Piper estava como a filha de uma deusa da beleza naquela noite (pelo menos era como Jason a descreveria naquele momento quando fosse contar aquela história para alguém no futuro). Vestido preto justo com uma fenda na coxa, um salto alto e um batom vermelho que seria sua completa perdição. O Grace já a conhecia de vários eventos, mas aquela era a primeira vez que quase tropeçou no caminho ao vê-la.
Em sua opinião, ela combinava perfeitamente com aquele restaurante chique em Dubai, como se tivesse nascido para ser cercada de cortinas de ouro, fontes de gelo e bebidas chiques, como a que o barman servia para ela naquele exato momento. No entanto, ele já a tinha visto com um boné de baseball, cheia de areia, depois de ter entrado em uma competição de vôlei com seu melhor amigo na praia. Era como ter uma visão completamente nova dela.
- Posso te comprar um drink? - os olhos dela eram coloridos como um caleidoscópio, e se inclinavam nas pontas quando ela sorria, como fez ao vê-lo.
- Jason Grace! Há quanto tempo. Se me deixar pagar um drink para você... quem sabe - ela deu uma piscadinha, e ele tomou a banco ao lado dela, aceitando quando ela pediu por um dos deliciosos drinks temáticos do lugar.
O loiro não sabia que o coração dela estava tão acelerado quanto o dele. Quando foi que Jason Grace tinha ficado tão atraente? Provavelmente era a forma como o cabelo estava arrumado, ou a gola da camisa com os primeiros botões abertos, permitindo que ela visse um pedaço do peito dele e o indício de uma tatuagem. Ela adorava homens tatuados. O sorriso dele sempre tinha sido assim tão lindo?
Passaram pelo primeiro drink, pelo segundo, pelo terceiro, e a cada gole, a cada assunto, a cada risada, mais próximos ficavam. A pele dela queimava com o subir e descer lento dele pelas suas costas nuas, e Jason fervia com a forma como ela o acariciava com o pé, e mordia uma cereja na sua frente, encarando os olhos azuis com aquela expressão de quem o queria nu. Bem, ela queria, mas foi ele quem ofereceu que saíssem de lá para o quarto de hotel dele, onde aquele mesmo restaurante ficava.
Piper não conseguiu esperar o elevador chegar no andar para beijá-lo, e pelo menos o sistema de segurança não permitia que o transporte parasse em outros andares para serem flagrados. A mão dele em sua coxa era deliciosa, e as unhas dela em sua nuca o eletrizavam por inteiro. Parecia que havia uma tempestade sob sua pele quando desceu os lábios pelo pescoço dela, e então a porta do elevador abriu, fazendo-os tropeçar e começar a tirar as roupas antes mesmo de conseguirem entrar no quarto.
A camisa de botões acabou pendurada na maçaneta, e o vestido se tornou um bolo de tecido aos pés da cama. Piper era doce e linda e maleável sob as mãos e lábios dele enquanto ele lhe dava prazer, e então era uma gatinha de unhas afiadas que o fazia implorar com aquele sorriso sarcástico. Chegar ao ápice com ela gemendo o seu nome foi como levar um choque elétrico, e as ondas de prazer se estenderam por todo o seu corpo. Os dois conhecidos desconhecidos se encararam com uma risada incrédula, ela por cima dele, ainda sem acreditar como aquilo tinha sido bom.
Como nunca tinham pensado naquilo antes? Como ele nunca a tinha beijado antes? Como ela tinha sido capaz de viver sem as mãos habilidosas em seu próprio corpo e aquele beijo com gosto de hortelã?
Quando ela se vestiu para ir embora na manhã seguinte, ele mal conseguia soltá-la. Se não tivessem compromissos, teriam passado o dia trancados pedindo apenas pelo serviço de quarto, como fizeram no meio da noite. A única certeza que tinham era que repetiriam aquilo mais tarde, assim que se encontrassem de novo. Dessa vez, no quarto dela, porque tinham espelhos em todos os lugares e ela estava muito curiosa para testar algumas coisas.
- Só tem um problema, Jay - o apelido surgiu em uma conversa entre beijos, e mesmo agora, ele não tirava as mãos de seus quadris, o olhar intenso de quem queria beijá-la - Nossos amigos não podem saber. De jeito nenhum.
"Fighting with a true love is boxing with no gloves. Chemistry 'til it blows up, 'til there's no us..."
***
Ah, como Annabeth amava o clima mediterrâneo. O sol mesmo nos meses que deveriam ser os mais frios do inverno, que esquentava sua pele contra a brisa fria que vinha do mar. Era um dos detalhes que mais amava na Itália. Era muito diferente da Califórnia, com suas tempestades incontroláveis no final de todos os anos, mal podiam pisar o pé na areia.
Quando esteve ali procurando apartamentos com Percy, uma das coisas que mais pensou era como ele adoraria morar ali, mesmo que não pudesse surfar tanto com as águas calmas. Ele ainda adorava nadar, e adorava praias, e aparentemente ainda amava surpreendê-la, como tinha feito naquela manhã de sábado, uma semana depois da conversa sobre tentarem dar uma chance ao relacionamento.
É claro que eles se viram na segunda para a gravação, e então nos dias que tinham instruções, pois quanto mais perto da final, mais os jurados se interessavam nos competidores. Principalmente agora que Clarisse havia retornado de forma triunfal na repescagem. Os três estavam de olho nos maiores talentos que conseguiram sobreviver a metade do programa.
Mas estavam tentando ir devagar. Trocavam algumas mensagens, mas se davam tempo para cumprir as próximas obrigações. Percy sempre caminhava com ela até a entrada do prédio depois de sair do estúdio, e a beijava deliciosamente antes de ir embora, a deixando com uma vontade visceral acumulando debaixo da pele. E nunca, nunca, nunca, deixavam transparecer alguma mudança durante as gravações. Na verdade, estavam mais competitivos do que nunca.
Na manhã de sábado, ele a acordou com uma ligação, dizendo para que estivesse pronta e meia hora e que vestisse roupa de banho. Quarenta minutos depois, estavam em uma lancha alugada - desde quando ele sabia pilotar lanchas? - a caminho de um espaço mais privado, onde ele montou um piquenique sobre as rochas, e podiam conversar, se beijar, nadar um pouco, sem se preocuparem de outras pessoas ficarem observando. Aparentemente, estavam começando a ficar meio conhecidos por causa do programa. Uma menina até tinha pedido pra tirar foto com o Jackson, segundo ele contou, rindo.
- Então, aparentemente, Jason e Piper ainda estão brigados - obviamente, seus amigos viraram assunto, e a loira adorava como ele simplesmente já tinha aceitado que ela estava certa no tópico. Annabeth apenas se espreguiçou mais sob a luz do sol, se esticando para pegar um morango. Gostava como ele parecia distraído observando morder a fruta como se quisesse mordê-la - Ele está mal humorado como se tivesse com algo enfiado na bunda esses dias - a garota riu.
- É, parece que sim. Eu só queria saber o que diabos aconteceu. A curiosidade me corrói - Percy a achou adoravelmente fofa com os olhos arregalados e a puxou para mais perto, beijando sua bochecha. Era surpreendentemente difícil ficar longe dela. Parecia quase surreal ter passado quatro anos sem aquele sorriso, ou sem os beijinhos leves que ela lhe dava depois de saírem de um intenso. A visão dela com aquele biquíni azul marinho era simplesmente boa demais, e ele se deu um tapinha mental nas costas pela ideia do passeio na praia.
- Tem certeza de que não quer insistir para ela dizer? Ela não fazia algo como isso quando você não contava pra ela? Enchia o saco até você explicar? - um sorriso divertido sombreou os lábios dela por um segundo com a lembrança, e então sumiu.
- Ela não faz mais. Não desde... - olhou pra ele, e não era preciso muita explicação - A gente mudou muito... então vou dar o tempo dela. Uma hora ela vai me contar.
É... ela tinha mudado. Percy ainda se pegava estranhando algumas coisas, mas achava que tinha se acostumado ao fato de que estava conhecendo uma pessoa nova, ali. Era como... descobrir uma receita diferente para seu prato favorito. Parece ser um absurdo colocar ou retirar ingredientes, mudar a forma de fazer, mas quando se testava... cada vez poderia ser uma surpresa nova. E não é necessariamente ruim.
Tinha uma memória de uma Annabeth perfeita e incrível na cabeça, porque sempre a amou, porque quando o tempo passa, você esquece as coisas ruins e lembra muito as boas. Mas a cada dia, a cada detalhe novo que conhecia daquela nova Annabeth... percebi que gostava ainda mais daquela versão.
- Como foi? - a italiana o encarou com confusão, descendo os pés para a água. Estava sentada ao lado dele em cima de uma parte lisa daquela rocha e perto o bastante para darem as mãos - Depois que terminamos. Como foi pra você? Como superou tudo?
Ainda era levemente delicado falar do antigo relacionamento, como se os assuntos nunca esgotassem, não importava o quanto conversassem sobre.
- Foi... Confuso. Foi como um turbilhão, muita coisa nova. Até hoje não sei se mudar de país me ajudou ou atrapalhou no processo, mas... fui superando, e esquecendo, com o tempo, me organizando, colocando as coisas sob controle - claro, aquela era a zona de conforto dela: tudo sob controle - Fiz terapia por um tempo - riu - Não deu muito certo, não sou boa em falar de sentimentos nem pra quem eu gosto, quanto mais pra uma pessoa estranha. Mas.. acho que, sei lá, o tempo foi curando as coisas. Não procurar uma palavra sobre você também ajudou muito - ela não tinha muito orgulho daquela parte - E pra você?
Percy suspirou, pegando um biscoitinho.
- Jason diz que eu passei mais pelas cinco fases do luto quando acabou do que quando minha mãe morreu - não era mentira - Negação, raiva, barganha, depressão e, no fim, aceitação - encolheu os ombros sob o olhar dela - A raiva não durou tanto quanto a tristeza que eu senti. E na verdade, assim que passou, eu fiquei muito, muito perto de pegar um avião e tentar barganhar com a vida para termos uma chance, de novo. A única coisa que me impediu foi o seu pedido - o bilhete debaixo do anel de noivado em um papel amarelo, pedindo que não fosse atrás dela, que o amava, mas que queria que as coisas fossem mais fáceis para os dois - Se não fosse por ele, eu teria vindo.
Quatro anos depois, Annabeth não sabia muito bem se teria sido algo bom ou um completo desastre revê-lo tão cedo. Não tinha como prever aquele "e se".
- No meu caso, falar com sua família ajudou com a saudade. Fui visitar Nonna umas duas vezes, e esbarrei com Malcolm, que me garantiu que eu poderia falar com ele quando quisesse, então... Era mais fácil. Eu não perguntava sobre você, mas às vezes notícias suas chegavam sem que eu pedisse. Vi quando você se tornou Chef de Cuisine, e às vezes via anúncios dos eventos que você fazia. Era como eu sabia que você estava bem - a loira assentiu, passando o polegar devagar pela pulseira dele, o resto da palma apoiada nas costas de sua mão.
- Eu vi quando você abriu o Atlantis. Estava em todos os lugares - sorriu, orgulhosa - E quando abriu os outros dois. Sempre tive vontade de conhecer. Quase entrei em um deles, uma vez que estive na Califórnia, mas fiquei com medo de esbarrar em você, então não tive coragem. Mas são lindos.
- Obrigado - disse contra a pele dela, então roubou um selinho - Vou te levar lá, depois que tudo isso passar. Você precisa comer a sobremesa especial do chef. É aquela sua italiana favorita. Eu... achei que era justo fazer essa homenagem a você. Quer queira, quer não, você me ajudou a planejar mais da metade daquele restaurante - as bochechas dela coraram, e Percy resolveu dar uma folga dos assuntos pesados, subindo os dedos pelo braço dela - Você ficou com alguém? Durante esse tempo?
Uma sobrancelha loira se ergueu na direção dele, que apenas deu de ombros. Não podia culpá-lo por estar curioso. E era um assunto muito mais leve do que a ausência dela na abertura do restaurante, com toda a certeza.
- Saí - ela deu de ombros - Nada muito sério. Conheci pessoas, beijei pessoas, dormi com alguns. Mas nada além disso. É meio difícil se apaixonar quando seu coração já pertence a alguém - e aquele final espertinho era tão por sinceridade quanto para arrancar aquele sorriso dele, certa de que o Jackson não resistiria a beijá-la. E não estava errada.
- É, também não tive nada muito sério - serviu um morango nos lábios dela, e precisou morder os próprios lábios pela forma como a Chase olhava para ele - Mas meu pai sempre insiste que eu tenho que seguir em frente de uma maneira mais enfática. Ainda não contei pra ele sobre a gente, inclusive - justo, ela também não tinha contado a ninguém além de Piper, ainda era muito recente. Não culpava o pai dele, no entanto, por querer que ele arranjasse alguém. Quatro anos era muito tempo solteiro, até ela tinha pensado...
- Caramba - Annabeth soltou uma gargalhada alta e incrédula, fazendo-o encará-la com confusão - Não acredito que eu não me lembrei disso, mas... E aquela ruiva que estava com você outro dia? O que aconteceu? - o ciúme que sentira parecia bem distante antes, mas voltou a morder um pouquinho naquele momento - Espero não ter sido motivo para ela ter o coração partido, tadinha.
O Jackson riu, puxando ela pela cintura na água que só dava pé para eles por pouco. Os olhos dela pareciam quase azuis no sol, menos tempestuosos, e suas bochechas e nariz sempre ficavam adoravelmente rosados.
- Você é o motivo do coração partido de todas elas, meu amor - sorriu para a surpresa da loira - Eu sempre termino quando percebo que estão se apegando demais. Porque eu nunca poderia me apaixonar assim. Você é a culpada, sabe disso - os olhos acinzentados reviraram - A ruiva.. o nome dela é Rachel. Eu parei com ela naquela semana, na verdade. Ela estava se apaixonando, e eu... bem, não era justo - encostou os lábios na bochecha úmida, afundando os dedos nos cachos encharcados - Ela é até legal. Quando superar a decepção, talvez voltemos a ser amigos. Por enquanto, ela tá meio chateada.
- Pareço ciumenta ao dizer que não gosto da ideia? - o californiano riu, beijando-a.
- Parece até demais, pimentinha. Mas até gosto desse seu lado, é adorável - estava cansada de revirar tanto os olhos, então o beijou, e gargalhou quando Percy a puxou para debaixo da água, os lábios nos seus. A felicidade em seu peito conseguia até fazê-la acreditar que tudo daria certo no final, e resolveu imitar o Jackson e começar a incluí-lo em seus pequenos planos.
***
Eles ainda riam juntos ao subir as escadas do prédio da Chase de mãos dadas, trocando alguns beijos rápidos enquanto se perguntavam se Piper ainda estaria no apartamento da loira, já que tinha passado a última semana inteira lá - o que não era nem um pouco o seu normal - ou se já tinha voltado ao apartamento que dividia com Jason. Sim, depois daquela confusão no sábado passado, em que ouviu a loira contar tudo e depois chorou horrores com filmes de comédia romântica, Annabeth tinha chegado à conclusão de que a amiga estava morando com o Jason durante a viagem. Era o único motivo para ela acampar por uma semana na casa da amiga ao invés de implorar por privacidade.
O pior era ver ela olhar para o celular com uma expressão triste várias vezes ao dia e então jogar longe, como se esperasse alguma notícia e se odiasse por esperar isso. Annabeth só queria que ela se abrisse com isso, só queria que ela explicasse o que aconteceu, e ficava muito, muito perto de sair de casa e caçar Jason atrás de alguma explicação, mas respeitou a privacidade da amiga, e só a abraçava quando ela parecia triste demais.
Uma parte da loira se culpava por querer que a McLean tivesse tirado a tarde de sábado para dar uma caminhada ou algo do tipo, mas uma outra parte simplesmente queria umas horas a sós com o Jackson, porque ele a tinha provocado durante o dia inteiro e ela apenas o queria na cama só para ela por alguns momentos. Ou no chuveiro, ela era flexível sobre esse tipo de coisa.
Mas suas expectativas foram frustradas, porque dava pra ouvir a voz no corredor. Ou melhor, as vozes, altas e exaltadas de duas pessoas que claramente vinham da porta aberta de seu apartamento porque o casal as reconheceu como sendo de Piper e Jason. Ambos trocaram um olhar espantado e se aproximaram devagar, tentando entender a algazarra e não assustar os melhores amigos - ou atrapalhar em um momento importante.
- E você simplesmente assumiu que sabia os meus sentimentos, Jason! - aquele era o final de uma frase maior, mas Annabeth só conseguiu entender aquilo.
- Eu não... não foi de propósito, Piper. Você sabe disso. Me desculpa - a loira se encolheu, conhecendo a melhor amiga.
- Que inferno! Para de pedir desculpas, eu não aguento mais, para de dizer isso! - quem não conhecesse a garota, estranharia, mas a Chase sabia que pedir desculpas repetidamente só a irritava. Não adiantava dizer a palavra, não daquele jeito, não sem assumir a culpa, não com "não foi de propósito" ou "não quis fazer isso". Para a garota, se você fez, você fez, não adiantava querer dizer que não era a intenção, assuma o que fez de errado e conserte seus erros. Aparentemente, o loiro não sabia disso, ainda, e ficou perdido no que dizer. E não era um ato heroico para salvar a pele dele nem nada, mas a Chase resolveu que aquela era a sua deixa para o espetáculo.
- O que está acontecendo aqui? - entrou pela porta sem nem ver se Percy a acompanhava, fazendo o Grace dar um salto e os olhos coloridos se arregalarem em choque - Dá pra ouvir a gritaria de vocês subindo as escadas. Que confusão é essa?
Piper entrou em pânico. Não era assim que ela queria que a amiga descobrisse. Estava se sentindo péssima, pior do que péssima, por passar a semana no apartamento da Chase sem explicar o porquê de estar triste, sem contar tudo. Mas queria, pelo menos, conversar com Jason antes. Descobrir se ainda teria algo de bom para contar. Se sobraria algo deles dois no final de tudo.
Estava magoada e estava frustrada com o loiro. Como ele não conseguia entender que a machucava toda vez que dizia que não tinha a intenção de fazer aquilo, e mesmo assim ter feito? Como ele não sabia que o fato dele não assumir que errou e errou feio com ela - com as palavras, sabe, ela precisava das palavras - a deixava tão furiosa. Ele a pediu em casamento, pelo amor de Deus! Como ele conseguiu cogitar que ela aceitaria, como ele planejou aquilo por meses e chegou à conclusão de que estaria tudo bem pedir ela em casamento enquanto eles ainda eram um segredo? Como ele pensou seriamente nisso e deduziu que ela ficaria feliz?
Se sentia magoada, incompreendida, e agora, feita de trouxa, porque ele ficava repetindo que não tinha a intenção, que não foi de propósito, mas ele tinha comprado a maldita aliança e planejado aquele passeio sob os fogos, não tinha?
Mas o pior naquele momento tinha sido ver a melhor amiga entrar pela porta. A culpa a consumia há meses, mas a da última semana era pior. Uma coisa era explicar seu relacionamento com o Jason, outra era explicar um relacionamento tão sério ao ponto de ter sido pedida em casamento. Ela só queria fazer as coisas certas daquela vez, ela só queria que as coisas dessem certo. Que funcionassem como ela queria uma vezinha só, mas não, o cabeça dura do seu namorado tinha que pedi-la em casamento e agora ela tinha muito mais coisa pra se culpar do que já tinha normalmente.
- Piper? - só agora a McLean percebeu que estava hiperventilando, a ansiedade de pensar em todos os piores fins possíveis se espalhando em seu corpo. Não queria que Annabeth a odiasse por esconder aquilo por tantos anos, não queria que sua melhor amiga, quase sua irmã, achasse que não confiava nela. Mas sabia como pareceria, e estava em desespero por aquilo - Ei, Pipes, se acalma, respira.
A loira estava familiarizada com as crises de ansiedade da amiga. Tinha presenciado aquilo durante algumas provas, e quando a mãe dela descobriu que sua filhinha não era mais virgem e ela ficou aterrorizada que os pais fossem impedir o namoro com o garoto que era o amor da vida da Piper de 15 anos. Imaginava bem que ela estava se sentindo culpada por não ter contado sobre o Jason, já que geralmente contavam aquele tipo de coisa, então a guiou para a poltrona, tentando tranquilizá-la para que conseguisse respirar.
- Me desculpa, me desculpa Annabeth - ela começou a repetir, baixinho, parecendo aterrorizada, e a loira precisou pará-la, apoiando as mãos nos joelhos dela.
- Calma, Piper, está tudo bem - sorriu - Eu sei sobre você e o Jason, ok? Eu sei - os olhos coloridos se alargaram ainda mais, se é que isso era possível.
- Você.. você sabe? - até a voz dela tremulava, e a Chase suspirou.
- Não sei há quanto tempo, mas vocês dois não são exatamente discretos. Qualquer bobo que passe dez minutos no mesmo lugar que vocês juntos perceberia. Até o Percy percebeu - o cozinheiro soltou um "ei!" para o qual ela riu, passando o olhar para os dois homens, o loiro parecendo preocupado, e o moreno, ofendido - Inclusive você me deve cem pratas, não é, Jackson?
- Vocês apostaram sobre mim e Piper? - o rapaz teve a ousadia de parecer ofendido, e os olhos acinzentados reviraram.
- Claro. Vocês dois esconderam da gente, né. Temos que nos divertir de alguma forma, e Percy jurou que não estavam juntos. Uma pena que se arrependeu depois - deu uma piscadinha para o californiano e então voltou para a amiga, mais séria, que tinha recomeçado a pedir desculpas - Piper, chega.
- Não - ela disse, afoita - Eu escondi isso de você. Você me contou tudo, me contou todos os detalhes de tudo, e eu não contei pra você, me desculpa. Eu vacilei muito, muito mesmo, deveria ter contado antes, eu entendo se estiver furiosa...
- Não estou - a loira interrompeu de novo - E nem quero mais desculpas. Você sabe que não adianta nada, eu já entendi que você sente muito, não precisa ficar repetindo - a McLean assentiu, fungando, mas aquela mensagem era para o loiro, esperava de verdade que ele tivesse entendido - Eu quero explicações. Só quero que me expliquem o que está acontecendo, apenas isso. Quero saber porque diabos a minha melhor amiga passou a semana inteira mal e porque você está tão abalada e porque esconderam isso tudo, eu quero saber. Apenas isso. Me explique.
Jason e Piper trocaram um olhar e ele assentiu, para que ela começasse, se quisesse. Sempre disse que queria ser ela a explicar para a amiga, e agora Annabeth estava sentada no chão, ainda segurando as mãos da garota em apoio. Piper suspirou.
- Ok... Bem.. eu e Jason ficamos pela primeira vez em Dubai. Foi muito pouco depois de você e Percy terminarem. Nós nos encontramos em um bar, bebemos juntos, e aconteceu. Então continuou acontecendo durante a viagem, e nós concordamos que não podíamos contar nada a vocês. Ainda era muito recente, você não queria ouvir falar no nome do Percy, estava sofrendo, e eu não queria piorar tudo. Não queríamos fazer vocês sofrerem por algo que era uma besteira, então só seguimos em frente. Até a próxima coincidência, e a próxima, e aí nós começamos a marcar quando estávamos em países ou cidades próximas, nós conversávamos por mensagens, e ainda não era nada demais porque nos víamos tão pouco, não tínhamos a esperança de virar algo sério. Até que nos apaixonamos. Acho que um ano depois da primeira vez - suspirou, sentindo o ritmo das palavras diminuir conforme nenhum julgamento ou ofensa se mostrou no rosto da amiga, e foi relaxando - Eu não sabia como você ia reagir, você não queria nem ouvir falar nos amigos do Percy, ficou estranha quando tentei mencionar o Jason uma vez, então continuei sem dizer nada.
- Entendo - a loira suspirou, ainda lembrando em flashes como tinha sido sua vida naquele primeiro ano, e então como se cansou de chorar pelo Jackson e seguiu em frente, enterrando tudo que tivesse a ver com ele. Sua amiga não estava errada em querer amenizar as coisas.
- Então... o relacionamento ficou sério - continuou - Mas nós não contamos nada. A ninguém. Ninguém mesmo. Os mais afetados eram vocês dois, e estavam começando a superar, então decidimos que esperaríamos até o clima mudar, e então contaríamos. Mas o segredo começou a destruir a gente. Foi horrível. A gente terminava e voltava e quando estávamos juntos era maravilhoso mas nas semanas que não conseguíamos nos encontrar... - levantou o olhar angustiado para o namorado, encontrando tristeza nele também, tinha sido uma fase difícil - E aí resolvemos acabar tudo. Terminamos. E eu queria te contar, queria desabafar com você, porque estava doendo tanto, mas achei que seria demais pra mim. Lidar com a sua mágoa e com o término. E não valia a pena sofrer tanto por algo que nem existia mais, então... Então eu não contei. Eu fiquei com a boca fechada, e a gente se ocupou tanto, que eu consegui me sentir melhor bem rápido. Eu devia ter contado, fui egoísta, me desculpe.
A loira suspirou, assentindo, compreendendo. Uma parte dela estava magoada pela amiga ter guardado aquele segredo, mas outra parte estava maldosamente grata. Tudo o que não queria, quando esteve melhor, era saber que teria que conviver com os amigos de Percy de novo, provavelmente vê-lo outra vez. Talvez sua reação fosse muito ruim, talvez ela voltasse ao fundo do poço por mais tempo. Entendia. A entendia de verdade.
- Tudo bem. Eu te perdoo - forçou um inclinar de lábios ao apertar as mãos da amiga - Vocês dois estavam com o coração no lugar certo, apesar de tudo. Eu, hoje, não sei como eu reagiria. Não tenho como saber. Eu não sabia como eu me sentiria ao ver Percy depois de tanto tempo, só fui descobrir quando finalmente estava cara a cara com ele. Não posso te garantir que eu seria a melhor e mais compreensiva amiga do mundo, na época - suspirou - Mas, eu entendo, hoje, porque vocês fizeram o que fizeram.
- Mas e depois? - a pergunta veio do moreno, que tinha sentado na outra poltrona - Ok, vocês terminaram. Mas agora estão juntos. O que aconteceu? - ainda bem que ele fez aquela pergunta, porque a loira também estava extremamente curiosa.
- Quando Sally morreu - foi Jason quem começou a responder, agora, e Annabeth levantou do chão para ficar ao lado da amiga, com a mão no ombro dela - Todo mundo ficou muito abalado - olhou para o melhor amigo, que estava... triste - A primeira pessoa que eu procurei assim que eu soube foi a Piper. Ela estava longe, mas passou a noite em ligação comigo, mesmo que não nos falássemos há meses. E depois do enterro... eu precisava vir falar com ela. Eu precisava dela. Eu sentia tanta falta, e... estava apaixonado. Achei por muito tempo que ela não teria espaço pra mim, mas naquela noite eu soube que ela ainda se importava, e não perdi tempo - sorriu com tanto amor que o coração da Chase cedeu um pouquinho por ele - Foi a melhor semana da minha vida, enquanto nos resolvíamos. E aí decidimos que não haveria mais segredos, nós contaríamos a vocês. Tudo, tudo mesmo. Pelo Percy... resolvemos esperar um pouquinho.
- Esse pouquinho se transformou em seis meses muito rápido, não é? - o cinismo não era para Piper, mas ainda estava com o pé atrás para o Jason.
- Dois meses depois nós recebemos os convites de vocês para as competições, Annabeth - foi a amiga quem respondeu - Ele me contou, eu também sabia de outros competidores, mas não podia te falar. Era confidencial - encolheu os ombros - E aí nós percebemos que vocês estariam cara a cara depois de anos sem querer saber um do outro e poderiam ser uma bomba prestes a explodir. já tinham demais para lidar entre vocês dois, então... resolvemos não jogar no colo de vocês que seus melhores amigos estavam juntos e que, provavelmente teriam que ter a ver com a vida um do outro por muito tempo, justamente nesse momento.
Tanto Percy quanto Annabeth soltaram um riso bufado, trocando um olhar, porque... os amigos estavam certos. Eles eram uma bomba relógio. A sorte foi que o estrago foi bem menor porque ambos tinham aprendido a deixar o orgulho ceder nos últimos quatro anos.
- Certo. Não posso dizer que vocês estão errados - a loira riu - Mas ainda não entendi o que aconteceu pra você acampar no meu apartamento chorando horrores e depois encontrar os dois brigando aqui. O que foi que o Jason fez? - o britânico se encolheu com uma careta.
- Eu pedi ela em casamento - o outro casal na sala o encarou com espanto.
- Você pediu Piper em casamento antes de ela sequer contar para a família que os dois estão juntos? - o jeito como a loira foi direto ao ponto conhecendo a amiga como ninguém... o acertou como uma pedrada - E no aniversário de noivado meu e do Percy? Podia ter perguntado, sabe, a gente avisaria que seria um fracasso - o Jackson gargalhou da resposta da... bem, ele ainda não era namorado dela, não é? Cara, que estranha aquela fase. Já Piper, olhou de um para o outro, feliz que estavam, pelo menos, fazendo piada daquilo.
- Nem eu posso te defender, cara - o californiano encarava o amigo, balançando a cabeça - Isso foi demais.
- Eu sei, ok? - levantou os braços em rendição - Eu não estava pensando direito.
- Sabemos bem, porque se tivesse, não teria feito uma burrada tão grande - os olhos azuis semicerraram para a loira, mas era ela quem o encarava com repreensão, e então lançou um olhar para a amiga, sugestivo. Para a sorte do Grace, ele entendeu.
- Eu sei. Foi uma bela e enorme de uma burrada. Eu errei feio com você, Piper - se virou para ela, sentando em uma cadeira para que a namorada não precisasse levantar, e segurou sua mão - Eu sei que te machuquei, e eu sinto muito. Mas você precisa saber que não era meu plano fazer isso daquele jeito. Eu tinha acabado de pegar as alianças, e você estava tão linda, eu simplesmente emocionei, entrei em pane e te pedi em casamento sem pensar em nada além de te querer comigo o resto da vida. Eu fiz planos e estraguei tudo em cinco minutos. Eu só ia te pedir em casamento depois que contássemos pra todo mundo, e aí fiz merda. Me perdoa.
A garota não teve chance de responder nada depois de uns minutos de silêncio, porque os dois ouviram um bater de palmas lento, se virando para encontrar Annabeth Chase sentada no colo do Jackson, com uma expressão entre debochada e impressionada.
- Esse sim foi um pedido de desculpas decente. Meus parabéns - Piper gargalhou, tanto do comentário da amiga, quanto da expressão simplesmente abismada do Grace ao ver a loira tão confortável no colo do amigo. Olhou para a namorada, e então para o casal, e seus olhos se alargaram.
- Eu sou o único surpreso com isso? - sorrisos gêmeos estavam desenhados nos amigos, e a McLean riu de novo, apertando a mão do namorado.
- Sim, eu já sabia disso tem tempo. Viu? Foi me pedir em casamento e perdeu a melhor fofoca de Monte Carlo - aquela era a forma dela de dizer que o perdoava, e o sorriso dele era emocionado ao olhá-la.
- Bem, espero que esteja com a aliança aí, grandão - os namorados encararam a loira com confusão - Ue, Piper. o problema para você não aceitar o pedido não era o segredo? Agora, ele pede direito, como uma pessoa racional, e você aceita, porque nada te impede. Nada mais justo do que eu estar aqui pra ver depois de tudo, não é? - a McLean balançou a cabeça, incrédula.
- Mas eu ainda não contei aos outros, Annabeth. Nonna vai cortar minha cabeça fora! - a italiana gargalhou, encolhendo os ombros.
- É só contar que está noiva, oras! E ninguém me contou da morte da Sally por meses, nenhum deles tem moral nenhuma de falar nada - apesar do tom leve, seus olhos estavam pesados, e Percy apertou sua cintura, sabendo o quanto aquilo a afetava - Anda, eu quero ver vocês dois sendo fofinhos. Não me tirem esse prazer.
Para a surpresa de Piper, Jason se ajoelhou, e dessa vez seu coração acelerou, não de desespero, mas porque aquilo estava acontecendo mesmo. Ela queria, queria muito, e estava dando certo. Estavam fazendo do jeito certo, mesmo que fosse meio atravessado.
- Piper Shannon Mclean - ele começou, tirando a aliança que tinha levado porque pretendia deixar com ela, oferecer que ela tivesse controle sobre aquele pedido, se quisesse, mas estava feliz pelas coisas terem seguido outro caminho - Eu não prometo ser perfeito. Eu não prometo nunca mais te machucar, ou nunca errar com você - as palavras eram mais ou menos o que tinham dito um para o outro quando voltaram a ficar juntos, e ela se admirou com o quanto se encaixava no momento - Mas eu prometo me esforçar para ser minha melhor versão, e te amar com o melhor do meu amor, o melhor do meu coração. Eu te amo. Te amo desde que ficou uma hora em um fliperama para conseguir um ursinho de pelúcia para mim, apenas porque eu disse que tinha um igual quando criança. Te amo porque você sempre tem um pote do meu sorvete favorito na geladeira, e porque nunca colocou dificuldades para nos vermos, mesmo quando estávamos há milhas de distância. Eu te amo. E prometo te amar com meu melhor e o meu pior e secar seu cabelo nos dias frios que você tem preguiça, e sempre lembrar de te beijar antes de sair porque você odeia que eu vá sem me despedir. Eu prometo te amar o resto da minha vida... Você permite? Você... quer casar comigo?
- Sim, sim, sim. Claro que sim! - ela o fez se levantar do chão e o abraçou, gargalhando e chorando e o beijando. Jason a carregou do chão, rodopiando com sua noiva nos braços. Aquele dia tinha começado muito, muito estranho. E ele precisava agradecer à Chase por intervir, porque tinha a impressão de que estava fazendo tudo da forma errada antes dela chegar. Esse era o problema de não poder contar para os amigos: também não podia pedir conselhos. E sua mãe não fora muito útil ao dizer que ele tinha que ser sincero ao pedir desculpas, porque ele não conhecia a McLean como sua melhor amiga conhecia.
Annabeth se encostou no Jackson com os olhos pinicando e a garganta apertada. Aquela felicidade... tinha passado a semana se lembrando de quando fora pedida em casamento e precisou se encolher contra seu antigo noivo e agora atual... atual pessoa que tinha seu coração na mão e era sua única âncora no momento, para não se permitir afundar naqueles sentimentos. Estavam deixando tudo para trás, estavam se dando segundas chances. E naquele dia... o foco era dos melhores amigos radiantes.
- Vocês são tão adoráveis, eu acho que vou ter diabetes - a risada de Percy balançava seu corpo; ele não tinha dito muito. Sabia que não era o lugar dele de falar, ali. Depois ouviria mais detalhes da versão do Grace, assim como sabia que a loira ouviria da McLean.
- Agora é só vocês contarem para todo mundo - Annabeth tinha conseguido espantar as sombras, e sorria genuinamente, fazendo-o beijar aquela covinha sem pensar duas vezes; também teria muito a explicar para o amigo. Ela parecia se divertir imensamente ao rir e esticar o celular na direção do casal - Mas esqueçam o que eu disse. Nonna vai, definitivamente, acabar com a raça de vocês.