Terra Proibida - Essência

By EvaSans86

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Em um entrelaçar de passado e presente, mergulhe em uma trama que desafia os limites da razão e da sanidade... More

Nota da Autora
[Agora] A queda
[45 anos atrás] A proposta
Cap. 1 - Sentimentos Ocultos
Cap. 3 - Ecos do Passado
Cap.4 - A medalha
Cap. 5 - Revelação
Cap.6 - O nada
Cap. 7 - Oráculo
Cap. 8 - Isadora Moraes
Cap. 9 - Elizabeth Detzel
Cap. 10 - Segredos ao pôr do sol
Cap. 11 - Sangue quente
[45 anos atrás] A Alma à venda
[45 anos atrás] A casca
[Agora] O Salto
Cap. 12 - Despertar
Cap. 13 - O Animal que me tornei
Cap. 14 - Presente de grego
Cap. 15 - Feito de lágrimas e cinzas
[45 anos atrás] Ninguém se lembrou
[45 anos atrás] Inferno
[45 anos atrás] Quando todos os homens falharam
[45 anos atrás] Mais que morrer
[45 anos atrás] Seus pensamentos
[45 anos atrás] Miserável
[45 anos atrás] Esse tipo de amor...
Cap. 16 - Versões de uma mulher
Cap. 17 - A casa
Cap. 18 - Terceira morte
Cap. 19 - Primeira vida
Cap. 20 - Alguém tem que morrer
Cap. 21 - Sete Palmos
Cap. 22 - O Centro do Universo
Cap. 23 - Essência

Cap. 2 - Tormenta

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By EvaSans86

[2ª Edição]

Henri Speltri

Estava exausto, porém, sem uma gota de sono. A bombástica mistura de cafeína com pó de guaraná cumpria bem o papel de mantê-lo atento a sua enorme pilha de processos, afinal, a madrugada prometia ser longa.

No pequeno e nada modesto escritório de advocacia, localizado em um dos prédios mais caros da cidade, Henri se perdia em meio ao tempo e à bagunça que fazia diante de suas pilhas de papéis. Tinha uma defesa oral para apresentar em poucos dias e precisava estar afiado. Recitava, treinava, falava.

Normalmente, era o tipo de pessoa que falava pelos cotovelos.

Em seus trinta e dois anos, tinha uma experiência profissional invejável, boa parte vinda de sua temporada como militar e outra pelo tempo que trabalhou no escritório que assessorava a magnata tia Elizabeth Detzel. Nesta atual etapa da vida preferia assumir casos menores, às vezes menos lucrativos, mas que o possibilitasse viver de forma mais leve e menos pretensiosa.

Depois de tanto gastar saliva, considerou uma pausa. Se levantou da mesa, alongou o pescoço, se serviu mais uma xícara de café, foi até a janela, acendeu um cigarro e, para desanuviar um pouco a mente, zapeou pelas redes sociais, até que uma notificação chamou sua atenção.

— Puta que me pariu... – era uma verdadeira surpresa o que estava lendo. Falava para si – Ela me mandou mensagem? Mano... Ela me mandou mensagem!

Segurou o ar.

Não era de seu feitio ignorar ninguém, mas precisava se fazer de difícil.

Sem se dar conta que já se passavam das três da manhã de uma segunda-feira, ligou para o irmão. Precisava mesmo consultar um especialista em transtornos mentais que poderia ser crucial para inocentar seu cliente, este seria o pretexto, pois, na verdade, a consulta era para si, no caso da mensagem que tava enrolando para ler. Solenemente ignorado pelo irmão, ligou para outro especialista, não na área que precisava, mas que ia captar bem o fio da meada, o grande neurologista Thiago Taurus e também melhor amigo do irmão, Benício.

— Grande Thiagão! Tá acordado?

— Não animal! Vai tomar no cu Henry! Me deixa dormir! – esbravejou do outro lado da linha.

— Mas eu preciso da sua opinião agora!

— Meu atendimento é em horário comercial das nove da manhã às dezoito horas. Marque com minha secretária.

— Não é caso clínico não, viado, mas pode vir a ser. A Jú me mandou mensagem e tô com medo de ler.

— Vai se fuder! Abre logo essa porra de mensagem e lê! Afinal, cadê o Benício? Cuidar de doido é com ele, não é comigo não!

O amigo teve a audácia de desligar na cara. Começou a morder o cantinho da unha de tanta ansiedade e medo da mensagem.

Seus pensamentos mirabolantes sobre o conteúdo da mensagem foram interrompidos. O telefone que chamava, olhou no visor um número desconhecido. Ah vá, quem ousa me ligar a essa hora da manhã? . Ignorou. Se arrependeu no mesmo instante. Será que algo aconteceu com a Jú? Um acidente, um sequestro, meu deus! Um incêndio?

Respirou fundo e temeroso abriu a mensagem de Júlia, sua ex-namorada:

______________________________________________

[Henri, eu te odeio e também odeio o Benício, 

mas vá atrás dele e não deixa ele tomar 

qualquer remédio que ele tenha pego em casa.

Por favor.] 03:37

[Juzinha, o Bê está ótimo.

Muito melhor agora que terminou com a surtada da sua amiga.

Já que estamos no assunto ódio, 

eu também odeio a sua amiga, ela sempre estraga tudo.

Agora você, por mais que eu tente, eu amo tanto que dói.

Gatinha linda, quando me quiser de volta, 

estarei esperando, mais um milhão de vezes, eu te amo.] 04:00 ✔


_______________________________________________

Estava bloqueado. Outra vez bloqueado.

Pensar em um Benício triste com a separação era algo que jamais conceberia. Estranho era como eles não tinham se separado antes?

Aos olhos de Henri, Benício era a perfeição em pessoa. Tão perfeito que chegava a irritar. Perfeito do acordar ao se deitar e, também, uma meta a se alcançar.

Durante bons anos o garotinho miúdo, magricela e com óculos fundo de garrafa que foi, se espelhava e se orgulhava do garoto mais popular da escola, o mais inteligente, o mais forte e o mais bonito: Benício Speltri. Mesmo que ele o ignorasse e o colocasse de escanteio, admirava tanto o irmão que o seguia cegamente em todos os lugares e ficava desolado quando o mais velho o desmentia entre os amigos o chamando de primo distante.

Realmente eram primos, porém criados como irmãos. Henri foi adotado aos seis anos e era filho da irmã mais nova de Madalena Ortega, mãe do menino mais bonito da rua. O título de irmão, concedido por Benício era uma coisa recente. Tinha menos de uma década e mesmo assim, quando se irritava, o chamava de primo ou adotado.

Não, não. O Bê não se abala com pouca merda.

Ele odeia remédios, só toma em último caso.

A perfeição em pessoa? Nunca!

O cara tem a mente de titânio... Não, não... Mas e se...?

Não.

Mentalmente jogou o pensamento fora. Desligou o telefone. De manhã cedo ligaria para o irmão e com certeza o levaria para fazer a catarse.


Júlia Malawe

Seu dever como pessoa do bem estava cumprido. Após anos, desbloqueou o famigerado e grudento ex-namorado, transmitiu a mensagem que importava e bloqueou de novo. Afinal, não era obrigada a manter contato com este ser falastrão, dramático e o pior, louco.

Agora só podia torcer para Benício não fosse encontrado morto.

Deitada ao lado da namorada, remoeu iluminada pela tela do celular os acontecimentos do dia milhares de vezes até chegar ao ponto de enviar mensagem para o ex.

Sua melhor amiga e sócia, Olívia, tinha mexido em suas coisas.

Odiava a invasão de sua privacidade e a amiga tinha ultrapassado todos os limites abrindo e copiando arquivo por arquivo de seu computador no trabalho, vasculhado todas as fotos e conversas dela com a namorada e criado um verdadeiro escarcéu por conta do reflexo de uma foto, que ela mesma nunca tinha reparado, em uma postagem despretensiosa.

A amizade estremeceu no dia que começou a namorar sério Anita, a loira maravilhosa e descolada que fazia o atendimento publicitário da empresa em que dividiam a sociedade. As madames não se batiam.

O cúmulo tinha sido naquela noite. Bêbada, Olívia tinha prometido matar Anita, assim como tinha matado Benício. - Oi? - Não costumava botar muita fé nas maluquices da amiga, mas o olhar dela, desta vez, estava diferente, fora que o ataque de pelancas estragou o jantar de amigos. Nunca tinha visto Olívia tão transtornada e se questionava, como ela chegou a esse ponto?

— EU RECONHEÇO AS COSTAS DO MEU MARIDO A DISTÂNCIA! — berrava. — E ESSAS OUTRAS FOTOS AQUI? - apontava para imagens no celular.

— Mona, cê tá louca? Essa foto é de um namorado da minha avó! — dizia Anita, chocada. — Esse cara, se tiver vivo, deve ter no mínimo cento e vinte anos!

Antes que Olívia se estrepasse ao tentar bater em Anita, apartou as duas. Não que Anita fosse muito alta, mas Olívia era minúscula.

Uma lembrança a deixou inquieta. Sempre observou a forma curiosa como a amiga tomava certos comprimidos. Às vezes ela mastigava como balinha e em outras, ela abria o invólucro e engolia o conteúdo. Olívia fazia isto com uma facilidade tão grande que não resistiu em fazer um comentário:

—   Nossa, com essa prática dá até pra colocar outra coisa dentro e reaproveitar, tipo, colocar chumbinho e dar pro idiota do seu marido.

Já tinha feito este tipo de comentários várias vezes em tom de brincadeira, já que não se bicava com Benício, mas a suspeita veio quando precisou pegar carona com Olívia e viu, jogado no banco de trás do carro, uma sacola com um potente raticida. Aquilo acendeu um alerta, ainda mais sabendo que os dois não estavam bem.

Seu dever estava feito, agora era com Henri.


Elizabeth Detzel

Elizabeth amava observar as estrelas. Da sacada do quarto em sua casa de praia aos arredores da cidade de Pipa, olhava pelo telescópio suas constelações favoritas enquanto bebericava uma taça de vinho, quando o mal-estar veio.

A dor, a confusão mental, o enfraquecimento, eram semelhantes ao que sentiu em um dos piores momentos de sua vida.

Caiu. Se cortou com o vidro da taça e ao tentar se reerguer, derrubou o telescópio, puxou as cortinas e quebrou a vidraça.

A gravidade. A maldita gravidade a puxava para baixo com uma força assombrosa.

Viu anos de sua vida escorrer pelos dedos sem nada poder fazer e sem conseguir pedir ajuda. Em um piscar de olhos, dez anos mais velha. Outra piscada e o emaranhado de mechas vermelhas se mesclavam a fios brancos, vincos na pele e dor.

Mesmo sabendo que eventualmente Benício morreria, não se preparou para aquilo. Tossia sangue como reflexo da forma que o rapaz morreu.

Foi encontrada no dia seguinte desacordada por um dos funcionários da casa, que achou estranho o silêncio pela manhã. Quando deu por si, estava entubada em uma UTI.

Ouvia de longe a voz de Henri. Não tinha noção nenhuma do tempo que tinha passado inconsciente, mesmo entorpecida, a única coisa que vinha em sua mente era Benício e a vontade de sair daquele lugar.

— Titia, não se esforce. – Henri segurava sua mão e tentava a apaziguar com ternura. – vai ficar tudo bem, eu tô aqui. Não que isso signifique muita coisa se formos comparar ao Bê...

As lágrimas escorriam pelo rosto de Liz, que sequer conseguia falar. Viu o rapaz pegar o telefone e tentar falar com Benício. A impaciência dele, unida ao desespero dela, deixava a atmosfera do quarto ainda mais pesada.

Thiago Taurus

Olhou no visor do celular o nome e a foto de Henri com uma expressão divertida. Era mais um irmão mais novo para se preocupar e também se entreter. Esperou por aquela ligação a manhã inteira.

— Oi Thiago.

— Onde vai ser a farra? – respondeu animado, mas estranhando ser chamado pelo nome de forma normal.

— Fi da puta! Agora tu fala mansinho, né corno? Segura a farra que o assunto é sério. Não consigo falar o Bê desde ontem de madrugada, tem notícia dele?

— Ele não tinha ido pra casa do seu pai?

— Já liguei lá e nada.

— Aconteceu alguma coisa? E afinal, leu a mensagem da Júlia? Você tá bem?

— Cara, a tia Liz teve um problema de saúde e acabou que tive que vir pro Rio Grande do Norte as pressas, mó canseira. E já liguei em todos os lugares, todos os telefones possíveis e não acho esse infeliz.

— Sua tia já tem algum diagnóstico?

— Tem, gravei o que o médico aqui disse, vou te passar, assim você me explica como se eu tivesse quatro anos, porque pelo fritar dos ovos, tô achando que a coroa vai de "arrasta pra cima". O bagulho tá tenso.

— Beleza. Vou achar o Bebezão.

Preciso ver a Liz.

Thiago Taurus, em outros tempos conhecido pelo nome Santiago Ferri, pressentia que a partir daquele dia, uma nova reviravolta aconteceria. Embora quase ninguém soubesse, mantinha uma espécie de relacionamento com Elizabeth.

Ouviu a mensagem encaminhada por Henri atentamente e no seu entendimento uma coisa era certa, para abater uma bruxa daquele naipe, o oponente teria que ser poderoso de uma forma extraordinária, já que todas as defesas ao redor dela eram fortificações extradimensionais, e até criaturas das camadas sutis não se atreviam em se aproximar. Ele próprio só se dirigia a ela em assuntos, digamos, bastante específicos, mesmo assim, com o rabo entre as pernas.

Só uma entidade na terra era capaz de arrasá-la naquela proporção, e essa pessoa se chamava Diego Ferri.

Respirou fundo, pegou o jaleco no cabideiro do consultório, vestiu e foi visitar seus pacientes internados, enquanto decidia o que fazer. Sabia onde Benício estava, mas teria que solicitar autorização para entrar e odiava ter que pedir permissão para qualquer coisa.

Se valendo de seus atributos mágicos, em um ponto cego, abriu um portal e quando o atravessou já estava na capital do Rio Grande do Norte. Mudou o logo do hospital que trazia no jaleco, para o do hospital onde Elizabeth estava e sem ser percebido, entrou no quarto onde a bruxa estava.

Nunca em toda a sua vida havia visto Elizabeth em tão mau estado. Parecia que não a via há décadas. Sentiu o peso na consciência o condenando por não conseguir cumprir o prometido e proteger Benício.

Se aproximou da bruxa, tirou o soro das veias, desligou o oxigênio. Inclinou-se sobre ela e com os lábios encostados aos dela, cedeu uma parte de sua energia curativa. Sentiu o corpo dela ganhando força.

Transferiu cura por alguns minutos.

Ela acordou com um suspiro engasgado.

— Lisinha, meu bem, passou, passou. - disse a abraçando enquanto ela desabava em lágrimas.

— Eu te odeio Santiago, de todo coração.

— Eu sei e aceito. Preciso de autorização para entrar na sua casa. O Benício está lá.

— Santiago, dói tanto. Envenenaram ele!

— Ele vai ficar bem e você precisa recuperar sua força.

— Você quebrou sua promessa.


Thiago aconchegou Liz em seus braços. De qualquer forma, pelo estado em que ela estava, Benício já estava fora de perigo. Ambos sabiam que isso aconteceria, mas não imaginavam que seria tão violento.

Antes que alguém o visse, se despediu de Liz e voltou a Brasília. A visão da mansão da bruxa dava um leve frio na barriga. Posicionou a digital no leitor que havia na portaria e entrou. Sempre teve curiosidade em saber como era o lugar onde ela morava.

Encontrou Benício adormecido em uma poça de sangue. Com muito cuidado, checou seu estado de saúde e percebeu que faltava pouco para que a regeneração se completasse. Viu o frasco de comprimidos para ansiedade caído no chão e sem muito esforço, identificou o veneno, assim como o cheiro de Olívia.

Porra, tanta gente querendo sua cabeça e a que conseguiu foi tua mulher. Pra que inimigos quando se tem uma família como a nossa?

— Realmente. Mas sabe, Santinho, de todos, você é o meu maior desgosto. - o olhar de Benício estava fixo no dele. A íris dourada mostrava que quem tava ali era o outro.

— Diego!

— Por que a surpresa? - a voz dele soava fraca. Tossiu sangue. — Vai me matar de novo?

Graças ao universo ele estava fraco. Induziu Benício a um sono profundo, assim não atrapalharia a recuperação e reforçou o selo que o protegia de si, torcendo para que Elizabeth nunca desconfiasse.

Deu um banho no irmão para livrá-lo do sangue, o colocou na cama do quarto de Liz, limpou o ambiente, para que todo o ocorrido não parecesse com nada, senão um pesadelo.

Observou cada detalhe da casa, viu o quadro que Benício tinha pintado e refletiu o quanto era forte a paixão interrompida entre Diego e Liz. Tão forte que nem a morte tinha sido capaz de apagar e isso reacendia uma fagulha de ciume e, também, de culpa.


Anita Straus

Desde o advento da fotografia, Anita era declaradamente apaixonada por essa arte. Quando Diego lhe deu a sua primeira câmera, ficou tão fascinada que era capaz de se isolar por meses para fotografar e revelar suas imagens. Diante da modernidade atual, mesmo com todo o seu aparato digital, ela ainda gostava de preservar suas raízes, as câmeras analógicas, agora conhecidas como vintages.

Era céu de brigadeiro, crianças correndo pelo parque da cidade, pessoas felizes passeando com seus cachorros, namorados namorando, borboletas voando e ipês floridos. Um solitário e interessante dia para se eternizar. As cores do cerrado eram impressionantes e desde que chegou a Brasília não tinha parado para observar a beleza do lugar ou mesmo refletir sobre a poderosa força que a atraia até ali. Era como se o tivesse por perto outra vez. Sentia segurança, uma emanação de força, poder. As coisas voltavam a ter cor.

Fazia três meses que tinha se mudado para Brasília. Encontrou um trabalho legal como publicitária, um bom apartamento, localizado na região central da cidade, um gato de estimação e a namorada mais fofa do universo.

Deitada em baixo de uma árvore, bebendo sangue em uma garrafinha térmica pelo canudinho, Anita refletia sobre as inquietudes de Júlia.

Júlia era o que Anita chamava de espírito livre, independente, ousada, linda e vivaz. Adorava se perder em meio ao perfumado blackpower da namorada. Admirava suas curvas, suas nuances, suas atitudes. Encantaram-se uma com a outra de primeira. Durante as reuniões de briefing, era difícil desviar o olhar de tanta elegância. Só que agora, algo estava estranho entre as duas e isto tinha começado no dia em que Jú notou o quadro pendurada no sala de seu apartamento com a foto dele.

— Que foto legal, quem é o modelo? - disse ela apontando para o quadro que ficava destacado em uma das paredes da sala, mas sua expressão facial era estranha.

— Um dos namorados de vovó. A foto original deve ter uns cem anos. Dizem que ele morreu na segunda guerra. - inventou a história. - Achei essa foto e algumas outras numa caixa na casa da minha mãe e quis emoldurar.

— Tem mais fotos?

— Sim! Ele era morto de lindo, não era?

— Olha, assim eu fico com ciúmes...

Atentou bem para o desconforto da amada em relação à imagem.

— Relaxa. Vovó o amava tanto que ela morreu já velhinha abraçada a uma foto dele.

— Sua vó era bem safadinha pra época, né? Esse homem está nu...

— Vovó era subversiva. Amor, tô te achando meio nevosa. O que foi?

— Ele me lembra muito o marido de uma amiga.

— Qual amiga? Olivia? Não sabia que ela era casada com um idoso, chocada!

— Não, não, ele tem a minha idade. Ela vai surtar se ver essa foto.

Até parece que a entidade que ajudei a matar pessoalmente, iria voltar, assim, do nada. Se bem que se arrependimento matasse, eu já estaria morta há séculos.

Em um gesto suave, segurou o rosto de Julia, olhando bem no fundo de seus olhos, projetando suas habilidades de controle mental, a deixando paralisada.

— Querida, somente aprecie o meu quadro. Não deixe que o ciúme e sua amizade com a Olívia atrapalhe nosso momento... Você está exultante e se sentindo maravilhosa hoje, - um sorriso brotou no rosto de Julia instantaneamenteno mais, eu gosto muito de você, não se preocupe, o da foto já morreu.

As pupilas de Julia se dilataram e contraíram absorvendo a informação. Anita não gostava de hipnotizar pessoas próximas, considerava seu uso válido apenas em suas caças, entretanto aquela situação poderia ficar muito embaraçosa e não queria desistir de Júlia. Ia bolar uma estratégia para afastá-la de Olívia. O marido dessa louca nem deve ser essa beldade toda e mesmo se for, nem o conheço.

Toda a situação, despertou uma saudade enorme de tempos mais modestos quando vagava junto aos irmãos Ferri sobre a superfície da terra aprendendo novas culturas, conhecendo pessoas e sangues interessantes. Era delicioso atazanar a santa e interminável paciência de Santiago, festejar com Alejandro e acompanhar o excelente Diego em suas experiências revolucionárias.

Por que você tinha que se apaixonar logo pela maldita Elizabeth Detzel?

Ah Diego. Que falta você me faz.

Olívia Alcântara

Agora estava feito e não havia espaço para arrependimentos. O ódio que nutria por Benício era tão forte que a fez acabar com tudo. Quando o encontrassem morto, ela estaria do outro lado do mundo e voltaria como a triste viúva que perdeu o amor de sua vida para a depressão.

De toda forma, ele se suicidou.

Ninguém desconfiaria.

Atravessou o portão de embarque altiva. Seu destino, a Cidade Luz! Paris seria o melhor lugar para recomeçar sua vida sem ele, o grande motivo de sua infelicidade, mas antes morto do que com qualquer outra.

O odiava por ser comedido, tranquilo, livre de ciúmes, prático para resolver problemas e aparentemente inabalável. Odiava ele ser infinitamente mais atencioso com os outros do que com ela.

O dia que encontrou os frascos de remédios controlados para ansiedade e depressão nas coisas dele, se recusou a acreditar que ele tinha um ponto fraco. Todos os dias, depois que ele dormia, contava quantos comprimidos ainda restavam no frasco. Colocou um detetive atrás dele para saber se tinha algo mais que ela não sabia e o que recebia, eram fotos dele sentado num parque, café ou biblioteca sozinho, rabiscando em um caderninho.

Se acomodou em sua poltrona na primeira classe do avião, olhou ao redor, enquanto um fio de lágrima deslizava, deixando um suave rastro na maquiagem impecável. Não tinha como voltar.

O rancor vencia o amor desesperado que tinha por Benício. Uma facada ou um tiro, doeria e feriria menos o seu orgulho. As fotos que achou no computador de Júlia foram apenas a cereja do bolo. Não tinha como não ser ele, os sinais nas costas do cara da foto formavam o cruzeiro do sul, iguais aos dele. A certeza veio quando cavou mais um pouco e achou as fotos do rosto em um perfil antigo da maldita Anita, namorada da amiga. Era ele.

Maldito traidor, vagabundo.

Olhou para a tela do celular, nenhuma notificação.

Nem sinal daquele traste.

Benício Speltri

A dor o libertou do corpo.

Em outro plano, camadas de memórias se sobrepunham e passavam como uma avalanche por Benício, que nada entendia.

Medo, agonia, terror. Imagens sangrentas, guerras, dor.

Em um momento, um cavaleiro medieval cavalgava com a lança apontada em sua direção. Era queimado em uma pira de fogo, tentava se libertar em uma redoma de água, e em um piscar de olhos, o melhor amigo, Thiago, cravava uma espada em seu coração, enquanto outras três pessoas, que não reconhecia, o prendiam com correntes que corroíam sua pele.

Estava de joelhos em uma terra árida e o sol cegava seus olhos. Pensou nela.

Liz, perdão. - Havia uma mágica linha dourada amarrada em seu braço esquerdo e ela queimava tanto quão as lágrimas que escorriam em sua face. - Por favor, não me encontre.

Confusão.

Onde estou?

Então essa é a sensação de morrer?

Palhaçada. Quero novidade.

Fechou os olhos e quando abriu, lá estava Elizabeth. Jovem. Linda. Bem de frente a ele, em uma piscina de águas tão vermelhas quanto seus cabelos.

— Você não tem ideia do quanto eu sinto sua falta. — disse ele, acariciando os lábios da ruiva com o polegar. Entregando o olhar apaixonado que só ela despertava.

Suas mãos deslizavam pelo corpo nu de Elizabeth, a acariciando, sentindo a maciez e a essência daquela pele se arrepiar com sua respiração, mordiscando-a do pescoço até o ombro, deixando um rastro de sangue percorrer cintilante em contraste a pele alva.

O sorriso dela para ele seria capaz de causar a paz mundial, acabar com a fome no mundo, tornar o mais miserável dos seres o mais feliz. A beijou.

— Eu vou terminar te matando. — disse.

— Não me importo – respondeu ela tranquila com seu inebriante olhar de esmeralda – prefiro a morte a uma vida sem você.

Se encaravam apaixonados. Ela tinha o poder de esquadrinhar sua alma e seus desejos mais secretos. Dessa vez, o beijo dela o surpreendeu, assim como o encaixe de seus corpos. De olhos bem abertos, Benício via e sentia o prazer reluzir naquele corpo, minha bruxinha cretina, entregando-se a cada movimento que faziam juntos.

— FINALMENTE! – berrava Henri, ao constatar que Benício acordava. – O BELO ADORMECIDO ACORDOU! – debochava ao notar a expressão passada do irmão – e o sonho estava bom pelo visto!

— VAI... – irritado, Benício tomou ar e enfatizou cada palavra com os olhos arregalados- PRA PUTA QUE TE PARIU HENRI! SOME DAQUI, INFERNO!


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