Qingshan e o imperador

By Malughiraldeli

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O imperador está morto, o Regente não se importa com o povo e o príncipe não é capaz de governar. Nesta relei... More

Prólogo - Sangue na Montanha
Capítulo 1 - A família sem homens
Capítulo 2 - O ladrão mascarado
Capítulo 3 - O valor de um soldado
Capítulo 4 - O povo da Montanha
Capítulo 5 - O Mercado Norte
Capítulo 6 - A joia de jade
Capítulo 7 - O cavalo de um guerreiro
Capítulo 8 - Infiltrado no conselho de guerra
Capítulo 9 - Novato
Capítulo 10 - O vilarejo em chamas
Capítulo 11 - O reencontro
Capítulo 12 - A morte do príncipe
Capítulo 13 - O aniversário do príncipe
Capítulo 15 - Capitão Shang
Capítulo 16 - Um encontro ao luar
Capítulo 17 - A fé do capitão
Capítulo 18 - A guarda particular do príncipe
Capítulo 19 - As noivas do imperador
Capítulo 20 - Liling
Capítulo 21 - A máscara dourada
Capítulo 22 - O bezerro sacrificial
Capítulo 23 - Os olhos
Capítulo 24 - A grande cerimônia
Capítulo 25 - O discurso
Capítulo 26 - O imperador
Capítulo 27 - O dote de uma imperatriz
Capítulo 28 - Era uma vez uma guerreira
Epílogo - A casa de chá

Capítulo 14 - Jun

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By Malughiraldeli

Por um instante não sei o que fazer, nada passa pela minha cabeça, sequer medo. Inspiro devagar, tentando trazer algum pensamento racional de volta ao cérebro e me ajoelho ao lado do príncipe. Suas mãos delicadas estão envoltas em finas luvas que deixam seus dedos de fora. As mãos dele também estão manchadas de sangue. Eu o imagino tocando algum ferimento causado pelo Dragão, talvez uma adaga enfiada embaixo das costelas, pegando-o de surpresa, como fui ensinada a fazer com o inimigo. Me pego imagino o susto do príncipe... Ele parece muito jovem e frágil.

Não sei se posso tocá-lo. Sei que sempre o imaginei como um governante não muito eficiente e talvez facilmente manipulável, mas agora que estou frente a frente com ele sinto-me diante de uma divindade, afinal os imperadores são os escolhidos pelos deuses, não é o que dizem? Este jovem de longos cabelos negros e rosto de porcelana é o poder máximo do império. Ainda assim não posso ficar parada contemplando-o eternamente. Eu me decido e estou a meio caminho de tocar seu rosto de alabastro quando suas pálpebras tremem. O príncipe abre seus grandes olhos de corça.

Estou imóvel, presa pelo seu olhar. Minha mão continua parada próxima à face dele e nenhum de nós se move. Vejo doçura e insegurança nas profundezas escuras, e algo mais. Algo oculto e incerto que desaparece rapidamente quando ele pisca. Espero uma reação, minha ou dele, de quem tiver a capacidade de sair primeiro dessa armadilha, mas nenhum de nós faz nada para quebrar o encanto e me pergunto o que ele está vendo em meu rosto mascarado de soldado.

— Shang!

O grito vem de Ren, que está atravessando o jardim. Atrás dele vêm mais soldados, todos com espadas em punho e sede de sangue nos olhos. Eu ergo as mãos, ainda de joelhos.

— É o príncipe! — alerto, caso eles não tenham reparado que a figura junto de mim não é o Dragão — ele está ferido!

Como se eu tivesse invocado uma maldição proibida todos os soldados param abruptamente no meio do gramado, nenhum deles ousando pisar nos degraus do templo. Aparentemente nenhum deles sabe se pode se aproximar do príncipe sem autorização expressa. Eu me pergunto se não existe um protocolo para ataques a ele, mas os guardas não querem entrar no templo de jeito nenhum. O príncipe odeia estar rodeado de pessoas e o Regente já puniu muitos por invadir o espaço pessoal de vossa alteza sem prévia autorização.

Fico sabendo de todas essas informações em uma enxurrada de palavras, enquanto os soldados debatem entre si. Parte deles nem ficou para decidir, simplesmente seguiu investigando rastros do Dragão ao redor do Templo.

Abaixo o olhar em busca de orientação, mas o príncipe voltou a fechar os olhos como se não quisesse participar de nada disso, e de preferência pudesse sumir. Há até um vinco entre suas sobrancelhas, como se ele pudesse desaparecer se fizesse bastante esforço.

Engulo uma imprecação e o comentário que eu gostaria de fazer em voz alta, mas estou me preparando para botar ordem nessa situação quando sou interrompida. Uma voz feminina, forte como uma tempestade, faz com que os soldados abram passagem. Uma mulher com aspecto de matrona, vestindo saia laranja com uma faixa de mesma cor ao redor da cintura, e muitas joias coloridas, até mesmo no coque grande no alto da cabeça, vem em nossa direção arfando. O príncipe abre os olhos quando ela se abaixa de frente para mim me ignorando.

— Oh meu pobre JunJun! — diz ela, se debruçando sobre ele. Eu só consigo franzir a testa. O príncipe Arjun, que até então estava brincando de morto no chão do templo, senta mais do que depressa e abraça a matrona. Ela o aperta pelos ombros, chacoalha perguntando se está bem e o rosto de alabastro do príncipe vai se alterando aos poucos de neutro para apavorado até que de repente ele está hiperventilando.

Sem fazer um som que seja.

O príncipe faz gestos com as mãos, indicando ele mesmo o templo, parecendo muito dramático. A matrona está traduzindo simultaneamente e levo um instante a mais do que deveria para entender o que estou vendo:

O príncipe é mudo.

Uma voz que nunca irá se levantar contra o Regente. Havia dito o Dragão e ele estava certo. Literalmente.

Estou tão chocada que não percebo quando a mulher levanta, levando o príncipe consigo. Não sei se ele está ferido, se pode ou não andar ou se o Dragão ainda está por perto, mas ela não se importa. Sai na frente, dispersando os soldados.

— Senhora! — eu a chamo, erguendo-me e a seguindo. O príncipe vai encolhido debaixo do braço dela como uma criança, embora seja bem mais alto que ela. — Senhora, não pode dispensar os guardas assim, é perigoso. O Dragão pode estar à espreita ainda!

— Eu já disse que ele fugiu pelos muros do fundo. Não viu o príncipe contando? — Ela pergunta com raiva. Tenho vontade de responder que não, não vi o príncipe contando porque não recebi nenhum treinamento especial para interpretar língua de sinais e estava chocada demais com a descoberta para prestar atenção ao que ela dizia.

Estou prestes a continuar argumentando com essa desconhecida quando Ren segura meu braço.

— Não se preocupe, Shang, nós vamos segui-lo. O palácio está todo cercado. O Dragão não vai ter chance de chegar perto do príncipe!

—Ele já chegou, Ren. — Argumento me desvencilhando e voltando a seguir a mulher, atravessando corredores e mais corredores até o que imagino que sejam os aposentos do príncipe. Durante todo o trajeto a mulher segue gritando ordens para qualquer criado que dê o azar de cruzar seu caminho.

Percebo que nenhum deles ousa encarar o príncipe e a maioria age como se ele não existisse. Estou em dúvida se eles o temem ou simplesmente desrespeitam abertamente.

Ou se existe uma terceira opção que ainda não me ocorreu.

Ren emparelha comigo em determinado ponto.

— Você foi muito corajoso e um pouco louco ao perseguir o Dragão sozinho. De novo.

Ele é muito amável, mas não tenho uma resposta boa no momento. A mulher à nossa frente grita por toalhas limpas, bacias e jarros com água, óleos aromáticos e mais um monte de coisas.

— Essa bobagem de festa já devia ter acabado há muito tempo! Pronto, chega desse circo! — ruge ela e não sei com quem está falando especificamente, se conosco, com os criados ou com o príncipe. — Você nunca deveria ter concordado com isso, JunJun.

JunJun.

Olho de esguelha para Ren, mas se ele achou estranho o apelido informal está escondendo bem, mantendo uma expressão neutra no rosto que é impossível decifrar.

— Quem é ela, afinal? — pergunto baixinho apertando o passo para alcança-los antes que ela nos tranque para fora de algum cômodo onde o Dragão pode estar escondido.

— Dan Dan. — Responde Ren. — É a ama seca do príncipe. Costumava ser ama de leite quando a imperatriz estava viva, mas depois que ela morreu virou uma substituta. E o defende com unhas e dentes!

— Até demais! — respondo mal humorada.

Dan Dan atravessa portas duplas douradas e eu a sigo rapidamente. Quando ela tranca a porta, Ren fica para trás, mas eu já me esgueirei e estou procurando sinais do Dragão.

— Soldados não são permitidos nos aposentos particulares do príncipe! — Anuncia Dan Dan com sua voz imperativa. Eu, que estou parcialmente curvada para fora da janela, investigando, viro-me para ela respirando fundo. Ela pode ser a ama seca dos deuses se quiser, mas não está acima de mim. Minha posição é defender o príncipe e eu respondo diretamente a ele, portanto, se quiserem que eu saia e o deixe desprotegido, ele terá que dar essa ordem pessoalmente.

Só percebo que fiz esse discurso em voz alta quando noto a expressão chocada de Dan Dan, o sorriso surpreso, mas aparentemente de deleite do próprio príncipe, e o rosto vermelho da criada que está tentando se mimetizar com a porta na esperança de esconder o riso frouxo que teima em curvar seus lábios. Imagino que se Dan Dan a pegar rindo vai ser seu fim.

— Só quero garantir que vossa alteza estará protegido. — Acrescento para ele especificamente, fazendo uma breve reverência e usando um tom de voz mais ameno.

O príncipe Arjun fala algo em língua de sinais para Dan Dan, que parece se acalmar. Ela suspira contrariada, mas segue em direção a um baú de onde começa a empilhar camisas tão brancas que quase refletem a luz. Arjun senta cuidadosamente na beirada da cama enquanto espera obedientemente.

— Faça seu trabalho então, soldado. — ela diz de costas para mim. Olho para o príncipe que me dá uma piscadinha cumplice.

O palácio está cheio de loucos. É a única conclusão possível!

A ama seca pensa que é uma rainha, o Regente é um genocida e o príncipe parece um garoto de dez anos!

Faço o possível para inspecionar o quarto, cada uma das portas, dentro dos armários, das saletas particulares e da varanda, sem arrastar os pés e resmungar. Estou quase confiante de que o Dragão realmente não está por aqui quando me vejo parada admirando o torso nu do príncipe, que está sendo vestido por Dan Dan.

Minha primeira reação é pensar que este homem já é grande o suficiente para se vestir sozinho, sem a ajuda de uma criada e da ama seca. A segunda é que ele tem um corpo bem bonito. É magro, é verdade, mas existem músculos ali que não sei exatamente como ele trabalha. Talvez tenha um professor de esgrima particular ou algum general fique responsável por sua educação marcial, embora eu não consiga imaginar um professor de artes marciais que aprovaria um cabelo longo como o dele, que chega até a cintura, negro como ébano.

Minha terceira reação é perceber que eu não deveria estar encarando, então me viro rapidamente.

Há uma escrivaninha perto de mim, então me permito analisa-la como quem não quer nada. Potes de tinta estão enfileirados de forma desorganizada, as cores misturadas e os pinceis estão sujos sobre um trapo manchado, mas os desenhos nos pergaminhos são interessantes. A maioria é sobre monstros com dentes afiados, criaturas marinhas e outros seres saídos diretos de um pesadelo. Fico curiosa e começo a folhear a coleção de artes do príncipe, esperando não estar sendo notada por ninguém. Paro na última folha que tem o desenho de uma criatura que parece um lagarto monstruoso, com muitos dentes e sangue por toda parte. O mais curioso é que o lagarto monstro usa os trajes do Regente.

— Agora permaneça na cama antes que fique doente! — diz Dan Dan em voz alta e me viro. Ela está colocando Arjun debaixo das cobertas e afofando vários travesseiros atrás dele. Por um instante nossos olhares se encontram e o príncipe aponta com o queixo para os desenhos que ainda estão em minhas mãos. Eu os devolvo rapidamente à escrivaninha, prendendo com o peso de papel em forma de polvo. Faço uma ligeira reverência como pedido de desculpas à ele.

Arjun balança a cabeça e encolhe os ombros.

Nossa conversa silenciosa parece a de duas crianças de castigo por fazer algo errado. De repente estou com vontade de rir e o príncipe vira o rosto. Tenho a sensação de que ele também está com vontade de rir.

— Aqui, pronto! — Dan Dan entrega a ele um copo de leite que a criada trouxe em uma bandeja. — Beba e você estará novinho em folha.

Ela põe a mão várias vezes na testa dele, preocupada, o que faz com que eu me pergunte se ele foi uma criança muito adoentada.

O príncipe está dando um gole no leite quando as portas do quarto são abertas e a figura altiva do Regente desliza para dentro. Imediatamente toda a atmosfera muda, até Dan Dan parece murchar um pouco. A criada some, saindo de fininho pela porta aberta.

O Regente nos ignora, indo direto até o lado da cama, onde põe uma mão incrustrada de anéis no ombro de Jun, que se encolhe visivelmente. O copo treme em sua mão e uma gota de leite escorre. O príncipe engole em seco e seu olhar fica vidrado, encarando a parede oposta como um animal acuado que sabe que seu fim chegou.

Tenho a inquietante sensação de que não é apenas com o Dragão que os súditos do príncipe devem se preocupar.

— Você teve uma grande provação hoje — ronrona o Regente acariciando o ombro do príncipe. As pontas de seus dedos são adornadas com enfeites de ouro em forma de garras, anéis de falange que cobrem as unhas. Tenho a sensação de que esse carinho é muito mais uma ameaça do que um conforto. — Você está ferido, Arjun? — ele pergunta e o príncipe balança a cabeça, mas o movimento é tão súbito, reverberando por todo seu magro corpo, que o leite chacoalha e derrama. O Regente dá um passo para trás franzindo o cenho. — Olhe o que você fez... Tsc, tsc, Arjun, Arjun... Precisa deixar de ser tão desastrado... — ele ergue os olhos ferinos para Dan Dan que se inclinou para limpar o leite. — Como ele está?

Dan Dan se endireita, retorcendo um guardanapo de pano entre os dedos.

— Ele está bem, senhor, saiu ileso do confronto, exceto por um arranhão quando tentou se defender. O restante do sangue em suas roupas não pertence a ele. Espero que peguem logo esse criminoso. — Suspira Dan Dan.

— Pegaremos. — anuncia o Regente, cheio de confiança. Seu olhar recai sobre mim. — Inclusive, penso que devo agradecer a você, soldado. Sua coragem foi impressionante. Como se chama?

— Meu nome é Li Shang, senhor. — Respondo olhando para baixo e forçando minha melhor voz masculina.

— Você foi o único em todo um batalhão com coragem suficiente para realmente lutar por seu príncipe e seu reino. Um homem de verdade como raramente se vê hoje em dia — ele comenta e sinto um nó no estômago. — Daqui em diante você será nomeado capitão e espero que cuide pessoalmente da segurança do príncipe. Escolha seus homens. Quero-os no palácio, no pavilhão do príncipe, o tempo todo.

Ainda estou em choque quando Dan Dan abre a boca para argumentar.

— Mas senhor, o príncipe não...

O Regente ergue uma mão cheia de garras douradas para impedi-la de continuar.

— Fui condescendente por tempo demais com você e Arjun. Daqui em diante ele terá um segurança e uma guarda particular. — O Regente levanta o olhar para mim mais uma vez. — Estamos de acordo, capitão?

Não tenho coragem de olhar para o príncipe, mas tampouco para o Regente. Assim olho um ponto qualquer na parede atrás dele quando respondo:

— Sim, senhor.

E assim, sou a nova guardiã do príncipe e não consigo sequer imaginar a reação do Dragão quando ele descobrir que seu pupilo agora também será seu maior impedimento para o plano que deseja realizar. 

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