gastas pelo tempo. Franzi o cenho, pois o serzinho dificilmente interessava-se por livros sem ilustrações ou feitiços. ㅡ Importantes escritos haver deve.

ㅡ Não há nada demais, Nana, somente pensamentos de uma adolescente bruxa com uma enorme responsabilidade para estear. ㅡ fechei o caderno, dedilhando a capa de couro acima das iniciais da velha Lee, cravadas em um tom áureo. ㅡ Banana, peço que me perdoe, no entanto, estou exaurido, o chá no caldeirão me ajudará a descansar... Podemos tratar dos escritos de vovó em outra oportunidade?

Banana semicerrou os olhinhos e assentiu, teletransportando-se de volta para o lugar onde outrora estava; se aventurando nos livros mágicos do casulo, sem desviar a atenção de mim por mais de cinco segundos.

Com esmero, enchi uma concha com o encanto oliva, sorvendo em goles rápidos, franzindo o nariz por causa do gosto horrível de caule. Poucos segundos depois, a corpulência relaxou, suavizando a tensão nos músculos e dissipando a enxaqueca, cuja dificultava a ordem dos pensamentos. Arregacei as mangas da camiseta e passei o dorso da canhota na testa, dissipando as gotículas de secreção quais se formavam devido ao calor excessivo provocado pelos efeitos do remédio.

Saí da estufa, me arrepiando com a brisa fria em contato com a derme, refrescando o corpo febril e respirei profundamente, abaixando o olhar da atmosfera soturna. Pisquei, cravando o par de íris divergentes nos olhos castanhos que penetravam meu íntimo, como se pudessem interpretar minha mente, desvendar meus segredos e compreender meus medos.

Aqueles malditos lumes que foram capazes de aflorar as mariposas na base do meu estômago.

Trovoadas altas me compeliram a desviar o foco do Park. A vibração do aparelho celular preterido no bolso da calça fôra uma belíssima desculpa para passar por Jimin e adentrar em casa, seguindo caminho outra vez para meu quarto, desbloqueando o ecrã. Revirei os orbes quando captei a gritaria ensandecida de Hoseok no karaokê, cantando num sotaque carregado, músicas do sertanejo brasileiro, errando a pronúncia em intervalos breves de duas orações.

Na tela do smartphone, o bate-papo com meus amigos estava repleto de mensagens, travando levemente o aparelho por causa da constância da conversa e centenas de figurinhas. Naquela ocasião, o assunto rodeava os problemas de Namjoon hyung acerca da sexualidade, o qual apesar de ser abertamente homossexual, evitava expor a todo instante sobre a orientação e, embora nosso grupo soubesse, eu notava a maneira como Yoongi e Seokjin possuíam uma brincadeira interna de sempre agirem como se a descoberta fosse inovadora.

Lica e sua gangue de LGBT'S 🏳️‍🌈

Yoongi Hyung

| Vc gosta de homem??
| 🫢😰

Namjoon Hyung

| sério q vc só prestou atenção nisso hyung?

Yoongi Hyung

| [Figurinha]
| Não né
| Vou te levar num psicólogo, é impossível vc ter chegado a essa decisão sóbrio
| Gostar de homem é a pior escolha da vida de alguém juro

Seokjin Hyung

| Como se ele tivesse escolha 🙄.
| Cada dia que se passa, o nome do grupo se torna ainda mais realidade.

Alícia Noona

| Falta só o Gguk pra se revelar agora 😈😈

Engasguei, a face esquentando instantaneamente.

Você

Noona, 😳! |

Yoongi Hyung

| Ravena plmds
| Péssimo momento pra resolver aparecer

Seokjin Hyung

| Jungkookinho, fuja enquanto há tempo e se esquive das perguntas!!!
| [Figurinha]

Alícia Noona

| Já era bb

Você

😥. |
Não sinto atração por nenhum dos gêneros. Nunca me apaixonei por qualquer pessoa, portanto, é complicado esclarecer essa dúvida, noona. |

Namjoon Hyung

| cacete uvinha
| não precisava ter dito
| certas coisas devem ser mantidas pra gnt até nos sentirmos capazes de revelar para os outros
| maaaaasss ficamos felizes por compartilhar conosco
| apesar da pressão
| [Figurinha]

Alícia Noona

| 😭😭😭😭
| Desculpa Goo!!!

Você

Tudo bem, noona. |
Falei por me sentir confortável, não porque me senti pressionado, ☺️. |

Seokjin Hyung

| Garoto fofo do caralho, vou te esmagar até não sobrar nadinha!!!
| Me exaltei, desculpa.

Yoongi Hyung

| Vsf ㅋㅋㅋㅋㅋ

Namjoon Hyung

| quase impossível fazer o hyung falar palavrão 😃

Alícia Noona

| Acho uma delícia 😌

Seokjin Hyung

| Que???????

Você

😳. |

Namjoon Hyung

| iiihhhhhhhh

Yoongi Hyung

| hmmmmmmmmm
| 😏😏😏

Alícia Noona

| GRACINHA********
| PQP DESCULPA
| CORRETOR FDP

Namjoon Hyung

| corretor né?

| [Figurinha]

Yoongi Hyung

| Cortando o assunto rapidinho
| Ravena
| Pode pedir pro Hoseok abaixar o volume da sofrência ?
| Os gêmeos tão sofrendo junto com a voz de taquara rachada

Namjoon Hyung

| oq ele tá fazendo aí?

Você

Não tive tempo para descobrir, 😔. |
Porém, suponho que meu pai tenha convidado meu primo e Jimin para passarem a noite conosco, Junghyun não permitiria que ambos saíssem com a possível tempestade que virá. |
Terei que dividir a moradia com dois adolescentes, 🥲... |

Namjoon Hyung

| q barra
| um tá apaixonado e o outro de coração partido
| [Figurinha]

Seokjin Hyung

| Quem tá apaixonado 🤨?

Namjoon Hyung

| o jimin

Seokjin Hyung

| ª

Yoongi Hyung

| Coragem a de vcs deixarem o karaoke livre pro Jung
| O gosto musical péssimo ☠️

Namjoon Hyung

| dá uns beijos nele e ele para hyung

Yoongi Hyung

| Vtnc Tinkerbell

Você

O que você sente pelo Hoseok, hyung? |

Yoongi Hyung

| Ódio

Namjoon Hyung

| é amor encubado

Yoongi Hyung removeu Namjoon Hyung do grupo.

Você

🤨. |

Alícia Noona adicionou Namjoon Hyung no grupo.

Namjoon Hyung

| isso foi mt sus hyung

Alícia Noona

| se entregou 🧐

Yoongi Hyung

| Pq vcs não vão se ferrar hein?

Balancei a cabeça em negativa, suspirando demoradamente e fitei a felina adormecida sobre minha jaqueta. Fechei a porta da varanda quando os primeiros pingos de chuva caíram no telhado, rolando os olhos no lado oposto da rua, sentindo um arrepio percorrer a espinha com a possibilidade de ter uma nova visão, por essa razão, fechei a cortina com força demasiada. Vasculhei o guarda-roupa em busca de um pijama confortável, indo para o banheiro em seguida, tomei um banho, utilizando os produtos com aroma de frutas vermelhas e o sabonete líquido de lavanda, tardando em desligar o registro, me analisando no reflexo do box de vidro.

O cabelo molhado caía nos olhos, vibrando na coloração púrpura natural e escondendo a íris castanha, o aro azul acero comungava com os tons frios, cintilando contra a luz emitida do lustre de lua. As sardas preenchiam a bochecha em demasia, mitigando próximo a boca, onde poucas pintinhas eram encontradas, em destaque, um ponto escuro abaixo do lábio inferior e uma corrente de três abaixo do nariz, semelhante ao Cinturão de Órion.

Crispei os lábios, por fim, terminando o banho. Vesti um conjunto cinza, com estampa de animais marinhos e sequei o cabelo, escovando os dentes ao mesmo tempo. Enquanto procurava minhas pantufas de coelho, equilibrava o celular no vão entre o ombro direito e o ouvido, numa nova tentativa de contatar Sunmi, entretanto, não tendo sucesso pela terceira vez, optei por mandar mensagens, preocupado com o sumiço da minha progenitora.

Desci para a sala em silêncio, me acomodando na poltrona e envergando o cenho com a cantoria desafinada do meu primo e vizinho ㅡ imaginava o que a vizinhança pensaria em escutá-los cantarem de tal forma naquele horário da noite. Banana surgiu em minha perna, cobrindo as orelhas com uma expressão sôfrega no rosto, indicando o andar de cima exasperado e concordei sutilmente, erguendo os pés descalços sobre o estofado escuro.

ㅡ Quem canta essa música?

ㅡ Chitãozinho & Xororó. ㅡ o platinado disse, orgulhoso.

ㅡ Então deixa eles cantarem, Hobi. ㅡ a expressão do Jung se dissolveu depressa e reprimi uma gargalhada. ㅡ Dêem uma pausa na sinfonia do demônio e vão tomar banho, não quero ninguém com chulé em cima dos lençóis limpos.

ㅡ Espera, 'tá chegando na melhor parte da música, tio! ㅡ o Jung posicionou o microfone nos lábios e meu pai bufou, cruzando os braços. ㅡ Vai, Jimin! ㅡ gritou, balançando de um lado para o outro, abraçando o pescoço do Ariel. ㅡ "O amor é feito de paixões e quando perde a razão; Não sabe quem vai machucar; Quem ama nunca sente medo de contar o seu segredo; Sinônimo de amor é amar!"

ㅡ "O amor é feito de paixões e quando perde a razão; Não sabe quem vai machucar...;" ㅡ o avermelhado me encarou e mordisquei o lábio inferior, desviando os orbes para meus dedos inquietos, atento no quanto o ritmo combinava com o timbre rouco, embora a pronúncia pecasse em determinadas sílabas. ㅡ "Quem ama nunca sente medo de contar o seu segredo; Sinônimo de amor é amaaaar!"

ㅡ Banho, agora! ㅡ o Jeon indicou a porta do banheiro quando a canção se encerrou e os humanos reclamaram, obedecendo. ㅡ Filhote, pode ajudar eles com as coisas? ㅡ anuí, empurrando uma mecha para trás da cartilagem da orelha, calçando as pantufas desgastadas. ㅡ Vou estar na cozinha, qualquer coisa me chamem.

ㅡ Eu vou primeiro! ㅡ anunciou o platinado, dando um passo em direção ao cômodo.

Porém Jimin o segurou pelos braços, o impedindo e arqueou as sobrancelhas, vociferando: ㅡ Meu caralho, Hope. Você deixa o banheiro virado numa zona, nem a pau que vou depois de ti.

Teu cú! ㅡ Hoseok apontou o dedo para o outro rapaz, se desvencilhando do aperto. ㅡ Você sempre deixa o banheiro cheio de vapor, parecendo uma sauna e o sabonete cheio de cabelo, sem contar que demora 'pra um cacete.

Os adolescentes iniciaram uma discussão acalorada acerca de quem banharia-se primeiro e prevendo um confronto direto, rolei os lumes, bufando ao passar os dedos no semblante e intervindo, apoiei a destra na cintura, mantendo a posição e o semblante indiferentes.

ㅡ Vocês estão findando com a minha paciência... Poderiam portar-se de maneira congruente com a idade que possuem? Não deve ser tão difícil. ㅡ gesticulei, me levantando. ㅡ Decidam no Ga-wi, ba-wi, bô¹, por favor. ㅡ cruzei os braços, semicerrando os olhos e formei um bico de canto, esperando por alguma reação dos adolescentes, os quais deram de costas um para o outro; pelos céus, eles realmente igualam-se a crianças birrentas. ㅡ Não temos a noite toda, hyung's.

ㅡ Ele quem começou, Jujuba!? ㅡ Park apontou para o Jung e suspirei, revirando os globos oculares. ㅡ É injusto! ㅡ franziu os lábios, abrindo os braços enraivecido.

ㅡ Deixa de ser idiota, Jimin. ㅡ Hoseok retrucou, mostrando a língua para o avermelhado.

ㅡ Vamos logo com isso ㅡ derrubei os membros superiores ao lado do corpo, aliviado por terem acatado minhas ordens sem mais delongas.

Jung e Park posicionaram-se de frente e para evitar trapaças, me responsabilizei por mediar a decisão. Ditei a sequência de palavras e as mãos direitas foram postas no centro: Hoseok escolheu pedra e Jimin tesoura.

ㅡ Como assim?! Puta que pariu! ㅡ o meu vizinho vociferou, enquanto o platinado comemorava, como se houvesse conquistado a Copa do Mundo e correu para o banheiro quando o avermelhado originou uma perseguição, proferindo dezenas de palavras de baixo calão.

ㅡ Por Théa, vocês são péssimos. ㅡ resmunguei.

Jimin voltou para o cômodo com as bochechas infladas e se jogou no sofá, apoiando a nuca no encosto macio e fechou os orbes, liberando o ar morosamente. Umedeci os lábios, mordendo-os posteriormente, as maçãs do rosto enrubescendo conforme os lumes, inconscientemente, viajavam pela postura folgada do Park.

Apertei os párpados, sacudindo a cabeça para espargir os pensamentos e deixei-o sozinho, andando para a cozinha, onde Junghyun estava, evidentemente distraído com a vasilha de alumínio, movendo o fouet com destreza e murmurando termos incompreensíveis.

ㅡ Quer alguma ajuda? ㅡ perguntei baixinho, me escorando na ilha.

ㅡ Coloquei biscoitos para assar. ㅡ sorriu pequeno, desviando o olhar rapidamente. ㅡ Sinto muito por não poder passar a noite com vocês, filhote, mas troquei o horário de plantão com um colega e precisarei o cobrir hoje.

ㅡ Conseguirei mantê-los sob controle, pai. ㅡ assegurei. ㅡ Não se preocupe conosco.

ㅡ Jamais duvidaria disso, Juju. ㅡ tocou a ponta do meu nariz, coçando a nuca e mordiscando a boca ressecada em seguida. ㅡ Quer falar sobre o que aconteceu mais cedo?

Inspirei o oxigênio, o suco gástrico queimando a carne do estômago. Fitei a ilustração no pulso, escondendo-a debaixo da manga comprida da camiseta, repudiando qualquer demonstração da magia coexistente no meu âmago, como lâminas afiadas, rompendo o tecido adiposo num lembrete da minha posição no mundo.

ㅡ Como foi a reunião?

Mudei a questão e Junghyun estalou a língua na boca, franzindo o semblante.

ㅡ Alegaram que estamos gastando muito dinheiro na ala da oncologia, pediatria e geriatria. Não me surpreende serem áreas relacionadas à mulheres e crianças, porque ninguém naquele caralho se importa com o aumento das gravidezes de risco ou com o aumento do câncer na infância, mas o fato dos homens serem broxas parece incomodar muito. Pau no cu daqueles arrombados. ㅡ fez uma pausa, esbugalhando os olhos castanhos ao notar o uso das palavras pejorativas. ㅡ Desculpa, querido.

ㅡ Você está certo, tha éprepe pragmatiká na xegelastoún², papai.

ㅡ Jungkook! ㅡ exclamou e gargalhamos em conjunto. ㅡ Sunmi vai me matar se descobrir que anda falando essas coisas, filhote. ㅡ elevei os ombros, ciente de quem havia ensinado-me tais verbos, porque a mulher, quando estressada, tornava-se uma máquina de palavrões. ㅡ Pode terminar isso 'pra mim?

Concordei, pegando o recipiente e mexendo a massa de chocolate com rigor, despejando na assadeira untada preparada pelo Jeon e ao passo que meu genitor retirava a forma de biscoitos com gotas de chocolate, perfumando a residência com o aroma delicioso do alimento. Hoseok apareceu no espaço, trajando roupas comuns e chinelos de dedo, secando os cabelos brancos com a toalha enrolada no pescoço, um cordão de prata caído no peito.

ㅡ Tio, onde eu deixo a toalha? Porra, que delícia! ㅡ o Jung salivou ao colocar a atenção nos cookies e esticou a canhota para apanhar um, recebendo um tapa estalado do médico. ㅡ Ai! Eu só ia pegar unzinho.

ㅡ Ponha a toalha no cesto de roupas brancas, na lavanderia. ㅡ meu pai não se incomodou com a reclamação do sobrinho, indicando o cômodo citado. ㅡ Juju, vou colocar algumas pipocas no microondas, acredito que prefira ir para outro lugar... ㅡ assenti avidamente, fechando o forno com a massa de bolo, quando o estrépito da porta do eletrodoméstico fôra escutado, meu olho esquerdo tremeu e o órgão cardíaco acelerou. ㅡ Você pode ajeitar a sala, os colchões 'tão no quarto de hóspedes e os lençóis no baú. ㅡ ergui os polegares positivamente, saltitando para a outra dependência celeremente.

No entanto, aéreo ao redor por manter os sentidos direcionados a sensação de pavor que corrompia meu sistema nervoso, me espantei quando o tronco chocou-se bruscamente com uma superfície macia e arregalei os olhos, cambaleando para trás e orientado pelo impulso do reflexo, me agarrei no rapaz parado a minha frente como uma estátua de gesso, me encurralando contra a parede e a presença felina do Park.

Reluzindo como um outdoor escrito em vermelho neon, o aspecto altivo do meu vizinho ocasionava num sinal de alerta penetrante, arrepiando os pelos da epiderme, assim como um gato em situação de perigo extremo. Mirei as íris castanhas, prendendo a respiração com as chamas marsalas que as queimavam, causando um incêndio em meu âmago e a cadência errônea do coração, batia em harmonia com o movimento suave no peito alheio.

Santo Deus... Tem certeza que não foi enviado como um anjo na Terra, Jujuba?

Soprei um riso anasalado.

Eu estava mais apto a representar uma legião de demônios.

ㅡ Preciso que me dê licença, hyung. ㅡ sussurrei. ㅡ Digo... ㅡ ponderei por um instante, talvez podendo usar de mais músculos para concluir o pedido de Junghyun. ㅡ Posso solicitar um favor?

ㅡ Tudo o que quiser, meu bem. ㅡ sorriu de soslaio, o aparelho ortodôntico cintilando contra a luz.

ㅡ Vou buscar o necessário num dos quartos, seria capaz de afastar os móveis, sim? ㅡ o humano franziu o cenho, derrubando o pescoço para o lado e me afastei. ㅡ Maravilhoso! Obrigado, Jimin!

Nos primeiros passos para longe do adolescente liberei o ar preso nos pulmões, receoso quanto às mariposas agitadas no estômago e, pelos deuses, o calor que emanava da estrutura corporal do Park, parecia me perseguir como fogo em gasolina. Talvez, a iniciativa de me comprometer com os sentimentos do rapaz tenha sido precipitada, pois sequer sabia como controlar minhas próprias emoções sem planejar trancafiar-me em meu quarto e permanecer lá durante a eternidade.

A tarefa de organizar o cômodo principal se transformou numa ação em grupo. Hoseok ajudou o amigo a afastar o sofá e a mesa de centro, carregando um dos colchões e posicionando no centro do carpete, em frente a televisão, retornando para buscar a roupa de cama e zoar com a maneira exagerada de Jimin demonstrar força, arrastando os estofados restantes sozinho. Arrumamos os lençóis, travesseiros e, convenci Junghyun a permitir modificar a iluminação, trocando a lâmpada fluorescente para outra de leds coloridos, como resultado, os humanos brincavam com o controle, fazendo piadas terríveis e de cunho baixíssimo.

Cooperei com meu genitor na cozinha, terminando os preparativos para que o Jeon mais velho pudesse ir arrumar-se para o trabalho e usufruindo do tempo sozinho, preparei alguns alimentos saudáveis e sobremesas que mantivessem o homem desperto durante os atendimentos. Majoritariamente, Junghyun e eu cozinhávamos o suficiente durante a semana para facilitar a rotina exaustiva do médico e cônscio da baixa pressão sanguínea do meu pai, confeccionava porções extras dos doces para ele, deixando notas na geladeira e dentro das embalagens.

Papai acreditava que eu não sabia, contudo, ele guardava todos os bilhetes em uma caixa enfeitada, junto de centenas de papéis, conchas marinhas e pertences íntimos, os quais nunca me atrevi a mexer.

Levei as travessas de alimento para a mesinha de centro, observando o homem elegante descer os degraus digitando velozmente no smartphone. Via de regra, Junghyun possuía um estilo casual, optando por usar pijamas e tecidos frescos, no entanto, havia dias que sua postura transmutava por completo, fazendo-o vestir calças sociais, camisas de linho e casacos grossos ㅡ em tais situações, imaginava como seria se meu pai fosse um ator de drama, presumivelmente, sendo escalado para o papel principal.

ㅡ Meninos, se comportem e obedeçam o Juju. ㅡ pisquei, o revirar do meu estômago denunciando a ansiedade ocasionada pela frase curta. ㅡ Volto amanhã antes do almoço, tem mais pipoca nos armários, mas não comam porcaria no café da manhã. ㅡ se aproximou, beijando o topo da minha cabeça e apertou meu nariz, induzindo minhas bochechas a corarem à custa dos garotos que nos assistiam com facetas hilárias. ㅡ Se cuide, qualquer coisa me liga, tudo bem?

ㅡ Espero que tenha um ótimo turno de trabalho, pai. ㅡ desejei como parte da rotina, abraçando o Jeon mais velho com carinho. ㅡ Alimente-se bem e beba bastante água e, por favor, não esqueça de descansar nos intervalos e me mandar mensagens.

ㅡ Sim, senhor Jeon-Lee. ㅡ revirei os orbes quando meu genitor bateu continência e gargalhou, indagando: ㅡ Mais alguma exigência, coronel?

ㅡ Não...! ㅡ resmunguei, mordendo o lábio inferior. ㅡ S'agapó³! ㅡ declarei baixinho, pressionando a boca.

ㅡ Eu também, Juju. ㅡ outro selar foi depositado em minha fronte.

Ouvi os outros dois adolescentes se despedindo do meu genitor e terminei os últimos detalhes da organização da nossa festa do pijama. Os lugares haviam sido definidos outrora, numa disputa amistosa enquanto moviamos os colchões para espaço amplo da entrada ㅡ verdade seja dita, os rapazes humanos continham um dom misterioso de extrair minha paciência, mesmo num jogo infantil envolvendo falanges e intelecto apurado. Desafortunadamente, eu perdi nas três vezes que ousei apostar com meu vizinho e primo, tendo que aceitar o espaço entre eles, embora a sensação de claustrofobia, provavelmente, limitasse meu tempo ao lado de ambos.

Posteriormente, entramos em debate quanto às atividades quais deveriam ser realizadas antes do ponto primordial da noite e pela insistência deveras enervante do platinado, cedemos ao anseio de cantar um número limitado de músicas no karaokê, seguindo por fim, para filmes clássicos e o descanso no manto de Morfeu.

Sentado no sofá, abraçando meus joelhos, admirava as performances da dupla, rindo com os movimentos descomedidos e línguas desconhecidas, inventadas no calor do momento, porém conduzindo-se às melodias animadas. Banana, desistindo de permanecer no quarto, acompanhava-me no estofado, dançando junto dos jogadores de futebol e ditando notas críticas a cada canção entoada.

A penúltima música escolhida havia sido Waka Waka (This Time for Africa), da Shakira e era impossível não gargalhar com os passos sincronizados, copiando os movimentos da cantora e da equipe de dançarinos, como verdadeiros profissionais; Hoseok arriscou dizer o quanto queria uma saia para complementar a vestimenta do show.

Quando BANG BANG BANG, do BIGBANG, iniciou, a dupla fôra interrompida por batidas incessantes na porta e o ressoar da campainha reverberando nos tímpanos. Como anfitrião, arrastei-me para o local, destrancando a fechadura e abrindo apenas uma fresta, franzindo o cenho ao fitar Yoongi hyung usando um pijama rosa-bebê e ostentando uma expressão enfezada.

Ravena, será que dá 'pra pedir 'pro Jung diminuir o volume? Eu 'tô tentando estudar. ㅡ cruzou os braços, mudando o peso dos pés.

Paixão? ㅡ olhei por cima do ombro, assustando-me com a presença do mais alto.

ㅡ Mas que caralho!? ㅡ o rosto sereno mudou em segundos e pude perceber o suave enrubescer da pele pálida sob a luz dos postes. ㅡ Tô indo nessa, Ravena.

O azulado pôs-se a caminhar apressadamente em direção a sua casa, cogitando pular a cerca que separava os terrenos, contudo, optei por intervir, tendo uma ideia sublime.

Hyung, espera! ㅡ o alcancei, eriçando os poros com o frio no exterior da moradia. ㅡ Não gostaria de participar conosco? Vamos assistir a filmes de procedências duvidosas... ㅡ franzi o nariz, ainda processando as escolhas dos rapazes, evitando expor meus gostos, ou correria o perigo de precisar enfrentar uma batalha quanto a discrepância de gostos. ㅡ Seok disse serem seus favoritos.

ㅡ Vocês vão ver filmes de terror? ㅡ os olhos verde-musgos arregalaram e um pequeno sorriso surgiu nos lábios finos.

Balancei a cabeça positivamente.

ㅡ Ok... ㅡ o Min prolongou a sílaba, suspirando. ㅡ Mas, eu só vou aceitar se você me manter longe do Jung, caso contrário eu irei quebrar o nariz dele e voltar 'pra casa, tudo bem?

Tombei a cabeça, cético acerca da solicitação do mais velho, contudo, inferi tratar de uma temática única entre o médium e o humano, visto que, de fato, nunca havia os flagrado envolvidos em conflitos físicos, embora as palavras que soavam de suas cordas vocais obtivessem maior impacto do que um hematoma dolorido na epiderme.

ㅡ Claro, hyung.

JK! Cacete, é meu nariz em jogo. ㅡ choramingou, franzindo a boca.

ㅡ Se fodeu, garanhão. ㅡ Jimin bateu no ombro do platinado, com a falsa expressão de tristeza, adentrando na residência. ㅡ Escolhe mais um modão sertanejo 'pra finalizar a noite do jeito certo: triste, sozinho e chorando igual um recém-nascido.

Alexa, toca No Rancho Fundo ㅡ revirei os orbes, trancando a porta.

ㅡ Nem fudendo! ㅡ Yoongi interviu, tomando o microfone do platinado e voltei a me sentar na poltrona, abraçando os joelhos. ㅡ Hoje é sábado, os dias 'pro sofrimento é durante a semana.

Ué, por quê? ㅡ Jimin franziu o cenho, mudando drasticamente a expressão ao avistar Amora descendo a escada, atravessando o sofá para pegar a filhote no colo.

ㅡ Ter que ir 'pra escola e trabalhar já não é o suficiente, não?

No entanto, eu não sabia o quanto manter Jung Hoseok e Min Yoongi no mesmo local por mais de cinco minutos, com acesso ilimitado um ao outro poderia ser caótico. Enquanto os dois discutiam acerca das escolhas das músicas, Banana e eu dividiamos uma fatia de bolo, reparando nas interações explosivas e, Jimin, ocupando o espaço vago no sofá, rolava os olhos, suspirando audivelmente por conta da situação que havíamos nos colocado.

ㅡ Cara, seu gosto musical é terrível! ㅡ vociferou o azulado.

ㅡ São clássicos, Yoongi.

ㅡ Meu Deus... Eu desisto, não sei porque ainda tento manter uma conversa decente contigo.

Estalei a língua na boca, esticando a destra para alcançar o controle da televisão e o microfone, buscando alguma música qual pudesse apaziguar o tumulto dos garotos e conquanto meu interior revirava com a hipótese de cantar dentre outras pessoas, tinha noção de estar sendo observado e de esguelha, via o Park mirando-me, com a cabeça apoiada na canhota e um pequeno sorriso de canto.

Repousei o dígito sobre o botão principal, sem pressioná-lo, apreensivo quanto a iniciar a melodia vibrante de Levitating, da Dua Lipa.

O duende em meu ombro, murmurou palavras na língua materna e em curtos segundos, pesou em meu dedo, afundando-o na tecla redonda.

Jesus Cristo, sai da frente Hoseok, essa é divina! ㅡ gritou Yoongi hyung agarrando o segundo microfone e embarcou no som. ㅡ Ravena, me dê suporte.

Inspirei profundamente, começando de maneira tímida, entretanto, o azulado me puxou para ficar em pé e sequer percebi quando meu corpo remexeu-se no ritmo adequado e meu dueto com o Min tornou-se um espetáculo com direito a berros, palmas e assobios dos telespectadores. As luzes coloridas piscavam de acordo com as batidas dos instrumentos, criando uma energia surreal no lugar.

ㅡ "You want me" ㅡ o mais velho pronunciou, atuando com o rosto camuflado por uma faceta cafajeste.

ㅡ "I want you, baby." ㅡ completei, apontando o indicador em seu peito.

ㅡ "My sugarboo" ㅡ posicionou uma das mãos abaixo do queixo, mudando a face despudorada para uma inocente.

ㅡ "I'm levitating." ㅡ soprei um riso nasal.

ㅡ "The Milky Way" ㅡ o Min forçou um bico nos lábios, puxando minha camiseta com cuidado para que nossos troncos se encontrassem.

ㅡ "We're renegading." ㅡ terminei a estrofe, unindo nossas frontes.

ㅡ "Yeah, yeah, yeah, yeah, yeah." ㅡ nos afastamos em meio a gargalhadas, cantando exageradamente. ㅡ "I got you, moonlight; You're my starlight; I need you; all night; Come on, dance with me; I'm levitating."

Após alguns minutos, finalizamos a canção e a ausência de reação nos fez encarar os presentes. Pisquei diversas vezes, mirando os orbes castanhos compenetrados em mim, as bochechas rechonchudas coradas e os lábios carnudos entreabertos, expondo o aparelho dentário. O platinado, por sua vez, mantinha o rosto franzido e os olhos escuros centralizados unicamente no azulado, o qual colocou o microfone na estante e se distanciou, sentando no colchão e comendo algumas pipocas despreocupadamente.

Hmmm... Vocês querem assistir a algum filme agora? ㅡ indaguei, batucando os dedos na estrutura de metal do aparelho de som.

O avermelhado pigarreou, umedecendo os lábios e concordou; Banana riu da maneira como o rapaz aparentava procurar por algo, evitando contato visual com os demais. Funguei, desligando o karaokê e escolhendo uma das plataformas de streaming para deixá-los livres na escolha. Antes dos humanos determinarem as obras cinematográficas, demandei que nos ajeitássemos nos colchões e dispusemos as vasilhas de alimentos entre os cobertores, propiciando a quantidade pariforme de comida a todos.

Em dado momento, os pingos grossos de chuva foram ouvidos novamente e as luzes foram desligadas por completo. Yoongi ocupou meu lado esquerdo, enquanto Hoseok e Jimin ficaram com seus lugares de outrora, nas extremidades, com meu primo longe do azulado, mantendo-me em meio aos dois.

Passavam das onze horas quando o primeiro filme, Scooby-doo, e o monstro do Lago Ness, terminou e meu primo decidiu colocar uma dramaturgia de terror, alegando gostar do gênero, no entanto, supus que o Jung estava apenas tentando impressionar o Min, pela forma como as falanges longas apertavam o cobertor grosso.

ㅡ Qual a trama desse filme? ㅡ questionei, vendo os créditos na tela de plasma.

ㅡ Um homem compra uma boneca 'pra esposa e num dia, uma seita satânica invade a casa deles, em meio a invocação de um demônio, o capeta entra na boneca e o coisa ruim começa a perturbar e matar as pessoas. ㅡ Jimin respondeu com a boca cheia de biscoito, aconchegando-se. ㅡ Sinceramente, ter medo dessa porra deve ser desvio de caráter.

Com o decorrer do filme, perguntava-me o prazer humano em criar cenas fictícias envolvendo o sobrenatural, o quanto a sensação de excitação e estimulação emocional, causada pela catarse proporcionada, afetava seus cérebros a ponto de almejar a ansiedade e taquicardia como motivos sólidos a serem considerados.

Numa das cenas, o protagonista, sentindo-se desesperado e aterrorizado pelos eventos sobrenaturais constantes que cercavam a boneca Annabelle, decidiu descartar o brinquedo, jogando-a com força numa lixeira, desejando se livrar da presença maligna que ela representava. No entanto, suas ações desencadeiaram uma série de eventos perturbadores, como se a presença demoníaca estivesse retaliando sua tentativa de se livrar dela.

Franzi o cenho, mastigando algumas pipocas e Hoseok resmungou quando a protagonista machucou o dedo com a agulha da máquina de costura.

O fogão aceso, logo causou um incêndio e a mulher grávida levantou-se para verificar a razão do cheiro desagradável, gritando por ajuda conforme o fogo espalhava-se rapidamente pelo cômodo, criando um ambiente caótico. Desviei o olhar da televisão quando meu celular vibrou no sofá, todavia, não tive oportunidade para checá-lo, pois com o clamor da atriz, Hoseok agarrou em meu braço e um raio iluminou o breu.

As luzes se apagaram e gritos nenhum poucos másculos fizeram-me encolher pelo incômodo nos ouvidos. A sombra de um duende surgiu na parede quando outro relâmpago clareou a penumbra e me desvencilhei do platinado, arrastando os pés pelo carpete até o interruptor. Banana teletransportou-se para meu ombro e reclamou.

Seus amigos são escandalosos demais, bruxinho. Pensei que fosse parar de escutar.

Yoongi emitiu um palavrão e captei sua silhueta no escuro, pressionando o pé direito com as mãos.

Então, a voz de Hoseok esbravejou alto: ㅡ Tira a mão da minha bunda, demônio filho da puta!

ㅡ Ah! É você? ㅡ Jimin exprimiu e liguei a chave elétrica, estalando a língua com a falta de luz elétrica, porém, arregalei os olhos e prendi a respiração no peito, a voz baixa do avermelhado continuando: ㅡ Achei que fosse o Jungkook.

ㅡ JIMIN?!

As luzes coloridas se acenderam, revelando o caos na sala de estar. Meu primo esganiçou fino novamente, pulando sobre Yoongi hyung quando a sombra de Nana moveu-se na parede e, somente para provocá-lo, o duende foi capaz de imitar uma faca em sua canhota, gargalhando entre as trovoadas.

Essa será uma looonga noite.

O som da chuva caindo no telhado ecoava no interior da residência, as trovoadas faziam meu corpo arrepiar por baixo das cobertas e, a televisão em volume baixo, dispersou o resquício de sono e me obriguei a afastar o edredom pesado, acostumando os orbes a luz que vinha do televisor. Cocei as pálpebras, franzindo o cenho ao ver as cenas de Titanic e bocejei, mirando sobre o ombro, os meninos adormecidos.

Funguei, sentindo a estrutura corporal desconfortável com a posição que me encontrava e percebendo a perna de Yoongi acima do meu colo, o empurrei com cuidado para não o despertar e impulsionei a coluna para cima, me encostando no sofá, onde Banana dormia, usando o rabo felpudo de Amora como coberta. Meus globos oculares incidiram pelos humanos e a confusão tomou minha mente ao captar os braços do Min circulando a cintura do meu primo, o qual babava no travesseiro, enquanto, atrás de mim, Jimin estava completamente coberto e com a expressão serena.

Cautelosamente, rastejei para fora do emaranhado de tecidos grossos e lençóis, caminhando lentamente para a cozinha na ponta dos pés. Próximo do arco de concreto, baguncei meu cabelo, acendendo o interruptor.

Enchendo a chaleira com água da torneira, coloquei o recipiente no fogo e procurei nos armários o pote com flores de camomila, aprontando uma xícara de chá quando o chiar do líquido anunciou o ponto de ebulição. Sentado na banqueta disposta no balcão, observava as gotas de chuva no vidro da janela, lapsos das cenas transcorridas nos meus sonhos penetrando a mente e, bebericando a infusão adocicada, refletia acerca dos determinantes, absorto quanto o significado ou o tanto qual recordava.

"Envolvido pelo véu da escuridão, no silêncio, ouvia unicamente o ruído dos pés descalços, os quais ordenavam a cadência irascível do órgão cardíaco. Os sentidos vigilantes captavam a mínima movimentação do redor e incapaz de ver no breu, os pelos arrepiados do corpo, no entanto, ditavam o estado de alerta cujo penetrava meu cérebro, instigando o sistema nervoso a afastar-se do perigo à espreita.

Os tímpanos zuniam na balbúrdia de vozes, gritos e pedidos por clemência, o carpo direito queimava como ferro em brasa impelindo as unhas curtas a pressionarem a pele, arranhando-a e cortando a camada fina de tecido adiposo, manchando as vestes com gotas densas do líquido rúbeo. A dor aguda nas têmporas fazia o entorno rodar, tal qual um veículo desgovernado em alta velocidade, e o pulsar rítmico das artérias diminuia paulatinamente, asfixiando-me com a ausência de oxigênio nas plaquetas.

Com a mente turva, sequer pude controlar os movimentos austeros dos membros inferiores, tropeçando num objeto pontiagudo preso no solo. A visão aguçada em consequência do sangue sobrenatural, focalizou nos túmulos e mausoléus iluminados pela luminescência parca do satélite terrestre tomado por um tom vívido de vermelho.

As gotas de chuva que escorriam na pele imaculada formavam uma poça sob os pés desnudos manchando o tecido adiposo com respingos de lama ominosa do cemitério. Um arrepio percorreu a espinha quando o primeiro toque, frio como gelo, entrou em contato com o calcanhar, seguido de tantos outros, coatando para o umbral e o medo invadiu o cerne.

Lutando contra o eco de brados que desnorteavam a cabeça, usando todos os músculos do corpo e o fôlego que ainda restava, soube, no exato instante em qual os ossos cederam, que não haviam mais motivos para persistir. Sentia os espíritos perfurarem o interior com unhas afiadas, procurando por algo que não os pertencia.

E mediante as lágrimas dolorosas, sorri, me entregando ao último suspiro.

O sofrimento ao qual fôra condenado durante os dias tinha encontrado seu fim. Os lamúrios e súplicas não obtinham mais propósitos e o choro das constantes noites de insônia encontrou seu desfecho. E, sobretudo, a dor já não amortecia meu âmago, o devastando pouco a pouco como madeira consumida pelo fogo ardente.

O corpo imergia nas águas pútridas e, como um gesto instintivo, levantei a destra tentando agarrar algo numa vil fagulha de esperança e olhei para o céu coberto por pontos brilhantes antes de fechar os orbes, desaparecendo no mar de almas revoltadas. Porém, antecedendo a perda do imo, o toque firme no pulso fez urrar pela dor atroz que o tomou e as batidas contra o tórax voltaram de maneira violenta, compelindo a respirar novamente.

Preso entre os dedos, o rosário de pedras preciosas queimava na chama púrpura, cuja alastrava-se pelo corpo, percorrendo as linhas aparentes dos vasos sanguíneos e os desenhos na destra brilhavam em dourado. O compasso dos pulmões ardia no peito e as entranhas forçavam a expelir o conteúdo do estômago. Os nós dos dedos ficaram brancos em razão da força contra o material ferroso que feria a epiderme, marcando-se de sangue e, as vozes repercutiam na mente, clamando por misericórdia.

Suplicando por uma única gota do líquido capaz de ceder vida aos mortos, e morte aos vivos.

De vereda, a brisa salgada do oceano desalinhou os cabelos, adentrando as narinas. Piscando os olhos, acostumei as escleras a luz que provinha dos céus, a qual afastava os espectros, que pronunciavam blasfêmias entre o alarido e, exaurido fisíca e mentalmente, suspirei quando as águas frias do mar lavaram a pele manchada pelos obsessores.

Contudo, a inspiração se perdeu no caminho para os órgãos principais, obstruindo a traquéia quando os lumes miraram o píer decrépito. A visão do passado em cima da estrutura, refletindo acerca dos dias na Terra, matutando se aproximar a curtos centímetros da ponta, esforçando-se para convencer a mente perturbada pelas falácias malevolentes, acerca do que seria propício para o futuro de toda uma comunidade mística.

O tremor nos ossos reverberava para o exterior, conectando alma e sangue. O céu acinzentado testemunhava o garoto aflito, disputando contra seus pensamentos sobre a dignidade da sua existência e, a cada segundo, as ondas abaixo se tornavam mais impiedosas, balançando as colunas cobertas por musgo. Preso na própria consciência, sem forças para impedir as cenas seguintes, lágrimas escorreram pelo rosto, manchando a areia branca com o fluído negro, assistindo, tão jovem e imaturo menino, cair na água e ser engolido pela maré alta.

O cheiro de sangue mesclou-se com o odor marinho e as mãos trêmulas chegaram aos lábios, os cobrindo diante do terror ao ter o corpo, trazido pelas ondas do mar sangrio, sobre meu colo. O reflexo das íris azuis nos olhos esmarridos fez rancor adentrar no âmago e dedilhei a face pálida, o líquido punício escorrendo pelas falanges propiciando as gotas despejarem-se na derme putrefata e o agarrei contra o peito, implorando por perdão enquanto o choro se agravava, provocando solavancos violentos da coluna.

Cantarolei uma canção de ninar obsoleta com a voz embargada, acariciando os fios castanhos com brandura. Meu nome fôra invocado pelos sussurros conhecidos, no entanto, apertei o corpo do garoto com robustez, assustado com a possibilidade de perdê-lo para sempre.

ㅡ Precisa deixá-lo ir, ele não lhe pertence mais.

Não.

ㅡ Ele sempre estará contigo, existindo dentro de ti. Não pode o impedir de seguir seu destino, pois isso lhe atrapalha em seu próprio, Jungkook. Se respeitá-lo, honrá-lo e o amar como parte do seu âmago, o terá vivido dentro do seu coração.

Vislumbrando o rosto com sardas claras, a mente encontrou-se livre de pensamentos, restando unicamente a angústia do luto e depositando um beijo na fronte, estalei os dedos, formando uma cama das suas flores mais estimadas, depositando o corpo com cuidado nas águas cristalinas, caindo de joelhos ao vê-lo se distanciar nas ondas, as quais mostraram compaixão ante o sofrimento latejante. Encarei o horizonte com os olhos marejados, ouvindo o granjear das gaivotas e o atrito do oceano nas rochas, entretanto, o toque no ombro esquerdo me fez desviar a atenção para as falanges infantis que se arrastavam por meu braço, entrelaçando-se a minha destra.

Jungkook..."

ㅡ Jungkook?!

Virei depressa, franzindo o cenho ao fitar Jimin Park com os lumes inchados, cabelos arrepiados e pupilas dilatadas e, sob o olhar do avermelhado, minhas bochechas aqueceram.

ㅡ Te chamei diversas vezes... Teve um sonho ruim? ㅡ dedilhei a caneca em minhas mãos, ignorando o saltar do órgão cardíaco por causa do timbre rouco. ㅡ Você 'tava resmungando e se mexendo bastante depois de dormir, Jujuba. Juro que pensei te ouvir chorar...

ㅡ Oh! Eu lhe acordei? ㅡ questionei, quase inaudível. ㅡ Perdão! Não costumo ter pesadelos... Sinto muito, hyung.

ㅡ Tudo bem. ㅡ soprou um riso de canto, mostrando o aparelho dental. ㅡ Tenho dificuldade 'pra dormir, esqueceu, príncipe? ㅡ revirei os orbes, desviando a atenção para meus dedos em contato com a cerâmica. ㅡ Quer conversar sobre o teu pesadelo? Posso te fazer companhia enquanto estiver acordado, meu bem.

Suspirei, deslizando a franja para trás da cartilagem e mordisquei a pele interna da boca, refletindo se deveria narrar ao avermelhado acerca da sequência de sonhos com presenças marcantes e elocuções de efeito, como se houvessem sido treinadas para aquela situação, para que não surgisse nenhuma falha no percurso ou, poderia o ludibriar com um conto inventado, à respeito de monstruosidades mágicas e cenários medonhos. Entretanto, reprimi um sorriso por constatar a faceta apoquentada do rapaz, detestando o quanto seus olhos castanhos afetavam o subconsciente e faziam as mariposas alçarem voo no estômago, encontrando a cavidade que as levaria para a garganta.

Jujuba, 'tá tudo bem? ㅡ a pergunta fôra proferida retoricamente, causando mais graça dentro da minha cabeça e por esse motivo, fechei os olhos; a tarefa de impedir o sorriso em meus lábios de se alargar, quase impossível. ㅡ Jesus Cristo! Você 'tá me deixando nervoso...

Cedi aos músculos faciais a permissão de se comprimirem para sorrir sem remorso, inspirando o ar profundamente diante das lembranças rasas do sonho de outrora. Entretanto, arregalei os olhos, congelando ante o tato inesperado do dorso da canhota quente do Park na lateral da minha face e suspirei, conectando as íris às semelhantes alheias.

ㅡ Estou bem, hyung. ㅡ cochichei, repuxando os lábios num sorriso pequeno e sobrepus a destra na mão do mais velho, afastando o toque da derme corada. ㅡ Deveríamos estar dormindo... Gostaria de tomar algo para a insônia? ㅡ sugeri, escondendo o rosto com a caneca estampada em decorrência da vergonha em convidá-lo para algo frívolo. ㅡ Posso preparar um chocolate quente.

ㅡ Se você me mandasse ir 'pro inferno, eu iria feliz, príncipe. ㅡ soprou a respiração pelas narinas, erguendo os ombros brevemente e mordisquei a bochecha interna, o vendo escorar-se na bancada e sustentar o rosto com ambas as mãos. ㅡ Eu quero, Jujuba.

Contudo, o sorriso desfez-se da minha face quando os olhos alheios oscilaram para vermelho e suspirei, descendo do assento e locomovendo em direção da geladeira. Peguei a caixa de leite no eletrodoméstico, sentindo os olhos do convidado fixos nas minhas ações e, acomodado sobre um dos bancos, o avermelhado manteve-se em silêncio. Despejei o líquido branco na jarra de ferro, ligando o fogo baixo para levantar fervura e encostei o quadril na pia, cruzando os braços ao passo que mirava Ariel e as enormes olheiras arroxeadas abaixo da linha d'água.

ㅡ Você tem feito as infusões que recomendei para a insônia, hyung? ㅡ ciciei.

ㅡ Sim... Quer dizer ㅡ coçou a nuca, desviando o olhar para as mãos. ㅡ Geralmente chá de camomila me ajuda a dormir por umas cinco horas, mas não tenho tido tempo 'pra preparar antes de ir 'pra cama. ㅡ elevou os ombros, deitando na bancada sem desviar do contato visual.

ㅡ Oras, Jimin! Basta apenas alguns minutos, como pode alegar não ter tempo? A sua saúde deve vir em primeiro lugar. ㅡ ralhei, embasbacado com a argumentação fajuta, utilizada pela segunda vez em quatro dias. ㅡ O recomendado seria que iniciasse uma rotina diurna de cuidados alimentares, mentais e físicos, para quando a noite chegar adormeça sem dificuldades.

ㅡ Não é necessário, meu bem. ㅡ o encarei com indignação, o sorriso ladino me irritando pela tremenda cara de pau. ㅡ É sério, Jujuba, eu vou ficar bem, vou dormir direito quando for velho e ir morar em algum asilo.

ㅡ Da maneira como se porta, sequer conseguirá alcançar a velhice, Park. ㅡ estalei a língua na boca, colérico.

ㅡ Ei, é brincadeira! ㅡ arqueou as sobrancelhas, desviando o olhar pela primeira vez. ㅡ Jungkook, o leite!

Franzi o cenho, virando para o fogão e retorci o rosto em uma careta, desligando fogo de imediato, calculando o nível de sujeira causada pelo pequeno descuido. Inflei as bochechas, liberando o ar devagar. Limpei a baderna com a esponja de louças e um pano limpo, reservando a vasilha fervente sobre o mármore da pia, rumorejando palavras soltas na língua materna, descontente com a razão qual me fez cometer um erro de magnitude quase irrelevante, porém inconcebível ao mais novo dos aprendizes.

Conquanto, sem justificativas concretas para tamanho sentimento negativo, moderei a respiração e finalizei a limpeza, me dedicando em completar o intuito para estar na presença do meu vizinho durante a madrugada.

ㅡ Poderia pegar o achocolatado no segundo armário, por favor?

ㅡ Sim, senhor capitão. ㅡ os globos oculares reviraram na órbita quando o mais velho bateu continência, sorrindo amplamente. Ariel averiguou o móvel indicado, agachando-se para procurar entre os pacotes de grãos e alimentos não perecíveis o pote de chocolate em pó, erguendo-o acima da cabeça ao achar, mostrando para mim. ㅡ Ãhn, permissão 'pra fazer uma pergunta, capitão. ㅡ manteve a anedota, dispondo o recipiente próximo da onde eu estava.

Oh céus! ㅡ apertei a ponte entre os olhos, temeroso quanto a possível inquirição do meu vizinho. ㅡ Permissão concedida, soldado.

Adicionei três colheres de achocolatado no leite e embarquei na tentativa boba de Jimin para fazer graça. Movendo a colher de alumínio no interior da jarra, pisquei incontáveis vezes, a saliva escorrendo na garganta como cacos de vidro pontiagudos e deveras abstraído no sorriso que me fôra lançado, prendi o lábio inferior nos incisivos, sentindo as orelhas esquentarem; em questão de segundos velozes, almejei me transformar em um bloco de manteiga e derreter sob a mirada quente do rapaz mais velho.

ㅡ Por que você toma isso? Nescau, é superior em níveis estratosféricos!

Num estalar de dedos, meu semblante fechou-se, pura aversão quanto a escolha de oração do humano.

ㅡ Oras! Como ousa ofender um legado com tal nível de ignorância? A concorrência jamais terá o significado afetivo e complementar do Toddy. ㅡ apontei a colher de madeira em sua direção, quase a encostando na ponta do nariz de botão, percebendo o Park conter uma gargalhada. ㅡ Por Théa, você é um paspalho, Jimin. ㅡ cochichei, embora pretendesse que o rapaz ouvisse.

ㅡ Cite um motivo 'pro Toddy ser melhor, gatinho.

ㅡ O gosto marcante é maravilhoso para a confecção de doces.

ㅡ Discordo. ㅡ na iminência de intentar agredir o Park, à custa da feição prepotente, me limitei a fitar o humano com indiferença. ㅡ Nescau dissolve melhor e te dá mais energia.

ㅡ Todavia, possui sabor de plástico. ㅡ rebati, arqueando a sobrancelha esquerda.

Virei para pegar uma caneca no armário, não dando abertura para comentários acerca da minha fala, no entanto, acobertar o sorriso que insistia em crescer no meu rosto fôra árduo, sobretudo por captar os murmúrios atônitos de Jimin, assimilando que, apesar da carranca, o avermelhado se divertia com os diálogos acalorados. Enchi uma caneca do Capitão América com a bebida doce, estendendo-a para o meu vizinho em seguida, o qual tombou a cabeça, envergando a fronte ao passo que analisava o escudo tricolor na porcelana.

Assentei na bancada, soprando o líquido fumegante da minha xícara e sorvendo posteriormente. A sensação do chocolate quente descendo a fauce provocava as memórias da infância, prendendo minha mente no consolo proporcionado pelo calor materno nas noites de tempestades em Busan, onde somente o medo dos relâmpagos assolava meu gênio. Divergente a realidade passada, hodiernamente, o pânico dos raios vinha acompanhado de dezenas de outros e com a carência de conforto de Sunmi.

ㅡ Quando você fez outra tatuagem? ㅡ sendo fisgado do transe interno, o vinco no cenho denunciava a confusão. ㅡ No teu pulso, Jujuba.

Mirei o traçado escuro na derme e suspirei, dedilhando a louça fervente, de modo algum conseguindo elaborar uma mentira convincente para explicar a delineação do órgão cardíaco sobre a artéria. Contudo, a presença de Yoongi hyung adormecido no outro cômodo fez-me idealizar uma história persuasiva o suficiente para ludibriar demais indagações.

Ao menos, era o que eu considerava.

ㅡ Namjoon hyung comprou materiais de pintura, incluindo henna para tatuagens temporárias e, decidi experimentar. ㅡ ergui os ombros, ingerindo um pouco mais do conteúdo da caneca.

ㅡ Não sabia que você é ambidestro e nem que o Namjoon tinha aprendido a desenhar. ㅡ o líquido fumegante arranhou a garganta e apertei as pálpebras, instruindo a respiração para evitar me afogar. Esquecendo daquela particularidade, o olho esquerdo tremelicou e pigarrei, tentando desobstruir a traquéia. ㅡ Não precisa mentir 'pra mim, príncipe. ㅡ riu, zombeteiro. ㅡ Fiz minha primeira tatuagem escondido... Meus pais não sabem até hoje.

Hmmm, tens mais tatuagens além dessa? ㅡ apontei para os rabiscos no pescoço, cujos formavam o planeta saturno; sob a iluminação elétrica, os traçados coloridos tornavam-se perceptíveis.

ㅡ Tenho um dragão no peito esquerdo. Quer ver? ㅡ engasguei com a mistura infantil, tossindo, ao mesmo tempo que tentava estabilizar a respiração. Enfezei o cenho, encarando o rapaz de cabelos tingidos que sorria abertamente, as sobrancelhas grossas se movendo sugestivamente e o famigerado sorriso ladinho brilhando nos lábios carnudos.

ㅡ Pela Deusa, Jimin! ㅡ resmunguei, as orelhas queimando.

ㅡ Mas eu só queria te mostrar minha tatuagem, meu bem, quem pensou e imaginou besteira foi você, gatinho. ㅡ abri os lábios, buscando respostas para contrapor, todavia, as palavras se perderam na língua, ocasionando nas bochechas fervilhando diante da vergonha. ㅡ Eu tinha acabado de completar dezesseis anos e recebido meu primeiro salário, então, como eu gostava da lenda e sobre o que representava o dragão, decidi fazer. Foi difícil 'pra caralho esconder dos meus pais, principalmente porque na época, eu ainda morava com eles.

Mordi o lábio inferior, desarranjado com a maneira com a qual deveria agir.

ㅡ É sério, você quer ver? ㅡ repetiu o questionamento despudorado, conduzindo ambas as mãos para a barra da camiseta, cominando retirar a vestimenta.

ㅡ Por Théa, não!

Elevei o timbre vocal, arregalando os lumes e impulsivamente, para impedir o rapaz de despir-se, levei os membros superiores até os congêneres, cobrindo os dedos alheios com os meus ㅡ relativamente maiores ㅡ, ficando próximo demais do avermelhado. Solevei o olhar, encontrando as íris castanhas vidradas na minha face e engoli em seco, as mariposas causando cócegas no estômago. Todavia, observando rapidamente a movimentação dos adolescentes no cômodo principal, permaneci estático durante alguns segundos, aguardando por possíveis controvérsias com humanos.

E, como de costume, o riso frouxo de Jimin causou um rebuliço nos órgãos internos.

Ariel, você é terrível!

Intentando postergar minhas mãos, jamais imaginaria que com um gesto hábil, suas falanges contornariam meu pulso, fazendo o corpo pender para baixo. Temendo cair da bancada, apertei o vão entre o pescoço e ombro com a canhota, arfando com os lábios entreabertos quando os dígitos livres dedilharam minha cintura, abaixo do tecido do pijama; a pele sob os dedos cálidos, ardendo como brasa.

ㅡ Posso tocar, príncipe? ㅡ as respirações se mesclaram e, compenetrado nas íris castanhas, admirado com o vermelho soturno nas pupilas, assenti, embora não estivesse ciente da natureza do pedido.

Estremeci quando a ponta dos dedos resvalaram na epiderme, escorregando o tecido da camiseta do pijama o suficiente para obter a visão integral do novo desenho. Deslizou o indicador nos traços escuros, atenciosamente, repetindo a mesma conduta no dorso da destra, sorrindo labial ao segurar minha mão de maneira arcaica; como um cavalheiro, guiando uma dama nos séculos passados.

ㅡ Quais os significados delas? ㅡ sussurrou, o timbre grave.

ㅡ E-Elas... ㅡ pigarreei, inspirando profundamente. ㅡ Elas possuem origem na cultura da minha família materna. O sol de dez raios representa poder e glória. Na numerologia, o decimal dez é interpretado como um numeral totalmente cheio de ausência, mas simultaneamente, completo de magnitude. ㅡ recuei o indicador ao encostá-lo na mão de Jimin, fungando enquanto passava a relatar sobre o segundo símbolo: ㅡ A lua cheia e crescente significa o tempo, sendo o oposto do primeiro, retratando a fragilidade, beleza e carinho, é conhecido como um amuleto pagão.

ㅡ A estrela de sete pontas, por sua vez, exprime os sete dias da semana, os sete deuses, as sete cores do arco-íris, as sete estrelas viajantes, os sete cantos do universo e, também, a conclusão cíclica e renovação. ㅡ toquei a última marca, crispando os lábios. Jimin aparentava estar atento à explicação, constantemente deslocando o olhar curioso da minha mão para meus orbes. ㅡ A cruz ansata é de matriz egípcia, indicando a vida após a morte, no entanto, na tradição... ㅡ interrompi minha própria fala, por pouco entregando minha verdadeira espécie. ㅡ Na tradição da minha família representa proteção, imortalidade e a reencarnação.

ㅡ E o que isso significa? ㅡ encostou na citação grega.

Até a última pétala. ㅡ murmurei, pregando a atenção nas letras distintas, o curso do polegar alheio acima das sílabas provocando a sensação de choques na corrente sanguínea, me fazendo afastar o membro instintivamente, assustando-o.

ㅡ Combina contigo. ㅡ proferiu, coçando a nuca.

Como dois desconhecidos, embarcamos na quietude categórica da madrugada, somente ouvindo a chuva pesada caindo no jardim. Porém, em determinada altura, Jimin apoiou o corpo no balcão que dividia os cômodos, olhando para os adolescentes no conjunto de colchões, ainda abraçados e envolvidos no manto de Morfeu. A televisão iluminava a sala de estar e enxergando as cenas finais do filme de outrora, desci da bancada, recolhendo as canecas sujas de achocolatado, as colocando na pia para lavar mais tarde.

ㅡ Fui iludido pela primeira vez quando a Rose deixou o Jack fora da merda da porta, sabendo que teria espaço 'pros dois. No mínimo, ele poderia ter pego uns dos escombros e feito companhia 'pra ela, ao invés de ficar na água. ㅡ o Park desferiu um tapa fraco contra o mármore da bancada, revirando os olhos. ㅡ E, depois de tudo, a Rose conseguiu se casar e ter filhos... Tipo, se eu tivesse uma paixão ㅡ tocou o próprio peito. ㅡ Como a que ela teve com o Jack, acho que nunca mais me apaixonaria por ninguém. É questão de respeito!

ㅡ Você gosta de Titanic.

Afirmei, surpreso com a revelação.

Oras, tratando-se de Jimin Park consolidar com certeza qualquer prognóstico, se igualava a firmar um mistério do mundo contemporâneo. Inferindo por quem mostrava-se ser, eu diria que o avermelhado adorava películas de ação, essencialmente os que retratavam ficção científica ou situação improváveis na realidade mundana. Contudo, conclui que o fato do rapaz preferir romances, completava sua personalidade cativante.

ㅡ É meu filme favorito! ㅡ a expressão mudou subitamente; se antes Jimin sustentava um semblante frustrado quanto a trama do longa-metragem, agora ele sorria animado. ㅡ Costumava assistir com meus avós quando era criança, mas depois da morte do meu vô e com a dona Jayoon saindo 'pra namorar todos os dias, acabei seguindo com o hábito sozinho. ㅡ o avermelhado me fitou de soslaio, deitando a cabeça nos braços cruzados. ㅡ Acha que eles se resolveram?

Hmmm...? ㅡ rolei os lumes pelo entorno, compreendendo acerca da indagação do rapaz mais velho ao vê-lo indicar os adolescentes na sala de estar. ㅡ Ah! Não poderia afirmar qualquer coisa, porém, suponho que Yoongi hyung teria o início de um síncope se conseguisse ver-se abraçando o meu primo. ㅡ rimos baixinho e imitei a posição do Park. ㅡ Seria capaz de me dizer o que existe entre eles?

ㅡ Por onde eu começo? ㅡ formou um bico nos lábios. ㅡ Hobi é um canalha. Desde quando éramos menores, ele sempre dava flores e chocolates 'pras garotas, mas depois que entrou na adolescência, piorou. O que eram cantadas fofas e presentes bonitos, virou em ficantes diferentes por dia, saídas noturnas e promessas de amor não correspondidas, porque Hoseok detesta compromisso, mas sente um fogo enorme por beijar na boca e oferecer prazer aos companheiros. ㅡ o rapaz cerrou as pálpebras, prosseguindo depois de um bocejo: ㅡ Quando Yoongi se mudou 'pra cá, a convivência deles era um verdadeiro tormento. Mas, isso meio que fez o Hoseok se apaixonar ㅡ sorriu preguiçosamente. ㅡ Acho engraçado como o seu primo foi gostar do primeiro cara que rejeitou ele, mas não tenho poder 'pra julgar. ㅡ pisquei os olhos, hermético quanto a proposição do garoto. ㅡ E, bem, o Smurf descobriu a fama do Hobi antes de o conhecer pessoalmente e como dizem: a primeira impressão é o que importa.

Processando as informações deferidas pelo mais velho, foquei as íris nele quando o tato sutil na minha franja se tornou perceptível e cerrei as pálpebras ao ter a mecha roxa arrastada para trás da cartilagem. O Park ocasionava em meu âmago emoções divergentes, conquanto minha relação aos outros garotos, jamais havia cogitado sentir tantas mariposas batendo asas contra as paredes do estômago, mesclando adrenalina no sangue e sorrisos involuntários; desde o primeiro instante que o vi, Jimin causou o caos em minhas elucubrações, deteriorando o equilíbrio aperfeiçoado no decurso da minha vida como bruxo e desestabilizando a magia e a estrutura qual a protegia.

O deslizar do dígito nas bochechas, alcançando a ponta do meu nariz me compeliu a separar os párpados e mirar o sorriso metálico, os orbes concentrados na ponta do indicador.

ㅡ O que está fazendo? ㅡ minha voz saiu num fio, arguciosa.

ㅡ Conectando as estrelas com suas devidas constelações, príncipe Jujuba.

Soltei a respiração gradativamente, descansando os conjuntos de células corpóreas, observando no silêncio a incumbência do humano, o qual contemplava cada salpico marrom propínquo na pele corada. Embora o contato caloroso provocasse calafrios inconscientes, tolerei ao Park percorrer os centímetros da derme como almejava e, experienciei ser uma pequena galáxia vagando no universo, sendo catalogado por algum insigne astrônomo, cujo importava-se com a solidão de um cosmo.

Entretanto, quando os dedos resvalaram no lábio superior, abruptamente aprumei a postura, a saliva deslizando na garganta como vidro, o coração demasiadamente veloz e a função dos brônquios interrompida.

ㅡ E-Eu, hmmm... ㅡ as sílabas fugiram da boca, impedindo a organização de qualquer sentença para explicar o desespero súbito.

ㅡ 'Tá tarde, meu bem, vamos dormir ㅡ assenti, mordendo o lábio inferior.

Jimin levantou primeiro, calçando as pantufas de borracha dadas por meu pai e estendeu a mão na minha direção, aguardando que eu a segurasse com a expressão arteira brincando na face pálida. Refleti se valeria o esforço em ceder aos encantos cafajestes do humano e por fim, rolei os orbes, deslizando as falanges nos dedos menores, tendo o apoio cavalheiro para me colocar em pé e, o avermelhado fez pouca questão de soltar minha mão, arrastando-me para o cômodo próximo vagarosamente, apertando nossas mãos unidas e desligou as luzes da cozinha. Contudo, no exato segundo, o breu apoderou-se do andar em consequência de uma queda de energia e por alguma razão irresponsável, na escuridão, o rapaz virou-se de costas e caminhou sem desviar os globos oculares dos meus por nenhum segundo ㅡ embora desejasse, preferi me manter em silêncio e permiti-lo agir por sua conta, tendo a visão ampla de suas ações abstratas.

Jimin esbarrou o cotovelo num dos apetrechos de enfeite de Junghyun e separei nosso contato para segurar a peça de porcelana antes que se chocasse com o chão, respirando aliviado ao devolver o objeto no lugar determinado pelo médico. Porém, eu não esperava que o Park fosse o desastre em pessoa em ambientes escuros, pois em poucos segundos, enquanto ria dos meus reflexos precisos, precisei o impedir de ser assassinado no dia seguinte diversas vezes, na última delas, utilizando magia para um pote de mel não melecar todo o piso.

Então, a luz do televisor acendeu novamente e voltei a respiração como ordenava a biologia; os braços cheios de recipientes, peças decorativas e vasos de cactos ornamentais.

Minha nossa!

Resmunguei, ajeitando as coisas em seus devidos lugares com tento milimétrico, sabendo o quão conciso meu genitor era com tais especificidades.

ㅡ Escolhe o filme agora, príncipe. ㅡ estendeu o controle e me ajustei debaixo dos cobertores, cobrindo o casal com uma das mantas coloridas, mordiscando a bochecha interna, olhando-os dormirem serenamente; sequer aparentavam se odiar durante a luz do dia. ㅡ Vou no banheiro.

Balancei a cabeça, deitando no meu travesseiro e vasculhando os aplicativos de streaming, procurando por alguma trama contagiante. Rolei a tela diversas vezes, insatisfeito com o catálogo apresentado, digitando e apagando nomes de filmes, trocando os programas, lendo resenhas e sinopses, entretanto, suspirando desanimado, selecionei a barra de pesquisa e teclando letra por letra, enfim localizei a escolha perfeita.

O Serviço de Entregas da Kiki.

A presença tangível de Jimin sobressaiu das sombras, se jogando sem o menor receio no emaranhado de cobertas, me compelindo a inspirar profundamente para não agarrar seu pescoço e estrangulá-lo diante de tanta bagunça inconveniente, substancialmente por eu prezar a quietude da madrugada. O Park se remexia sucessivamente, variando as posições em intervalos de curtos segundos e parecendo desistir de confrontar a má disposição do corpo, bufou, olhando para o filme que transcorria na televisão.

ㅡ Você é idêntico a bruxinha, Jujuba. ㅡ meu estômago gelou com a constatação, todavia, conservei os olhos na animação.

ㅡ Como chegou a essa conclusão? ㅡ murmurei falho, a ansiedade percorrendo meus poros.

ㅡ Os dois trabalham com entregas de doces, mas ao contrário dela, você faz e entrega... Bem, desse jeito vocês não são idênticos. ㅡ cochichou a última parte, crispando os lábios. ㅡ Só que os dois têm gatos pretos e sempre 'tão ouvindo música... Aish! ㅡ chiou de repente, se mostrando absorto quanto os próprios argumentos. ㅡ Entendeu o que eu quis dizer? ㅡ por fim, aquiesci, vislumbrando o conflito interno do meu vizinho na sombra dos olhos cansados.

O humano se virou de lado no colchão, apoiando o cotovelo no travesseiro e escorou a face na destra, esmagando a bochecha rechonchuda, comprimindo a carne da boca e funguei, incomodado com o par de olhos inflamando sobre mim.

Jujuba ㅡ rolei os lumes do televisor para meu vizinho, aguardando para ouvir a finalidade da solicitação. ㅡ Toda família grega é do mesmo jeito?

ㅡ Como?

ㅡ Eu assisti um filme chamado Casamento Grego ㅡ vasculhei na memória o título da obra cinematográfica, meândrico com a questão repentina. ㅡ Honestamente, eu assisti só a continuação e, bom, imaginei que você sendo grego saberia dizer se a maioria das famílias gregas são daquela maneira.

Referindo a descendência ocidental, presumi que o Park alegava a respeito do caráter caótico, exagerado, impetuoso e escandaloso da pluralidade grega. Porém, o cunho bruxo divergia em certas imposições, concernindo no verdadeiro antônimo de privacidade e sinônimo de teimosia, unidos mesmo com a premissa de um apocalipse ㅡ tal como farinha e água ㅡ, confiantes da promessa ancestral de proteger uns ao outro com o próprio sangue se, acaso, necessário e obstinados em seguir tradições arcaicas, independente das escolhas vigentes.

Hmmm, sim... ㅡ dei de ombros. ㅡ Todavia, devo garantir que as famílias de descendência greco-italianas podem superar as expectativas. ㅡ soprei um riso envergonhado, consciente da veracidade quanto a índole dos parentes de sobrenome Lee e demais grupos de povos hiperbolicamente perspicazes presentes em Mabeob.

O avermelhado anuiu, entretanto, visivelmente tenso, balançava os pés freneticamente, mordendo as cutículas, feridas outrora e os lumes, apesar de estarem vidrados no televisor, encontravam-se distantes da realidade. Enverguei o semblante, fitando o rosto alheio de soslaio, cutucando levemente abaixo do tórax, o incentivando a dialogar acerca do que estava o afligindo.

Todavia, uma resposta verbal não veio.

Ariel, porém, deitou de maneira apropriada no colchão, sorrateiramente estendendo o braço esquerdo na minha direção, encaixando o bíceps no meu pescoço e, ainda que, estranhasse as intenções do humano, permiti a atitude, me esforçando para ofuscar os pensamentos quais insistiam em projetar o enrubescer das bochechas, as mariposas agitadas e o coração desregulado. Tranquei a respiração quando seu queixo pesou no meu ombro e mordi o lábio inferior com força ao ter o tronco abraçado, ínscio quanto às novas sensações que transitavam no meu corpo.

Espiando o mais velho de baixo, senti um arrepio na base da coluna ao testemunhar as íris cintilantes em tons quentes e as pupilas dilatadas.

ㅡ Jimin.

ㅡ Oi, príncipe.

ㅡ Aconteceu alguma coisa? Seu coração está deveras alvoroçado.

Contrariando minhas expectativas, o Park gargalhou rouco, próximo ao meu ouvido e estremeci sob seus braços.

ㅡ 'Tô bem... Os mesmos problemas familiares de sempre, só que dessa vez, a Soso 'tá de castigo por ter matado três aulas avançadas de matemática 'pra visitar uma colega que ficou doente. Também tem todo um lance por causa do meu desempenho no futebol... Meu pai 'tá insistindo 'pra eu me inscrever num dos clubes nacionais, 'pra começar os treinamentos antes das audições do próximo ano e eu nem sei se quero ser um jogador profissional...

E enquanto o mais velho tagarelava, entregando-se ao mundo dos sonhos lentamente, adormeci sentindo o perfume infantil e seu abraço me protegendo, ouvindo as cenas do filme da minha infância no fundo. Definitivamente, eu estava sendo enfeitiçado por Jimin Park, perdendo-me na mera hipótese de também tê-lo enfeitiçado, muito antes dele ter ingerido a poção do amor.

Conquanto houvesse me mudado para Seul há alguns meses, pressupunha que jamais iria me habituar ao clima da capital. Embora fosse primavera, nuvens nimbostratus cobriam o céu coreano e, devido a baixa temperatura, um moletom do homem-aranha cobria meu tronco, enquanto o capuz protegia as orelhas da ventania.

Sentado em posição de lótus em frente a minha casa, observava a movimentação escassa da rua, saboreando uma maçã, com o caderno aberto numa atividade escolar, esquecido no colo. Banana praticava dobraduras com papéis de seda coloridos, assistindo a inúmeros tutoriais no meu celular e murmurava palavras incompreensíveis quando alguma das pontas desandava o processo completo, no entanto, na solidão daquele domingo chuvoso, estava grato pelo mau humor do duende, caso, afinal, Nana estivesse ocupado com outra tarefa nos cômodos da casa, a depressão atingiria seu ápice no meu interior.

Suspirei audível, mastigando o fruto morosamente.

O sonho que tive na noite passada parecia me perseguir como um predador faminto, turvando a realidade e me condenando ao receio acerca da simbologia dos seus cenários catatônicos.

Ao acordar naquela manhã, o revirar do estômago me compeliu a tropeçar nos meus próprios pés, me forçando a chegar no banheiro e trancar a fechadura desajeitadamente, regurgitando o conteúdo do órgão digestivo. Minhas mãos tremiam a cada contração do abdômen, lágrimas escorriam nas bochechas e o incômodo abaixo do tórax me fazia suplicar aos deuses por um alívio imediato ㅡ durante o período expelindo o suco gástrico, as recordações do pesadelo intermitente assombravam minha mente.

Não soube contabilizar o tempo dentro do cômodo, contudo, a atenuação do vômito me permitiu levantar com dificuldade e escovar os dentes, visualizando a imagem lânguida no reflexo do espelho, desde as zona escura abaixo dos olhos, os lábios ressecados e as íris opacas e, para não transparecer o mal-estar para quando os adolescentes acordassem, lavei a face, coordenando a respiração de acordo com o choro que rasgava a garganta, machucando-a mais do que outrora.

Eu não recordava dos acontecimentos posteriores do sonho, mas a sensação vivida do luto enfrentado por minha inconsciência, feria o âmago. A todo instante, as cenas retornavam como um alerta, provocando meu cônscio a ansiar por respostas para o sentimento crescente, causando atrito entre a razão e emoção, numa batalha silenciosa, a qual me conduziria a ruína sem remorso ou lamentações.

Inspirei calmamente, girando a chave na porta e ao abri-la, sobressaltei, me deparando com os três humanos me encarando com os semblantes preocupados. Rolei os orbes por seus olhos arregalados, no entanto, quando conectei minhas íris às semelhantes de Jimin, a saliva acumulou-se na boca e um novo espasmo estomacal, me obrigou a ajoelhar diante do vaso sanitário. Apesar de agradecer mentalmente, jamais pretendia permitir aqueles rapazes presenciarem a situação deplorável em que me encontrava.

Yoongi hyung segurou a franja que caia nos meus olhos, afagando minhas costas quando sentei sobre meus pés e ofegante, encostei a testa na cerâmica, com as pálpebras cerradas. O anélito descompassado era o único som preservado no ambiente, enquanto ninguém demonstrava-se apto a ditar qualquer consolação ou palavra teatral, ensaiada para situações similares.

O azulado auxiliou a me acomodar sobre a tampa do sanitário, dando a descarga e estendendo a escova de dentes indicada, pacientemente aguardando para espalmar minhas costas conforme meus movimentos, sem importar-se com a lentidão das ações e ausência de diálogo, interpretando meus desejos antes que eu sequer pudesse pensar em dizê-los. Fechei as mãos em punho, tentando fazer as falanges estagnarem o tremor, todavia, inopinadamente, os membros pálidos envolveram-nos aos seus, apertando minhas mãos com cuidado.

ㅡ Respira comigo, Ravena ㅡ o mais velho inalou o oxigênio, incentivando-me a imitá-lo e fiz como orientado, soprando o ar dos pulmões junto do garoto de olhos verdes. ㅡ Muito bem, Jungkook! De novo!

Meus músculos relaxaram com o exercício respiratório, provocando um bocejo quando Yoongi cingiu os braços em torno do meu tronco, sussurrando os comandos próximo da minha orelha. Em determinado momento, um sentimento de fragilidade atingiu meu peito e, influenciado a fechar os olhos, repousei o queixo no ombro do azulado.

Entretanto, se a magia correndo junto ao sangue nas artérias possuísse poder suficiente para voltar no tempo, eu teria batalhado contra os instintos e mantido os lumes atentos à realidade.

" [...] ㅡ O universo tem maneiras complexas de desestabilizar nossa confiança. Num dia possuímos absolutamente tudo e no próximo, ansiamos pelo nada, porque a expectativa de ter, é maior que somente obter. Você, no entanto, nunca almejou mais do que fôra destinado a ti e simplesmente, escolheram você como detentor de todo poder. ㅡ o sorriso infantil fez-me suspirar. ㅡ Os deuses costumam ser engraçados em suas escolhas, não é, Juju?

ㅡ Não imagina o quanto. ㅡ repliquei, abraçando os joelhos.

O menino possuía um nome, entretanto, indagá-lo não se era necessário por via da semelhança. Os cabelos castanhos possuiam reflexos púrpura nas pontas, as íris num intenso tom de azul começavam a mudar, escurecendo o orbe esquerdo em oscilações de curtos instantes, sardas respingavam nas bochechas rechonchudas e os caninos ausentavam-se do local pré-descrito na anatomia humana.

ㅡ Nosso epéteio enilikíosis⁴ está se aproximando, estou deveras ansioso para a cerimônia. ㅡ considerando adorável a animação do garoto, um sorriso serpenteou os lábios. ㅡ Como andam os preparativos? Você prometeu que iríamos para a Grécia... Oh! Conseguiu livrar-se daquele colégio? ㅡ entreabri a boca para responder às indagações, porém, fui impedido por outras. ㅡ E, por acaso, recuperou suas memórias? Devemos saber feitiços importantes para o ritual.

Um vinco criou-se no meu cenho, desfamiliarizado com tal circunstância.

ㅡ Como?

A expressão contente vacilou.

ㅡ Por Théa! ㅡ o murmúrio taciturno foi abafado pelas mãos pequenas. ㅡ E-Eu não deveria ter dito... Minha nossa! Como pretende ser o orgulho da sua família dessa maneira, Jungkook? Eles se sentirão ameaçados com sua falta de escrúpulos e não se portará como um líder tribal de acordo com as expectativas.

O coração apertou ao elucidar que a criança monologava consigo, recordando da forma severa como auto-sabotava a mente na infância. Repetindo incontáveis vezes as fofocas que ouvia esporadicamente para me tornar forte, suportando os sentimentos ruins tortuosamente.

ㅡ Não diga isso...

ㅡ Por quê? É a verdade. ㅡ formou um bico nos lábios. ㅡ Somos falhos! O gene incompleto numa família de demonstrações perfeitas, lembra-se?

Era mentira.

No entanto, se aos dezesseis anos, acreditar que jamais conquistariamos tal efeito era quase uma heresia, como poderia dizer a uma criança, em sua primeira década de existência, que estávamos destinados a provar o contrário, desolando o legado da família durante os anos que se passavam?

ㅡ E-Eu... Me desculpe!

ㅡ Você sempre pede por desculpas, mas continua cometendo os mesmos erros... ㅡ mirei a areia branca, o ouvindo se auto-flagelar como um vício, denunciando a amargura nas constatações. ㅡ Fez amizades com pessoas que podem lhe matar, confiando a eles sua segurança e liberdade. Pela Deusa, quando descobrirem irão nos destituir... Vovó não vai gostar nadinha, Juju.

ㅡ Não tem como saber, querido, nunca conseguiu a oportunidade de encontrar quem pudesse confiar. Fechou-se num casulo, desistindo sem sequer tentar, o medo consumiu seus sentidos e seus instintos são guiados por ele. Foges da escuridão, mas de forma alguma almejou encontrar a luz.

ㅡ Assim me foi ensinado. ㅡ o queixo tremeu e a primeira aparição de uma tatuagem surgiu no dorso da destra. ㅡ Nunca se esqueça, Jungkook, ninguém mostra sua verdadeira face de imediato e você nunca iria os contar a verdade se não o tivessem descoberto.

Bufei, escondendo a face com os joelhos e balancei os pés na água salgada.

Ele estava certo, nunca teria dito aos demais sobre não possuir cem por cento dos genes humanos, sequer cogitava a possibilidade de contar para Jimin, Hoseok, Seokjin, Taehyung e Alícia, porque divergente de Namjoon e Yoongi, eles nem mesmo tinham ciência da existência de outras espécies humanoides. Mordi o lábio inferior, solevando os orbes para observar a agitação do lado e passei a mão por todo o rosto, frustrado com a indelicadeza ao lidar com uma criança.

Hmmm, podemos juntar conchas, Juju? ㅡ o timbre agudo perguntou baixinho, coçando a nuca à medida que as bochechas enrubesceram.

Expeli a respiração pausadamente.

ㅡ Claro.

Bati as roupas, tirando o excesso de grãos de areia do tecido ao me pôr em pé, tendo a canhota agarrada pelo garoto e, correndo pela orla, observando o menino explorar a água marinha em busca do que cobiçava, pude recobrar as razões pelas quais era apaixonado pelo litoral e sua beleza capaz de trazer o caos e a calmaria, num equilíbrio simultâneo. Contudo, abruptamente, a presença do passado dissolveu-se na névoa que caiu no entorno e paisagem se metamorfoseou-se num conjunto de árvores de galhos caídos, análogas a pinheiros de inverno, porém, incapazes de serem discernidas em meio a neblina.

Sozinho, locomovi alguns passos adiante, em um ciclo repetitivo das nuances fantasiosas que rondavam como corvos. O farfalhar das folhas no solo rompia o silêncio, atinando os instintos e, enquanto adentrava a floresta escura, os ossos tremiam, a respiração pesava nos órgãos principais e o miocárdio alternava a velocidade em curtos segundos.

Destarte, atravessei uma pequena ponte de madeira e um caminho de luzes azuis translúcidas indicaram uma rota entre as árvores, guiando os passos para uma clareira iluminada pela luz noturna da lua, na qual meus olhos foram direcionados para um tronco espesso, contornado por escadas do mesmo material e no alto, uma porta entalhada brilhava por suas frestas. Apressei o andar, subindo os degraus velozmente, na intenção de encontrar uma saída para aquela quimera e imediatamente, virei o trinco de ouro, escutando o ranger das dobradiças.

Todavia, a vista tornou-se um campo de flores roxas, cobrindo o horizonte e me camuflando com o perfume selvagem e suave.

Plantada no centro do lavandário familiar, havia uma rosa vermelha como sangue. A textura das pétalas causavam cócegas e os pés descalços absorviam a energia abundante no chão de terra macia.

Parei a metros de distância da rosa e procurei pela presença daquele que me acompanhava, consternado por não poder o ver. Andei até a flor, esticando os dedos para tocar as pétalas delicadas, espetando o indicador em um dos espinhos. Uma gota de sangue pingou no chão, manchando a terra e, em seguida, uma violeta brotou como magia, tão arroxeada quanto um fim de tarde no verão.

Juju... Querido, como cresceu! ㅡ a voz íntima da infância alcançou os tímpanos e elevei o olhar, forçando a visão para enxergá-la através dos raios solares e as linhas d'água encheram-se de lágrimas instantaneamente. ㅡ Por favor, dê-me um abraço, meu pequeno.

Aproximei o corpo da mulher mais velha, levando os dígitos para o semblante maduro e tateei a derme diferente da maneira como recordava; alguns anos mais jovem. Crispei a boca, umedecida pelas gotas que deslizavam nas bochechas sem autorização, reconhecendo as características da matriarca Lee e de imediato, enlacei o pescoço alheio, abraçando-a com gana, o peito ardendo devido a saudade.

O perfume floral adentrou as narinas e a pressão dos braços magros contornando o tronco causou nostalgia de anos no passado, quando iniciei a adolescência mística e as memórias constantes regressaram.

ㅡ Senti a sua falta, Juju. ㅡ sussurrou, tocando nossas testas. ㅡ Deixei-o como um garotinho indefeso e tornou-se um homem. Estou deveras orgulhosa, Jungkook!

ㅡ Mesmo com as imperfeições? ㅡ murmurei, engolindo a saliva com dificuldade.

ㅡ São detalhes que podem ser consertados com o tempo, querido. ㅡ segurou o lado direito da minha face, sorrindo pequeno. ㅡ Desviar do caminho é normal na sua idade, Juju, mas quando assumir seu lugar em Mabeob, os erros cometidos no passado permanecerão onde devem, terá apenas que esquecê-los.

Ponderei acerca das orações, contingente quanto a clareza delas.

ㅡ E se não desejar esquecê-los?

ㅡ É seu dever, Jungkook. ㅡ uma fagulha de magia escura cintilou nas íris azuis e me afastei minimamente. ㅡ Quando retornar para Busan, prometa-me que garantirá sua herança e sua coroa de direito, como designa a tradição. Também precisará conter Sunmi para que ela permaneça na tribo e deixe de brincar de humana. ㅡ enxerguei as costas de vovó e pisquei, formulando uma ordem direta de pensamentos, me esforçando para compreender o que havia de errado. ㅡ Estão o corrompendo, Juju. Sempre deve lembrar que Busan é sua casa, enquanto Seul... Bem, a capital tornou-se um lugar para revoltas e... Oh céus!

A Lee girou no próprio eixo, mirando minha fisionomia com as pálpebras semicerradas.

ㅡDeveria ter prestado mais atenção na hora de preparar a poção. Sabemos o quanto duendes fazem bagunça, por isso decidimos mantê-los distantes das oficinas. ㅡ a feição irritada fez meus ossos tremularem e espontaneamente submeti ao olhar afiado, carregado de rancor. ㅡ Enfeitiçou um humano e deu-lhe autorização para também enfeitiçar-te. Tantos outros, como teve a capacidade de entregar-se a ele?

ㅡ Não entreguei-me a ninguém!

ㅡ Você não demonstra isso. Seu coração corresponde ao dele, o feitiço os interligou como ímãs e agora estarão conectados pela eternidade, embora sigam por caminhos contrários. Volte a sua terra imediatamente, antes que seja tarde para reverter a rachadura que arruinará sua vida, Jungkook.

ㅡ Por quê? ㅡ arregalei os lumes, sem intenção de confrontar a anciã, no entanto, as palavras somente fugiram das cordas vocais.

ㅡ Porque é o certo. ㅡ proferiu, evitando olhar em meus olhos. ㅡ Não quero o ver pagando por consequências que poderiam ser evitadas.

ㅡ Estou exausto desse falatório! ㅡ aumentei o volume vocal, sem dar importância para as regras de conduta hierárquica. ㅡ Cansado de escutar estar despreparado, cansado de ouvi-los agirem como se eu fosse uma criança inocente e principalmente, estou farto de esconderem coisas importantes de mim. Deveriam confiar na criação que deram-me, estudei durante a maior parte da minha vida, desisti de sonhos para suprir as suas expectativas e enclausurei-me numa caverna escura, com medo de ser encontrado, mas cobiçando pelo dia que alguém me forçaria a abandonar essa maldição e seguir por rumos diferentes. ㅡ apontei o indicador para a mulher de cabelo azul longo, sentindo o corpo aquecer conforme a raiva alastrava-se pelas veias. ㅡ Se serei líder de uma tribo, responsável por guiar nosso povo e orientá-los durante meu tempo como chefe, devo saber sobre tudo que nos cerca.

ㅡ Jungkook, isso não são modos de falar com uma pessoa mais velha. Você deve me escutar e manter opiniões apenas para si.

ㅡ Não posso.

ㅡ Como?

ㅡ Não posso! ㅡ fiz como ordenado, encarando a fisionomia enfurecida. ㅡ Não consigo mais suportar o fardo sozinho, não escutou o que acabei de falar, vovó? Estou exaurido, minhas forças se esgotam com frequência e desejam me afastar da única fonte de energia que ainda mostra-se eficaz nos meus dias.

Seu sangue impuro é a condenação das almas daqueles que mentem lhe amar.

A atmosfera se transformou e no momento atual, o campo de alfazemas estava morto, o céu escuro e nuvens de chuva anunciavam a tempestade que ocorreria posteriormente. À minha frente, usando um capuz para esconder o rosto, uma figura distinta fitava-me com um sorriso ladinho e na canhota, um rosário caia na cintura, cada conta tocada pingava um líquido denso e escuro na terra apodrecida.

Passado, presente e futuro, juntos numa única pessoa, portando todos os males do inferno em seu cerne, enviado para devastar o mundo dos pecadores. ㅡ sibilou o espectro, gargalhando como um psicopata. ㅡ A ironia nesse fato, se dá porque, agora, você também é um deles, bruxo."

ㅡ Como ele 'tá?

O aroma de lavanda penetrava meu olfato, recompondo-me de volta ao planeta Terra. Os tecidos musculares estavam tensionados, os dígitos pressionados na camiseta rosa bebê, afundando a pele do dorso do Min e, ao notar o quão doloridos os dedos se encontravam, aliviei a pressão, soltando o rapaz vagarosamente. Separei as pálpebras, mirando meus pés e desviei a atenção para as íris verde-musgo, vendo o rapaz sorrir gengival.

ㅡ Assustado. ㅡ proferiu e derrubei os ombros, sorrindo pequeno. ㅡ 'Tá se sentindo melhor, Ravena?

ㅡ Sim. ㅡ cochichei, pigarreando por conta do timbre rouco.

ㅡ O Junghyun vai chegar daqui uns dez minutos, ele... ㅡ Jimin coçou a nuca, estendendo minha xícara da Marvel. ㅡ Ele me passou as instruções 'pra fazer chá de hortelã... Espero que esteja bom.

ㅡ Obrigado, hyung.

Yoongi me ajudou a ir para a sala de estar e me acomodei na poltrona, acompanhando a movimentação dos adolescentes para terminarem de arrumar o cômodo ㅡ a maior parte do serviço fôra feito por Hoseok, enquanto Jimin tentava contatar meu genitor e o Min fazia-me companhia. Amora deitou no meu colo, balançando o rabo felpudo, mantendo os olhos bicolores atentos nos humanos, Banana, por sua vez, ocupava o ombro esquerdo do azulado, usufruindo da invisibilidade para desbravar novos meios de transporte.

Junghyun regressou antes do horário cotidiano, proferindo dezenas de perguntas, aferindo minha temperatura e em seguida a pressão arterial, receitando chás caseiros e drogas químicas com pouquíssimos miligramas. Narrou algumas informações sobre o trabalho e, notando o estado de exaustão do médico, solicitei ao Jeon mais velho que fosse recuperar as energias no seu quarto, caucacionando que minha saúde melhoraria depois de um repouso e assegurei que não realizaria incumbências bruscas.

Park e Jung não ficaram muito tempo, alegando que o avermelhado teria de trabalhar e o platinado aproveitaria a companhia do amigo, regressando a sua respectiva residência. O Min e eu, isto posto, tomamos café juntos após as nove da manhã, dialogando acerca do colégio, meus genes sobrenaturais e a sua possibilidade de ouvir espectros, destacando o quão belíssima ele considerava minha aura; cuja oscilava entre violeta intenso e azul-índigo. Tomei a liberdade de apresentar meu quarto para o azulado, omitindo a existência do casulo, incapaz de mostrar a outra face da moeda ao humano.

Em ensejo algum, o médium ousou mencionar meu estado de remoto, embora estivesse ciente do que sucedia-se no mais intrínseco de mim.

Próximo do almoço, me despedi do hyung e desfrutei da solitude para terminar algumas encomendas semanais, montando pilhas de embalagens recheadas por doces diversificados.

Posterior às atividades do dia, me encontrava num estado enfadonho, dedicando os minutos monótonos a comer a maçã e acompanhar Banana em sua aventura, apetecendo ornamentar a moradia com dobraduras de variados tamanhos, também usando as pausas para juntar pequenas flores no jardim vizinho para decorar os longos cabelos brancos, trançados outrora.

Finalizei a fruta e posicionei o caroço perto dos meus pés, ouvindo o miado baixo de Amora atrás de mim. Mirei os olhos bicolores brilhando e sorri labial, recebendo-a nos meus braços, acariciando as orelhas felpudas com carinho, entretanto, o sorriso carinhoso fôra substituído por um repuxar do canto esquerdo dos lábios, notando o camundongo preso entre os dentes afiados.

ㅡ Você foi caçar, garota? ㅡ sussurrei, a deixando livre para rodar em meu entorno, para somente então, largar o presente a centímetros da minha destra apoiada no chão. ㅡ Agradeço pela oferta, porém, teremos que dar um final digno para nosso amiguinho. ㅡ a felina mostrava-se atenta às minhas palavras, miando como se estivesse apresentando seus pontos no assunto, balançando o rabo comprido. ㅡ Infelizmente, não há nenhum motivo para oferecermos ele aos deuses. ㅡ soprei um riso desacreditado quando a gata preta chocou a pata dianteira no cadáver, lançando-o para a grama.

Conquanto desejasse ralhar com Amora, o ranger da porta atrás das minhas costas me assustou e virei a face depressa, encostando a cabeça na pilastra ao observar Junghyun esfregando os orbes, em seguida, arrumando o roupão escuro no tronco. O Jeon tirou os chinelos e se aproximou, acomodando-se junto a mim no degrau, bagunçando os cabelos castanhos.

ㅡ Conseguiu descansar? ㅡ o encarei de soslaio, ouvindo o ronronar baixo da felina de pelagem negra.

O humano assentiu, alongando os braços e inesperadamente, deitou no meu ombro, suspirando ao pegar minha destra, afagando meus dedos. Permanecemos nessa posição, em silêncio por quase dez minutos. Meu pai parecia perdido na própria mente, tocando as tatuagens com afeto, evitando meu pulso e comparando o tamanho de nossos semelhantes, sorrindo preguiçoso.

ㅡ Tua mão era tão pequenininha, mal cabia na minha palma. ㅡ murmurou, delineando as linhas abaixo da cicatriz causada por Amora.

Franzi o cenho, não podendo compreender a razão súbita para o Jeon proferir tais vocábulos e, inferindo tratar-se do estresse diário provocado pelo trabalho ㅡ e por mim ㅡ, fiquei calado, permitindo ao mais velho obter os sentimentos nostálgicos quanto à minha infância. De certo modo, era coerente que meus pais se sentissem absortos, os anos se passaram velozmente, apesar de ainda ser um adolescente na Coreia, para a comunidade bruxa, alcançaria a maioridade em quatro meses, encarando responsabilidades constitucionais antes de terminar o ensino médio.

Junghyun costumava explanar seus medos sem ressalvas, contudo, eu percebia que evitava falar dos seus receios acerca do meu futuro, ciente que o meu retorno para Busan se apropinquava velozmente.

ㅡ Quero te apresentar um lugar, filho. ㅡ ergueu as íris escuras e vislumbrando meu reflexo no brilho dos globos oculares, senti os olhos marejarem, de repente. ㅡ Mas, precisamos ir no mercado antes... ㅡ se colocou em pé, desordenando meu cabelo por baixo do capuz e sem aguardar por uma resposta, adentrou na residência acompanhado de Banana.

Guiei os olhos para minhas mãos, fitando os símbolos mágicos.

Nos lumes castanhos, contendo metade dos meus genes, me enxerguei por um ângulo divergente. O instinto primitivo me condicionava a resignar-se a imposição dos ancestrais, dominando hipóteses externas de outras realidades, além daquela tida como absoluta, porém, numa estrada de um único caminho, engendrou-se uma bifurcação, me direcionando a ensejos quais nunca imaginei nos meus dias mais sombrios, estreando expectativas para o futuro, além do dever.

O ar soprou pelas narinas, entrecortado, e limpei as linhas d'água molhadas, me erguendo.

Com Amora no meu encalço, subi para o quarto, trocando as vestes gastas por uma calça de moletom preta, uma camiseta de mangas curtas estampada com itens icônicos da década de 70 e cobri os braços com uma jaqueta jeans de lavagem escura, colocando meias coloridas e os all stars característicos. Esperei por Junghyun no sofá, rolando o feed do Instagram com o mínimo de interesse, momento ou outro, testando os filtros da câmera, descartando todas as fotografias tiradas nos segundos seguintes.

Fatigado com o atraso do meu pai, supus que aguardar no carro seria mais proveitoso, portanto, encaminhei-me para a garagem concentrado no ecrã do smartphone, assistindo uma receita de bolo vegano de chocolate com morangos. O espaço era novo para minha percepção, sendo um dos únicos lugares da moradia qual não havia visitado desde minha chegada em Seul, porém, não suspeitei das inúmeras caixas de papelão distribuídas no piso, substituindo o objetivo inicial para desvendar alguns dos pertences guardados.

Em suma, eram meramente bugigangas velhas, como livros, brinquedos e objetos de decoração cujos sequer pertenciam ao estilo da casa do Jeon. Vedei as caixas da forma como estavam anteriormente, estalando os dedos enquanto rolava os olhos pelo recinto, procurando por mais embalagens para averiguar, presumindo ter aberto a maioria, contudo, em cima da prateleira com apetrechos para o veículo estacionado, havia uma caixa intocada e, instigado pela curiosidade, tomei cuidado para retirá-la do alto.

A princípio nada mais eram que algumas embalagens de presentes de cores exorbitantes, mas ao deslocar os plásticos do interior da caixa, enverguei a fronte quando alguns papéis caíram com o movimento brusco e constatando uma foto capturada por uma câmera polaroid virada do avesso contendo uma marcação com caneta esferográfica no fundo do receptáculo, segurei-a, analisando a imagem diligentemente.

Arqueei as sobrancelhas ao reconhecer Junghyun, décadas mais jovem, tão parecido comigo, exceto pelas características humanas. Junto do meu pai, havia um garoto mais baixo, de cabelos loiros e extremamente familiar, ambos estavam interligados por um cachecol xadrez vermelho e à medida que o desconhecido olhava para a frente, o Jeon o encarava. Forcei meus orbes a enxergarem melhor pela baixa qualidade da foto e tombei a cabeça ao notar detalhes na aparência do loiro, arregalando os olhos por discernir os olhos felinos.

Filhote?

Em consequência do susto pela aproximação repentina do meu pai, soltei a fotografia acidentalmente, girando no meu eixo agilmente.

ㅡ O que você 'tá fazendo, Jungkook? ㅡ cocei a nuca e abaixei o olhar, envergonhado.

No entanto, os lumes cravaram na ponta aparente da polaroid debaixo da prateleira de metal e mordi o lábio inferior, ignorando a indagação do mais velho, me inclinando para juntar o item e limpei a poeira acumulada, fungando em seguida. Elevei os mirantes para o moreno, a diferença sutil das nossas alturas, imperceptível graças à curta distância que nos separava.

ㅡ Quem é ele, pai? ㅡ as íris castanhas vacilaram.

A expressão de Junghyun converteu-se sombriamente e pude ouvir o órgão cardíaco desritmado. Suspirei, derrubando os ombros e guardei os pertences do humano no lugar de outrora.

ㅡ Perdão. ㅡ clamei, cedendo aos princípios, presumindo ter ultrapassado os limites da individualidade. ㅡ Não era minha intenção chateá-lo, estava apenas curioso sobre as fotografias, especialmente pela aparência do outro garoto ser assustadoramente congênere ao-

ㅡ Jimin. ㅡ concluiu a frase, removendo a pele dos dedos, exasperado. ㅡ Seu nome é Park Minseok ㅡ pronunciou soturno, respirando profundamente. ㅡ Ele é pai do pirralho. Éramos amigos na época do colégio, mas após algumas situações entre dois jovens imaturos, perdemos o contato. ㅡ os orbes alheios se igualavam a abelhas dispersas da colmeia, sobrevoando lugares incertos, hesitando assentar em algum ponto típico, temendo as presenças no redor. ㅡ Mas isso não importa mais, Juju. Vamos, vamos, ou o supermercado vai fechar!

Recompondo-se, forçou um sorriso na face e apertou o botão respectivo para abrir o portão da garagem. Adentrei o veículo, ocupando o banco do passageiro, sentindo o peso de Banana no ombro esquerdo, durante o processo de atravessar o cinto de segurança no tronco. Meu genitor sentou-se no lugar ao lado, pondo a chave na ignição e repetiu os protocolos de precauções, ligando o BMW posteriormente.

Fisguei meu celular do bolso da calça, desbloqueando-o e conduzindo a tela para o aplicativo de mensagens, ignorei o grupo de bate-papo dos meus amigos ㅡ o fato dos quatro adolescentes passarem a maior parte dos dias trocando figurinhas, vídeos e assuntos caóticos, já não me surpreendia, exceto quando Yoongi e Namjoon iniciavam pautas políticas, provocando Seokjin a silenciá-los ㅡ, clicando sobre a conversa inativa com minha progenitora, aflito com a ausência de sinais da Lee; inconscientemente, a ansiedade acerca do paradeiro da mulher causava reações nervosas no meu corpo.

ㅡ Sunmi ainda não te respondeu?

ㅡ Não... Tento crer que ela está apenas desfrutando da lua de mel, porém, é impossível não me preocupar com a minha mãe. Sunmi não costuma demorar tanto para responder minhas mensagens... ㅡ diminui o timbre vocal, fitando a última tentativa de contatá-la de manhã. ㅡ Acredita que possa ter ocorrido algo?

ㅡ Sua mãe sempre foi desligada da realidade, filhote, com certeza ela 'tá aproveitando as praias brasileiras com seu padrasto. ㅡ expirou o ar pelo nariz, girando o volante para a direita. ㅡ Você cresceu muito rápido, Juju, protegeu, cuidou e cumpriu um papel importante na vida dos seus familiares bruxos, mas, às vezes, me pergunto como seria se eu tivesse o criado em Seul. ㅡ encarei o Jeon mais velho, incomodado com o rumo das suas palavras. ㅡ Não deveria haver tanta responsabilidade nas costas de uma criança.

Recusando-me a entrar em debate com meu pai, me contive em silêncio. Arrumei a posição do tronco, assistindo meu pai entrar na avenida que nos levaria para o centro da capital.

ㅡ Banana, você sabia que as borboletas não se alimentam apenas de néctar? ㅡ perguntei, tentando dissipar a névoa do interior do carro e o duende sorriu, arrumando os óculos redondos.

Comem então o que? ㅡ balançou as perninhas.

ㅡ Larvas pequenas, urtigas e frutas em decomposição. Contudo, ao pousarem em humanos, elas procuram por suor, sangue e lágrimas, porque são fontes ricas de nitrogênio, proteínas e aminoácidos. ㅡ gesticulei, concentrado na explicação

Pelos meus cogumelos, pousam bruxo quando por quê?

ㅡ Divergente dos humanos, as borboletas, principalmente mariposas, nos encontram decido a energia vital, atraídas pelas essências internas e talvez, a magia emanada dos corpos místicos. Me recordo da minha infância, quando corria na floresta de Nogsaeg, vasculhando por sementes, frutos e fadas da natureza, tendo o prazer de ser protegido por suas asas graciosas. ㅡ proferi, sorrindo pelas memórias agradáveis.

Borboletas e mariposas enviadas fadas são espiãs como, refúgio de invasores protegendo. Costumam os duendes ajudarem terem de corujas, porém, famintas, devorando aves acabam as ti-lin-ti-tins.

ㅡ Você adorava colecionar insetos, seu quarto era cheio de desenhos, potes de vidro e anotações tão completas, que eu pensava que no futuro, você escolheria cursar biologia. ㅡ crispei a boca, observando os olhos negros de Nana brilharem, delatando a animação acerca do tópico. ㅡ Você tinha uns seis anos quando começou a encher o quarto de invertebrados, alegando que eles sentiam frio. Certa vez, sequer esperou eu sair do carro e colocou uma tarântula no meu colo, mostrando sua nova companheira. ㅡ gargalhou, diminuindo a velocidade do automóvel. ㅡ Nunca mais consegui superar a fobia de aranhas. ㅡ fingiu estremecer e minhas bochechas se aqueceram.

A solidão nos primeiros anos de vida me compeliram a encontrar formas de preencher o vazio social e, obtendo liberdade de desbravar uma floresta inteira, a criatividade infantil cumpriu a função de desviar os pensamentos esmorecidos para crenças fictícias. Fadas existiam, todavia, jamais tive o privilégio de ver alguma vagando nos bosques; duendes e espíritos da natureza percorriam o perímetro, brincando com o meio-bruxo nos intervalos de seus trabalhos para a Deusa Fýsi; animais selvagens guiavam-me a lugares surpreendentes, com rios límpidos e frutos comestíveis.

No entanto, sem notar quando ocorreu, esse contexto mágico transmudou, caindo no limbo das lembranças e, mesmo transitando os mesmos caminhos, a solidão encontrou-me novamente, afastando aqueles que um dia significaram uma hipótese de felicidade eterna.

Junghyun gastou somente com o necessário no mercado, a quantidade suficiente para reabastecer os armários, demorando pouco mais de uma hora nas compras. Durante o percurso, o moreno aparentava estar compenetrado nos pensamentos, agindo de maneira espontânea, no entanto, desatento as minhas falas ou inquisições de Banana, o qual estava animado para comer cereal de chocolate e biscoitos amanteigados.

O trajeto em rumo o lugar cujo o Jeon gostaria de me apresentar perdurou tácito, ocupado unicamente pelo volume baixo do rádio. O veículo fôra estacionado em frente a uma praça arborizada por ipês roxos e amarelos, porém, a atenção do médico estava voltada para uma construção na rua oposta e quando saí do carro, me aproximando do mais velho, mordisquei o inferior no instante qual ele enlaçou meu braço, travando o automóvel.

Atravessamos a rua intrêmula e meu pai empurrou a porta de vidro, me convidando a entrar. Esbugalhei os lumes, observando a decoração vintage e o aroma de pães assados que se infiltrou no meu nariz, suavizou meu corpo como um calmante. As mesas acolitavam um padrão do século XX com bancos e cadeiras que remetiam a estofados automobilísticos, pôsteres de bandas das décadas de 70, 80 e 90, quadros de carros considerados relíquias na atualidade e logos de marcas famosas enfeitavam as paredes num tom ciano, contrastando com os detalhes vermelhos dos móveis. No balcão repleto de doces e bolos, acima da entrada exclusiva para funcionários, havia a carcaça trazeira de um fusca vermelho, a placa indicando a senha do Wi-Fi.

Papai permitiu que eu escolhesse um dos lugares vagos e nos sentamos próximo da janela, num dos móveis laterais, acoplado à parede. Vimos o cardápio juntos e deslumbrei-me com a variedade de alimentos, majoritariamente os nomes tradicionais foram substituídos por nomenclaturas criativas e abaixo dos itens, a especificação dos ingredientes utilizados alertava quanto o uso de constituintes que pudessem provocar reações alérgicas. Uma das funcionárias, trajando o uniforme de coloração correspondente do ambiente de trabalho, fôra solicitada por Junghyun e deslizando com um patins, portando um bloco de notas nas mãos, sorriu gentilmente, nos cumprimentando.

ㅡ Sejam bem-vindos a Serendipity! Vocês irão fazer o pedido?

Sentindo o coração desestabilizar em razão da voz, arqueei as sobrancelhas, içando o olhar para Kim Yerim, a qual retribuiu a mirada, soltando uma lufada de ar, conforme batia a ponta da caneta na comanda.

Juju, já decidiu o que vai querer?

Hmmm... ㅡ pigarreei, direcionando os lumes no menu e murmurei: ㅡ Bolo de chocolate e morangos e, hmmm, um cappuccino... Por favor!

ㅡ Vou querer um pedaço de bolo de cenoura e um latte. ㅡ o mais velho desviou o olhar para o duende amarelo, qual pulava no cardápio, sobre o item que desejava e a Kim, crispou os lábios. Tombei a cabeça, percebendo o esforço para controlar um sorriso. ㅡ Ah! E uma torta de uva.

ㅡ Anotado! Qualquer coisa, podem me chamar.

Voltando para o balcão, a bruxa do Norte lançou-me um olhar por sobre os ombros, sorrindo de canto. Batuquei a ponta dos dedos na mesa, nem mesmo a dança vibrante de Banana sob as batidas contagiantes de I Wanna Dance with Somebody, da Whitney Houston foi capaz de aliviar a tensão devido ao encontro com a garota de íris verdes.

Filhote... ㅡ suspirou, dobrando um guardanapo. ㅡ Se pareceu que fiquei chateado com sua atitude de mexer nas minhas coisas, me desculpe. Eu não me importo que conheça meu passado ou tenha liberdade 'pra revirar a casa, em todos os cantos possíveis, mas... Falar sobre minha relação com Park Minseok é... ㅡ procurou pelo verbo correto a ser empregado, umedecendo os lábios antes de prosseguir: ㅡ Doloroso. E lembrar dos motivos 'pra termos desfeito nossa amizade, acaba abrindo as feridas que pensei terem se cicatrizado.

ㅡ Jamais foi minha intenção.

Apertei os dedos em torno da canhota de Junghyun e abrindo um sorriso largo, o médico propeliu o origami de flor de lótus e mordi o lábio inferior, reprimindo um sorriso.

Yerim trouxe nossos pedidos, distribuindo os pratos de porcelana decorados na devida ordem. Entretanto, junto a fatia de bolo de chocolate, a Kim depositou um cupcake roxo, decorado com confeitos de estrelas e bolinhas em tons frios, criando uma alusão às galáxias.

Hmmm... Y-Yerim... ㅡ receoso, indiquei o bolinho. ㅡ Não pedimos esse.

ㅡ Me pediram para te trazer. Também me disseram para mantê-lo como anônimo, mas acredito que não vai demorar para descobrir, bruxinho. ㅡ revirou os olhos, pressionando um sorriso gentil para o outro Jeon. ㅡ Com licença. ㅡ rapidamente saiu para atender os demais clientes.

ㅡ Vocês se conhecem? ㅡ Junghyun semicerrou os olhos.

ㅡ Yerim é uma bruxa do Norte, papai. ㅡ suspirei, assoprando a fumaça do cappuccino e, antes de sorver um gole pequeno, percebi o desenho na espuma, achando adorável. ㅡ Nos conhecemos no meu primeiro dia de aula, quando... Ajudei o Jimin hyung com os machucados feitos por Min Ho. ㅡ o Jeon apenas murmurou em resposta, fitando-me com desconfiança. ㅡ Por que está me encarando dessa maneira?

ㅡ Sequer tem alguma ideia de quem te mandou esse doce, Juju? ㅡ neguei prontamente, desconfiado da tonalidade no timbre do moreno. ㅡ Tudo bem... O que você achou da comida? Costumava vir comer aqui depois dos plantões e nas minhas folgas.

Banana atacava a torta de amora, lambuzando a roupa amarela e o rosto, levantando os polegares conforme encoraja-me a experimentar a massa recheada. Peguei um pedaço com o garfo de metal, franzindo o cenho sentindo a textura nas papilas gustativas, ao levantar o olhar, meus dois companheiros olhavam com esperança e minhas bochechas aqueceram, todavia não consegui me conter ao ingerir mais um pouco do doce.

Me tous theoús kai tis katáres⁵! É delicioso! ㅡ elogiei, os sabores explodindo na língua. ㅡ Preciso admitir: Se o cupcake for tão saboroso quanto, terei de beijar quem enviou.

Instantaneamente, o Jeon se afogou com o café, ganhando a atenção das demais pessoas presentes e fiquei imóvel, esperando sua tosse abrandar. Nana, subitamente, começou a gargalhar com os dentes sujos de vermelho e contagiado pelo duende, ri junto a ele e o médico acertou uma bolinha de guardanapo em meu peito.

ㅡ Já conversamos sobre falar palavrões, filhote. ㅡ bebeu uma quantidade generosa do seu café e secou a linha d'água.

Após terminar de devorar o meu pedido, afastei o papel púrpura do cupcake, mordendo o doce de baunilha e apertei os olhos, mastigando lentamente. Apesar de estar interpretando um papel ridículo em público, não depositava importância, comovido com a sensação confortável que, análoga à um dia de inverno ensolarado, transportava-me para o cômodo dos braços dos meus pais ou a água do mar lavando meus pés, enquanto o sol permanecia escondido no horizonte.

A massa de sabor adocicado era fofa e molhada na medida correta, tingida com corante roxo, cujo não delegava o gosto ordinário. O recheio de uva era intenso, delicadamente azedo e com uma textura surpreendente que dissolvia na boca, suculenta, qual harmonizava deliciosamente com a maciez do bolinho. Cada mordida designava uma experiência hodierna, combinando a doçura reconfortante da baunilha com a vivacidade da geleia de uva, eficaz para cativar os olhos e satisfazer os paladares e, se não estivesse envolto na degustação, tramaria jeitos de penetrar a cozinha e descobrir a receita de tal iguaria.

Terminamos de comer simultaneamente e Junghyun se encarregou de pagar a conta no balcão, ao passo que Banana e eu, limpamos a bagunça, juntando os utensílios usufruídos e colocando-os perto do suporte para lenços de papel. Com Nana ocupando seu lugar no ombro esquerdo, escolhi esperar por meu pai na calçada externa, lançando uma olhadela veloz para Yerim antes de transpassar pela porta de vidro e a garota escorou-se sobre a bancada, sorrindo ladino enquanto acenava.

O ciciar das árvores na praça, fez-me trocar olhares com o duende de vestes manchadas e sorri pequeno, atravessando na faixa de pedestres e caminhando abaixo das copas altas, quais as folhas amarelas e roxas caiam no chão, acompanhando o balançar do vento. Banana se entreteu com os racemos, camuflando-se em meio ao monte de folhas, as jogando para todas as direções.

Fotografei o serzinho, me acomodando num banco próximo e admirei a vista no entardecer. De súbito, meu telefone começou a tocar e angustiado pela carência de notícias da minha mãe, atendi sem ao menos ver o nome do contato. Ansioso, me preparei para cumprimentar quem fosse, entretanto a fala morreu em minha garganta.

Nunca cheguei nessa parte... Não pode ser tão fácil, Yeri.

Afastei o smartphone da orelha direita e levei a destra até os lábios, almejando atirar o aparelho telefônico contra o piso de paralelepípedos.

Cara, é literalmente só chamar ele 'pra sair, qual a dificuldade?

Mas, e se o Jujuba achar... Sei lá, que eu enlouqueci?!

Pisquei em confusão e aprumei a postura no assento.

Oras, por Théa!

Eu o considerava louco desde o instante em que nos conhecemos.

Ele eu não posso afirmar nada, porém, eu acho que você deveria procurar ajuda psicológica. ㅡ reprimi um riso, suspirando. ㅡ Você mandou um dos cupcakes mais caros para o garoto... O pai dele percebeu na hora.

O oxigênio trancou-se nos pulmões, o sangue percorreu os vasos sanguíneos celeremente, agregando a adrenalina e alcançando os órgãos principais.

Pelos meus cogumelos! Sabia eu!

As peças se encaixaram como mágica, desde as sentenças da Kim, quanto a reação do meu genitor.

Jimin Park trabalhava na cafeteria da sua avó depois do colégio, retornando para casa no entardecer, quando Abacate invadia meu quarto e as rodas estridentes do skate ecoavam na rua silenciosa. Todavia, nos finais de semana, quando não invadia a residência de Junghyun, provocando-me com suas convicções audaciosas, o estardalhaço do motor da relíquia, cuja denominava como carro, fazia meu olho esquerdo tremer.

À vista disso, faltando apenas um detalhe a provar as hipóteses desenvolvidas na minha mente, analisei o âmbito e a saliva escorreu nas entranhas como lâminas, identificando Mirtilo ㅡ o fusca azul do meu vizinho ㅡ no estacionamento do estabelecimento.

ㅡ Park. ㅡ não previ a voz grave, no entanto, ignorei as ponderações que me fariam recuar.

Alô!? Jesus Cristo... Yeri, sua filha da mãe, ligou 'pra ele?

Cara, vou marcar uma consulta 'pra você na próxima semana. Não acredito que teve capacidade de ligar para o Jungkook... E ainda me acusar? ㅡ retrucou, a voz diminuindo e inferi que estivesse se afastando do avermelhado.

ㅡ Park...! ㅡ repeti, mordendo o lábio inferior com força.

Só um segundo, príncipe. ㅡ um estalo alto repercutiu no microfone e a ligação foi encerrada.

Soltei o celular, inclinando o busto para frente e apertei as pálpebras, apoiando os cotovelos nos joelhos. Banana respeitando o momento, sentou-se junto comigo no banco da praça e cruzou as mãos no colo, cerrando os globos oculares e sorrindo breve, a brisa fria desfazendo o penteado nos cabelos longos. No exato segundo em que uma chamada ecoou no espaço vazio, avistei Junghyun tracejando em minha direção, com os braços expostos pelas mangas arriadas do suéter cinza.

Deslizei o botão verde na tela, respirando profundamente.

Oi, Jujuba... Sinto muito pela confusão! Você ouviu muita coisa?

ㅡ Somente acerca da sua incerteza sobre meu julgamento e o fato de ter me presenteado com um cupcake. ㅡ denotando os sentimentos diversos na minha maneira de proferir os termos, pigarreei. ㅡ Poderia ter dito, hyung.

Eu sei, mas você me deixa nervoso 'pra caralho. ㅡ meu olho esquerdo estremeceu e as bochechas queimaram. ㅡ Os alunos do colégio de Gangnam-gu 'tão preparando uma sessão de cinema ao ar livre e abriram um parque lá perto, quero saber se vai estar livre algum dias desses... Queria que desse 'pra gente ir junto, Jujuba.

Junghyun parou na minha frente e fitei os orbes castanhos.

ㅡ Está me convidando para um encontro, Ariel?

Sim, príncipe.

Naquele momento, o tempo parecia correr aceleradamente, como se estivesse disposto a pressionar meu neurônios a determinar uma alternativa exata para o Park, embora não pudesse sopesar meus próprios desejos, sujeito a sequer tencionar afligi-lo quanto meus conflitos internos, programado a me martirizar em consideração aos demais. Todavia, considerei que conforme os segundos passavam, o rapaz do outro lado da linha, apoquentava-se com a ausência de retorno.

Estávamos sob visões divergentes do mesmo tempo, obtendo interpretações dessemelhantes de um único período.

Durante a infância, assegurei que nunca me envolveria diretamente com a raça humana, conhecendo a oposição quanto a minha aparência, meus hábitos, meu dialeto provindo de uma educação rigorosa acerca do futuro ou o poder qual exalava do corpo, deveras vigoroso para uma criança controlar em seu âmago. Contudo, Rafael conquistou minha mãe e cedi a ele uma chance; Seul trouxe meus amigos e, apesar da ancestralidade de Namjoon e Yoongi, seus DNA's permaneciam recessivos; E, embora admitir estivesse fora de cogitação, tratando-se de Jimin Park, era dubitável cumprir qualquer juramento.

A autoestima grandiosa ou o egocentrismo sarcástico derrubaram muralhas impenetráveis, cantadas fúteis arrancaram-me risos presos no peito e, seu completo e cativante ser, me fazia suplicar para levitar na órbita.

Jimin não era um feiticeiro, todavia, usava de sua magia para granjear quem almejasse.

Mas sentimentos podem ser ludibriados e manipulados segundo as ordens do cérebro. Eu precisava afastar tudo aquilo que prendesse meu coração, provocando-me a ficar e chegando a hora de partir, seria melhor estar sozinho.

Inspirei o ar morosamente, os últimos raios solares queimando a epiderme e, sentindo os lumes se encherem de lágrimas, pisquei inúmeras vezes, tentando dissipá-las, encarando as pontas dos meus all stars. Junghyun sentou-se junto comigo, apertando minha mão livre, indicando o telefone com o queixo e estimulou-me a tomar uma decisão.

ㅡ Estarei livre na sexta.

Ah! ㅡ exclamou. ㅡ Beleza, marcado 'pra sexta-feira, então... ㅡ inferi que estivesse sorrindo e apertei as falanges no celular.

Hmmm, sim... Nos encontramos mais tarde, Jimin.

Desliguei a ligação, clamando aos deuses para intercederem quanto ao pacto feito no meu nascimento, sobretudo, se deveras havia sido enviado pelos celestiais, a fim de cumprir uma profecia.

Pôr-me-iria naquele cenário pela última vez; sentiria o estômago saturado de mariposas pela última vez; encararia o rosto do meu vizinho, sentindo cada célula do corpo reagindo a suas investidas torpes, corando a face e anuviando a mente, uma última vez. De outro modo, partiria para Busan e desprezaria o restante, inclusive a estrela vagando na minha imensidão lúgubre.

[...]

¹ Ga-wi, ba-wi, bô: Ga-wi, ba-wi, bô é uma brincadeira coreana para se decidir algo na sorte. Nada mais é que o famoso "pedra, papel e tesoura" ou também conhecido no Brasil como Jokenpô. Possuindo pequenas diferenças: A tesoura é representada pelo dedo indicador e o polegar, estendidos e ao invés de ser dito nesta ordem "pedra, papel e tesoura", é dito como "tesoura, pedra e papel"

² "Tha éprepe pragmatiká na xegelastoún": Eles deveriam se fuder mesmo; do grego.

³ "S'agapó": Eu te amo; do grego.

"Epéteio enilikíosis": Aniversário de amadurecimento.

⁵ "Me tous theoús kai tis katáres": Por todos os deuses e maldições; do grego.

→ Tatuagem do Jungkook: 

OIIII

1 • Qual é o melhor momento do capítulo?

2 • Quais sentimentos te acompanharam durante a leitura?

3 • O que você faria no lugar da personagem diante da situação apresentada?

Respondam aqui ou pela tag: #CaçandoVagalumes

O que acharam? Alguma teoria?

Perdoem qualquer erro. Caso vejam alguma falha, podem me contatar ou comentar.

Foram longos dois meses pra conseguir terminar de escrever esse capítulo... Me desculpem pelo atraso.

Sou uma terrível inimiga do planejamento, sempre que tento seguir uma linha de ações, acabo pecando em pontos pessoais e acabo por deixar minha escrita intragável. Eu terminei de escrever no início de março, porém, faltando duas semanas pra data marcada, eu resolvi reescrever, jogando 18k de palavras no lixo por puro perfeccionismo, 😞.

Todavia, não me arrependo. Tenho tentado lidar com tantas questões e voltar a enxergar a escrita como uma fuga da realidade e não uma obrigação entre tantas outras, por isso, mesmo que eu demore meses, eu sempre volto e irei voltar até finalizar a história do bruxinho de Busan e o garoto de Seul.

Peço, encarecidamente, pela paciência de vocês, 💜.

Obrigada pelos 27k de leituras, é um número inimaginável, 🥺.

Ademais, nos vemos em breve, ♡.

P.S.: Se desejarem ver spoilers, posts interativos ou interagir, meu Instagram dedicado as fics e meu lado criativo é o andrwky_thata.

P.S.².: A playlist de DP está fixada no meu perfil.

P.S.³.: Os personagens possuem perfis no Instagram.

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