Terminei de ler ontem, após várias pausas, tentando retomar meu hábito de leitura.
Em "O Homem do Castelo Alto", de Phillip K. Dick, o presidente Franklin Roosevelt é assassinado em 1933. Sem o New Deal, os EUA permanecem em crise anos 1940 adentro, e a falta de seu envolvimento na 2ª Guerra Mundial leva à vitória do Eixo. Em 1962, a costa leste dos antigos EUA é dominada pela Alemanha, a oeste pelo Japão, e uma zona neutra nos estados centrais serve de separação às duas potências envolvidas numa Guerra Fria entre si.
Para começar, a premissa deste livro pode enganar. Apesar da construção de mundo muito bem elaborada (e dela vieram minhas partes favoritas do enredo), o foco não é uma rebelião contra os governos totalitários. Inseri-la na premissa da adaptação a seriado do Amazon Prime, aliás, provavelmente foi uma jogada para tornar a história atraente a um público mais amplo (o seriado, aliás, só parte da premissa básica do livro e toma um caminho todo diferente).
A obra de Dick, ao contrário, acompanha pessoas comuns nessa distopia. Alternando a narrativa entre Childan, Frank, Juliana e Tagomi, cria um romance filosófico, tratando das reações dos protagonistas conforme descobrem viverem num mundo paralelo no qual os Aliados perderam e que, para sua inquietação, não deveria existir.
Conforme os personagens buscam respostas no oráculo do I Ching – e há uma metalinguagem nisso, pois Dick também escreveu cada parte do romance influenciado pelos resultados das consultas que fazia – a trama se desdobra em reflexões sobre acaso, destino, condição humana e, principalmente, a natureza da realidade. Há uma preocupação muito maior com tais temas do que com arcos de personagens – os quais terminam o livro, em sua maioria, abertos – e a tensão vem, na verdade, de começarmos a fazer os mesmos questionamentos quanto ao nosso próprio universo.
Com o tema de multiverso e dimensões paralelas em voga na ficção, este é um livro interessante a quem gostaria de um olhar sobre o tema por uma perspectiva mais intimista e inquietante. Também a quem curte ficção histórica, pois fica clara a pesquisa do autor ao elaborar o cenário de fundo e como ele é verossímil e aterrador (Dick, aliás, sempre titubeou em escrever uma continuação por afirmar que pesquisar sobre os nazistas ao livro foi algo pesado demais).