passagens

By ellecarmo

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citações dos livros que já li. destaques pessoais. More

a alegria de ensinar - rubem alves
a arte da guerra - steven pressfield
a arte de conhecer a si mesmo - arthur schopenhauer
a caixinha de música - luiza trigo
a escuta do infinito - marcelo gleis
a garota perfeita - mary hogan
a história do avivamento azusa - frank bartleman
a hora da estrela - clarice lispector
a lei de sullivan - nancy t. rosenberg
discurso da servidão voluntária - étienne de la boétie
o aliciador - donato carrisi
o vilarejo - raphael montes
sobre a pedagogia - immanuel kant
talvez você deva conversar com alguém - lori gottlieb
uma confissão - liev tolstoi

a arte de escrever - arthur schopenhauer

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By ellecarmo

01. todas as traduções são necessariamente imperfeitas, pois as expressões características, marcantes e significativas de uma língua não podem ser transpostas para outra. por trás dessa crítica aos tradutores está a noção de que cada língua possui palavras específicas que expressam determinados conceitos com muito mais precisão do que todas as outras línguas. assim, ao aprender uma língua, estaríamos ampliando e refinando nosso acervo de conceitos, da mesma maneira que, ao traduzi-la, muitas vezes substituiriamos as palavras exatas que expressam certo conceito por palavras apenas correspondentes, mas imprecisas.

02. ele identifica como um dos principais problemas estilísticos de sua época a falta de clareza, a profundidade e os neologismos, que seriam indícios de uma tentativa de dar aparência erudita e profunda a textos sem conteúdo.

03. deve-se evitar toda prolixidade e todo entrelaçamento de observações que não valem o esforço da leitura. é preciso ser econômico com o tempo, a dedicação e a paciência do leitor, de modo a receber dele o crédito de considerar o que foi escrito digno de uma leitura atenta e capaz de recompensar o esforço empregado nela.

04. os professores ensinam para ganhar dinheiro e não se esforçam pela sabedoria, mas pelo crédito que ganham dando a impressão de possuí-la. e os alunos não aprendem para ganhar conhecimento e se instruir, mas para poder tagarelar e para ganhar ares de importantes.

05. a cada trinta anos, desponta no mundo uma nova geração, pessoas que não sabem nada e agora devoram os resultados do saber humano acumulado durante milênios, de modo sumário e apressado, depois querem ser mais espertas do que todo o passado.

06. em geral, estudantes e estudiosos de todos os tipos e de qualquer idade têm em mira apenas a informação, não a instrução. sua honra é baseada no fato de terem informações sobre tudo, sobre todas as pedras, ou plantas, ou batalhas, ou experiências, sobre o resumo e o conjunto de todos os livros. não ocorre a eles que a informação é um mero meio para a instrução, tendo pouco ou nenhum valor por si mesma, no entanto é essa maneira de pensar que caracteriza uma cabeça filosófica.

07. ah, essa pessoa deve ter pensado muito pouco para poder ter lido tanto! sinto a necessidade de me perguntar se o homem tinha tanta falta de pensamentos próprios que era preciso um afluxo contínuo de pensamentos alheios, como é preciso dar a quem sofre de tuberculose um caldo para manter sua vida.

08. assim como as atividades de ler e aprender, quando em excesso, são prejudiciais ao pensamento próprio, as de escrever e ensinar em demasia também desacostumam os homens da clareza e profundidade do saber e da compreensão, uma vez que não lhes sobra tempo para obtê-los. com isso, quando expõe alguma ideia, a pessoa precisa preencher com palavras e frases as lacunas de clareza em seu conhecimento.

09. é isso (a falta de clareza e profundidade), e não a aridez do assunto, que torna a maioria dos livros tão incrivelmente entediante. pois, como podemos supor, um bom cozinheiro pode dar gosto até a uma velha sola de sapato; da mesma maneira, um bom escritor pode tornar interessante mesmo o assunto mais árido.

10. os eruditos, em sua maioria, estudam exclusivamente com o objetivo de um dia poderem ensinar escrever. assim, sua cabeça é semelhante a um estômago e a um intestino dos quais a comida sai sem ser digerida. justamente por isso, seu ensino é seus escritos têm pouca utilidade. não é possível alimentar os outros com restos não digeridos, mas só com o leite que se formou a partir do próprio sangue.

11. a peruca é o símbolo mais apropriado para o erudito puro. trata-se de homens que adornam a cabeça com uma rica massa de cabelo alheio porque carecem de cabelos próprios.

12. diletantes, diletante! - assim são os que exercem uma ciência ou uma arte por amor a ela, por alegria, por seu deleite; são chamados com desprezo por aqueles que se consagram a tais coisas com vistas ao que ganham, porque seu objeto dileto é o dinheiro que têm a receber. no entanto, só se dedicará a um assunto com toda a seriedade alguém que esteja envolvido de modo imediato e que se ocupe dele com amor. é sempre de tais pessoas, e não dos assalariados, que vêm as grandes descobertas.

13. esse desdém (pelos diletantes) se baseia na sua convicção desprezível de que ninguém se dedicaria seriamente a um assunto se não fosse impelido pela necessidade, pela fome ou por uma avidez semelhante. o público possui o mesmo espírito e, consequentemente, a mesma opinião: daí provém seu respeito habitual pelas "pessoas da área" e sua desconfiança em relação aos diletantes.

14. o grande público culto busca viver bem e se distrair, por isso deixa de lado o que não é romance, comédia ou poesia. para, excepcionalmente, chegar a ler algo com o objetivo de se instruir, o público aguarda antes uma carta declarando que de fato se encontra ali um ensinamento válido. e os que mais entendem do assunto, supõe o público, são as pessoas da área.

15. como diderot já disse, em o sobrinho de rameau, a pessoa que ensina a ciência não é a mesma que entende dela e a realiza com seriedade, pois a esta não sobra tempo para ensinar. há pessoas que simplesmente vivem da ciência: para eles, a ciência não passa de "uma boa vaca que lhes fornece leite".

16. do mesmo modo, na república dos eruditos, cada um procura promover a si próprio para conquistar algum reconhecimento, e a única coisa com que todos estão de acordo é em não deixar que desponte uma cabeça realmente eminente, quando ela tende a se destacar, pois tal coisa representaria um perigo para todos ao mesmo tempo. com isso, o modo como o todo da ciência é conduzido fica fácil de prever.

17. cada geração que passa rapidamente alcança, de todo o saber humano, somente aquilo que consegue ou aquilo de que pode precisar em sua curta viagem, depois desaparece igualmente. assim, que desgraça seria para o saber humano se não houvesse escrita e imprensa!

18. as ciências adquiriram uma tal amplitude em suas dimensões, que alguém com a pretensão de realizar algum empreendimento científico deve se dedicar apenas a um campo muito específico, sem dar importância a todo resto. nesse caso, ele de fato se encontrará acima do vulgo em seu campo, no entanto será como qualquer pessoa em todos os outros.

19. a mais rica biblioteca, quando desorganizada, não é tão proveitosa quanto uma bastante modesta, mas bem ordenada. da mesma maneira, uma grande quantidade de conhecimentos, quando não foi elaborada por um pensamento próprio, tem muito menos valor do que uma quantidade bem mais limitada, que, no entanto, foi devidamente assimilada. pois é apenas por meio da combinação ampla do que se sabe, por meio da comparação de cada verdade com todas as outras, que uma pessoa se apropria de seu próprio saber e o domina. só é possível pensar com profundidade sobre o que se sabe, por isso se deve aprender algo; mas também só se sabe aquilo sobre o que se pensou com profundidade.

20. (o aprendizado, o pensamento) ele precisa ser atiçado, como é o fogo por uma corrente de ar, precisa ser ocupado por algum interesse nos assuntos para os quais se volta; mas esse interesse pode ser puramente objetivo ou puramente subjetivo. esse último se refere apenas às coisas que nos concernem pessoalmente, enquanto o interesse objetivo só existe nas cabeças que pensam por natureza, nas mentes para as quais o pensamento é algo tão natural quanto a respiração.

21. o efeito que o pensamento próprio tem sobre o espírito é incrivelmente diferente do efeito que caracteriza a leitura. a leitura impõe ao espírito pensamentos, desse modo, o espírito sofre uma imposição completa do exterior para pensar determinados assuntos aos quais ele não tinha na verdade nenhuma propensão ou disposição. em contrapartida, quando alguém pensa por si mesmo, segue seu mais próprio impulso, tal como está determinado no momento, seja pelo ambiente que o cerca, seja por alguma lembrança próxima. desse modo, o excesso de leitura tira do espírito toda a elasticidade, da mesma maneira que uma pressão contínua tira a elasticidade de uma mola.

22. o meio mais seguro para não possuir nenhum pensamento próprio é pegar um livro nas mãos a cada minuto livre. essa prática explica por que a erudição torna a maioria dos homens ainda mais pobres de espírito e simplórios do que são por natureza. como diz pope, eles estão "sempre lendo para nunca serem lidos."

23. no fundo, apenas os pensamentos próprios são verdadeiros e têm vida, pois somente eles são entendidos de modo autêntico e completo. em comparação com os pensamentos próprios que se desenvolvem em nós, os alheios, lidos, têm uma relação como a que existe entre o fóssil de uma planta pré-histórica e as plantas que florescem na primavera.

24. renegar os pensamentos próprios, originais, para tomar um livro nas mãos é um pecado contra o espírito santo. é algo semelhante a fugir da natureza e do ar livre para contemplar belas regiões em gravuras.

25. uma verdade é cem vezes mais valiosa quando obtida por meio do próprio pensamento. pois só então ela é introduzida, como parte integrante, como membro vivo, em todo o sistema de nossos pensamentos, estabelecendo com eles uma conexão perfeita e firme, sendo entendida com todos os seus motivos e as suas consequências, adquirindo a cor, o tom, a marca de nosso modo de pensar. é fixada com segurança e não pode mais desaparecer.

26. ler significa pensar com uma cabeça alheia, em vez de pensar com a própria.

27. as pessoas que passam suas vidas lendo e tiram sua sabedoria apenas dos livros são semelhantes àqueles que, a partir de muitas descrições de viagens, têm informações precisas a respeito de um país. elas podem fornecer muitos detalhes sobre o lugar, mas no fundo não dispõem de nenhum conhecimento coerente, claro e profundo das características daquele país. em compensação, os homens que dedicaram sua vida ao pensamento são como aqueles que estiveram em pessoa no país, eles sabem propriamente do que falam, conhecem as coisas de lá em seu contexto e sentem-se em casa naquele lugar.

28. quando a experiência se vangloria de que somente ela, por meio de suas descobertas, fez progredir o saber humano, é como se a boca quisesse se gabar por sustentar sozinha a existência do corpo.

29. a presença de um pensamento é como a presença de quem se ama. achamos que nunca esqueceremos esse pensamento e que nunca seremos indiferentes à nossa amada. só que longe dos olhos, longe do coração! o mais belo pensamento corre o perigo de ser irremediavelmente esquecido quando não escrito.

30. há aqueles que escrevem por escrever, só por dinheiro. pensam para exercer sua atividade de escritores. é possível reconhecê-los tanto por sua tendência de dar a maior extensão possível a seus pensamentos. é por isso que sua escrita não tem precisão nem clareza. desse modo, pode-se notar logo que eles escrevem para encher o papel. todo autor se torna um escritor ruim assim que escreve qualquer coisa em função do lucro.

31. como seriam eruditos alguns autores se soubessem tudo o que está em seus próprios livros! por isso, seu texto costuma ter um sentido tão indeterminado que os leitores quebram em vão a cabeça na tentativa de descobrir o que eles pensam afinal. eles simplesmente não pensam. (sobre autores que não pensam por si próprios para escrever, mas o fazem copiando outros, perdendo assim a sua originalidade)

32. o que o endereço do destinatário é para uma carta, o título deve ser para um livro, ou seja, o principal objetivo é encaminhá-lo à parcela do público para a qual seu conteúdo possa ser interessante.

33. ditado espanhol: é mais sábio o ignorante em sua casa do que o sábio na casa alheia.

34. a pena está para o pensamento como a bengala está para o andar. da mesma maneira que se caminha com mais leveza sem bengala, o pensa dnfo mais pleno se dá sem a pena.

35. (sobre os que apenas leem os livros do momento) o público é tão simplório que prefere ler o novo a ler o que é bom.

36. é sempre um erro querer transferir para a literatura a tolerância que, na sociedade, é preciso ter com as pessoas estúpidas e descerebradas que se encontram por todo lado. pois, na literatura, eles não passam de invasores desavergonhados, e desmerecer o que é ruim constitui uma obrigação em face do que é bom. se nada parece ruim a alguém, também nada lhe parece bom. em geral, a cordialidade proveniente da sociedade é um elemento estranho na literatura, com frequência um elemento danoso, porque exige que se chame o ruim de bom, contrariando diretamente tanto os objetivos da ciência quanto os da arte.

37. o que vem em seguida é uma anticritica universal contra todas as resenhas anônimas, tenham elas louvado o que é ruim ou criticado o que é bom: "velhaco, diga seu nome! pois atacar, encapuzado e disfarçado, as pessoas que passeiam mostrando seus rostos não é algo que um homem honrado faça: só os patifes e os canalhas agem assim. portanto, velhaco, diga seu nome!"

38. um adversário que mostra sua cara abertamente é uma pessoa honrada, moderada, com a qual é possível se entender, chegar a um acordo, a uma reconciliação, em compensação, um adversário escondido é um patife covarde e infame, que não tem coragem de assumir seus julgamentos, é alguém que não defende sua opinião, mas se interessa apenas pelo prazer secreto que sente em descarregar sua ira sem ser reconhecido nem sofrer retaliações. (riemer em comunicação sobre goethe)

39. o estilo é a fisionomia do espírito. e ela é menos enganosa do que a do corpo. imitar o estilo alheio significa usar uma máscara. por mais bela que ela seja, torna-se pouco depois insípida e insuportável porque não tem vida, de modo que mesmo o rosto vivo mais feio é melhor do que ela.

40. um autor deveria evitar acima de tudo o esforço de demonstrar mais talento do que de fato tem, porque isso desperta no leitor a desconfiança de que ele possui muito pouco, uma vez que só se finge ter algo que realmente não se tem.

41. em geral, a ingenuidade atrai, enquanto a artificialidade causa repulsa.

42. vemos todo pensador autêntico se esforçar para dar a seus pensamentos a expressão mais pura, clara, segura e concisa possível. consequentemente, a simplicidade sempre foi uma marca não só da verdade, mas também do gênio.

43. quem tem algo digno de menção a ser dito não precisa ocultá-lo em expressões cheias de preciosismo, em frases difíceis e alusões obscuras, mas pode se expressar de modo simples, claro e ingênuo, estando certo com isso de que suas palavras não perderão o efeito. assim, quem precisa usar os artifícios mencionados antes revela sua pobreza de pensamentos, de espírito e de conhecimento.

44. quem escreve de um modo afetado* é como alguém que se enfeita para não ser confundido e misturado com o povo; um perigo que o gentleman não corre, mesmo usando o pior traje. * (com pompa, utilizando da prolixidade e de palavras que nem mesmo este autor tem domínio de seus significados simplesmente para impressionar seus leitores)

45. a verdade fica mais bonita nua, e a impressão que ela causa é mais profunda quanto mais simples for sua expressão.

46. um bom escritor, rico em pensamentos, conquista de imediato entre seus leitores o crédito de ser alguém que, a sério, realmente tem algo a dizer quando se manifesta: é essa a atitude que dá ao leitor esclarecido a paciência de segui-lo com atenção.

47. usar muitas palavras para comunicar poucos pensamentos e sempre o sinal inconfundível da mediocridade, em contrapartida, o sinal de uma cabeça eminente é resumir muitos pensamentos em poucas palavras.

48. goethe: viver segundo seus caprichos é vulgar; / o nobre se esforça pela ordem e pela lei.

49. o que eles (cortadores de palavras) pretendem alcançar por meio dessa amputação deve ser a concisão e, com ela, a pregnância e a energia da expressão, pois a economia de papel (ou tempo) é muito pequena no final das contas. assim, eles gostariam de reduzir ao máximo o que têm a dizer. mas, para tanto, o que se requer é um procedimento muito diferente da redução de palavras, a saber, é necessário que se pense de modo conciso e sintético, no entanto essa atividade não está ao alcance de qualquer um. (acontece no meio digital, onde os "internetês" está em voga. geralmente temos costume de abreviar as palavras - como "você" para "vc" -, o que pode causar dificuldade na escrita formal e manual posteriormente.)

50. quando, em virtude do esforço pela concisão, eles comem parte das palavras, assim todas as determinações precisas de um conceito fundamental muito amplo ficam sem indicação, e cabe a deus e ao leitor a compreensão do que é dito. com isso torna-se a língua, aí mesmo tempo, pobre, mal-acabada e rude. entretanto, é exatamente esse o procedimento dos engenhosos melhoradores da língua na "atualidade".

51. não se pode, como ocorre com tais amputações, diminuir o número das palavras sem ampliar, ao mesmo tempo, o significado das palavras restantes.

52. não importa que uma palavra tenha duas sílabas a mais, quando são elas que determinam com maior precisão o conceito! (era visto como gênios aqueles que conseguiam trazer grandes reflexões através de curtas expressões, porém, por conta da concisão em palavras, a oração poderia se tornar ambígua ou obscura em seu sentido. schopenhauer preza pela clareza e precisão não importando a quantidade de caracteres.)

53. contanto que haja menos letras, disso depende a concisão e a força da expressão, a beleza da língua. se ele tem a dizer por exemplo "algo assim não está disponível", ele dirá "algo assim não há", em função da grande economia de letras.

54. fora, paquidermes, fora. esta é a língua alemã! na qual homens se expressaram, na qual grandes poetas cantaram e grandes pensadores escreveram. retirem as garras! ou passarão fome - é a única coisa que os assusta. (o jeito dele de falar sobre algo sério e temperar com sarcasmo e deboche é empolgante)

55. o que os escrevinhadores realmente pensam fazer é algo difícil de dizer. eles lidam com os símbolos tipográficos de pontuação como se fossem de ouro; desse modo, deixam de lado por exemplo três quartos das vírgulas necessárias (oriente-se quem puder!). mas, onde devia se encontrar um ponto, há uma vírgula, ou no máximo um ponto-e-vírgula, e coisas assim. a primeira consequência disso é que se torna necessário ler cada frase duas vezes. mas é na pontuação que se esconde uma parte da lógica das orações, uma vez que elas são demarcadas por tais sinais; por isso, a negligência intencional em seu uso chega a ser um crime. se a concisão que os senhores buscam, ao tirar letras e contar palavras, visa economizar tempo do leitor, esse objetivo seria alcançado de modo muito mais eficiente se fosse possível reconhecer imediatamente, por meio da pontuação adequada, que palavras pertencem a uma ou outra oração de um período.

56. pensamentos decisivos, substanciais, dignos de serem escritos, têm de oferecer matéria e conteúdo suficientes para preencher satisfatoriamente as frases que os expressam, inclusive quanto à perfeição gramatical e lexical de suas partes, de tal maneira que elas não se encontrem em nenhum ponto ocas, vazias ou levianas. assim a exposição se mantém concisa e pregnante, enquanto o pensamento encontra nela sua expressão confortável e compreensível, desdobrando-se é movendo-se com graça. portanto, não devemos reduzir as palavras e as formas linguísticas, mas aumentar os pensamentos; da mesma maneira que um convalescente deverá voltar a vestir suas roupas normais ao recuperar a saúde e o peso, em vez de mandar apertá-las.

57. um erro de estilo que se torna cada vez mais comum é a subjetividade. ela consiste no fato de que basta ao escritor saber o que ele quer e pretende dizer; o leitor que se arranje para acompanhá-lo. sem se preocupar com isso, ele escreve como se recitasse um monólogo, quando deveria estabelecer um diálogo, e na verdade um diálogo no qual é preciso se expressar de modo ainda mas is claro, já que não se ouvem as perguntas do interlocutor. exatamente por esse motivo, o estilo não deve ser subjetivo, mas objetivo; e para tanto é necessário dispor as palavras de maneira que elas forcem o leitor, de imediato, a pensar exatamente o mesmo que o autor pensou. o estilo subjetivo não tem um efeito muito mais seguro do que o de manchas na parede, nas quais apenas uma pessoa cuja fantasia por acaso é despertada vê figuras, enquanto os outros só vêem manchas. por exemplo, "para aumentar a massa dos livros não escrevi". isso diz o contrário do que o escritor pretendia. (as palavras não estão dispostas de forma que atinja o objetivo logo de início.)

58. quem escreve de maneira displicente confessa com isso, antes de tudo, que ele mesmo não atribui grande valor a seus pensamentos. pois apenas a partir da convicção da verdade e importância de nossos pensamentos surge o entusiasmo que é exigido para buscar sempre, com incansável perseverança, a expressão mais clara, mais bela e mais vagarosa - da mesma maneira que recipientes de prata e ouro são usados apenas para coisas sagradas ou obras de arte inestimáveis.

59. todo gracejo ou brincadeira quer ser chamado de humor, a saber, porque se atribui à palavra algo que não depende dela, mas da coisa designada. não foi a palavra que levou à desvalorização da coisa, mas o contrário. com isso, em duzentos anos, os interessados voltarão a exigir troca de palavras. todavia, de modo algum a língua deve ser empobrecida por um capricho social, perdendo uma palavra. (assim como um bando de líderes religiosos tem preferido ser chamado de "mentor" por causa da visão social corrupta que a palavra "pastor" pode trazer, mas é necessário voltar às raízes de seus reais significados.)

60. poucos escrevem como um arquiteto constrói: primeiro esboçando o projeto e considerando-o detalhadamente. a maioria escreve da mesma maneira com que jogamos dominó: uma frase se encaixa em outra frase, encaminhando-se para onde deus quiser. (me faz lembrar o começo da narrativa do livro do gênesis da bíblia, com a apresentação do projeto em si e logo após a descrição pormenorizada.)

61. o princípio condutor da estilística deveria ser o fato de que uma pessoa só pode pensar com clareza um pensamento de cada vez. assim, não se pode exigir que pense dois, ou mesmo mais, de uma vez só. mas é isso que exige quem introduz orações intermediárias nas lacunas de um período principal, que fica então despedaçado; de uma maneira desnecessária e proposital, confunde-se o leitor. (isto é mais agravante ainda quando empregado na oratória, pois quando levamos os ouvintes por um assunto diferente ao central, ainda que seja pertinente, se torna muito difícil trazê-lo de volta ao caminho principal, ainda mais se a temática secundária for mais interessante ao seu ver. apesar de não ser a melhor escolha, na leitura essa questão se torna um pouco mais frouxa, pois pode-se parar e depois voltar ao livro. no caso de uma palestra, por exemplo, não há como pausar o locutor, ele continuará falando enquanto o interlocutor está pensando, daí o fio da meada já foi perdido. por essa causa é tão importante estar acompanhado de papel e caneta para anotações durante uma exposição falada.)

62. comparações são de grande valor, uma vez que remetem uma relação desconhecida a uma conhecida. também as comparações mais detalhadas, que evoluem para parábolas ou alegorias, são apenas a referência de alguma relação à sua apresentação mais simples, explícita e palpável. justamente porque as comparações são uma alavanca tão poderosa para o conhecimento, a formulação de comparações surpreendentes e ao mesmo tempo apropriadas da mostras de um entendimento profundo.

63. aristóteles: o mais importante é encontrar metáforas, pois é a única coisa que não se pode aprender de outros e é um sinal de uma natureza perspicaz. / na filosofia, encontrar semelhança mesmo entre coisas distintas é sinal de perspicácia.

64. quando lemos, outra pessoa pensa por nós. no entanto, a nossa cabeça é, durante a leitura, apenas uma arena de pensamentos alheios. em consequência disso, quem lê muito e quase o dia todo, mas nos intervalos passa o tempo sem pensar nada, perde gradativamente a capacidade de pensar por si mesmo.

65. assim como o excesso de alimentação faz mal ao estômago e dessa maneira acaba afetando o corpo todo, também é possível, com excesso de alimento espiritual, sobrecarregar e sufocar o espírito. assim como as refeições não nos alimentam quando comemos, e sim quando digeridos, com o alimento espiritual ocorre a mesma coisa que com o corporal. se alguém lê continuamente, sem parar para pensar, o que foi lido não cria raízes e se perde em grande parte.

66. os pensamentos postos em papel não passam, em geral, de um vestígio deixado na areia por um passante:vê-se bem o caminho que ele tomou, mas para saber o que ele viu durante o caminho é preciso usar os próprios olhos.

67. essa é a única maneira de a leitura ensinar a escrever, na medida em que ela nos mostra o uso que podemos fazer de nossos próprios dons naturais, portanto, pressupondo sempre a existência destes. sem eles, não aprendemos coisa alguma pela leitura, a não ser uma forma fria e morta, de modo que não nos tornamos nada mais do que imitadores banais.

68. a corporação da vigilância sanitária deveria, no interesse dos olhos, prestar atenção para que o tamanho das letras impressas tivesse um mínimo estabelecido e que não pudesse ser desrespeitado.

69. estudo: cada livro importante deve ser lido, de imediato, duas vezes, em parte porque as coisas são melhor compreendidas na segunda vez, em seu contexto, e o início é entendido corretamente quando se conhece o final.

70. não-evolução: ao brilhante período de kant sucedeu imediatamente, na filosofia alemã, outro período, no qual os autores não se esforçaram para convencer, mas para impressionar; não buscaram ser precisos e claros, mas brilhantes e hiperbólicos, ou até mesmo incompreensíveis; não a fim de procurar a verdade, mas a fim de fazer intrigas. com isso, a filosofia não podia fazer nenhum progresso.

71. progressão lenta das ciências através das eras: para esclarecer isso basta pensar nos avanços do conhecimento por parte da espécie humana seguindo a imagem de uma órbita planetária. assim é possível representar por meio de epiciclos ptolomaicos os descaminhos que costumam ocorrer após cada avanço significativo, de modo que a espécie humana se encontra de novo, depois de passar por esses epiciclos, na mesma situação em que estava antes da ocorrência dele. contudo, as grandes cabeças que realmente levam adiante a espécie naquela órbita planetária não acompanham, em cada caso, o movimento do epiciclo correspondente. isso explica porque o reconhecimento pela posteridade costuma ser pago com a perda de aplauso por parte dos contemporâneos, e vice-versa. está relacionado a esse modo de progressão das coisas o fato de vermos o espírito científico, literário e artístico da época declarar falência a cada trinta anos (bem menos na atualidade). pois, nesse período de tempo, os respectivos erros e descaminhos se acumularam tanto que desabam sobre o peso de sua absurdidade, e ao mesmo tempo a imposição em relação a eles se fortalece. nesse momento, ocorre uma mudança, só que com frequência ela é seguida por um erro na direção oposta. (aquela ideia equivocada de que um extremo combate o outro)

72. lichtenberg: quem, ao menos uma vez, sentiu o impulso não de encher a cabeça, mas de fortalecer a inteligência, de desenvolver as faculdades e as aptidões, de tornar mais ampla a própria capacidade, deve ter descoberto que não há nada mais debilitante do que uma conversa com alguém conhecido como historiador da ciência, ou seja, uma pessoa que não deu sua contribuição pessoal a essa ciência e, contudo, conhece milhares de pequenos dados histórico-literários acerca dela. é como dar um livro de culinária a alguém com muita fome.

73. acho que a chama história literária nunca terá êxito entre os homens que pensam, que são conscientes do seu próprio valor e do valor da ciência autêntica. esses homens preferem refletir a ter o trabalho de saber como os outros refletiram. o mais triste em tudo isso é constatar que, quanto mais cresce o gosto pelas pesquisas literárias numa ciência, diminui proporcionalmente a energia usada para ampliar a própria ciência; a única coisa que aumenta é o orgulho de possuí-la. as pessoas acreditam que a possuem mais do que quem de fato a possui.

74. com certeza tem fundamento a observação de que a verdadeira ciência nunca deixa seu possuidor orgulhoso. quem se enche de orgulho são apenas aqueles que, sendo incapazes de desenvolver a ciência em si, dedicam-se a descrever seus pontos obscuros e sabem contar tudo o que os outros fizeram.

75. não se encontra, para cada palavra de uma língua, um equivalente exato em todas as outras línguas. portanto, nem todos os conceitos designados pelas palavras de uma língua são exatamente os mesmos que as palavras das outras expressam. é por isso que todas as traduções são necessariamente imperfeitas. quase nunca é possível traduzir de uma língua para outra qualquer frase ou expressão característica, marcante, significativa de tal maneira que ela produza exata e perfeitamente o mesmo efeito.

76. o domínio perfeito de uma língua só ocorre quando uma pessoa é capaz de traduzir não os livros, por exemplo, mas a si própria; desse modo, sem sofrer nenhuma perda de sua individualidade, ela consegue se comunicar imediatamente na outra língua, agradando tanto aos estrangeiros quanto aos falantes nativos.

77. pessoas pouco capazes também não assimilarão com facilidade uma língua estrangeira, elas chegam a aprender as palavras da língua, no entanto sempre as empregam no sentido do equivalente aproximada do que existe em sua língua materna e só decoram as locuções e frases características desta. não conseguem se apropriar do espírito da língua estrangeira, o que se deve, na verdade, ao fato de que seu pensamento não se vale de meios próprios, mas é emprestado em sua maior parte da língua materna, cujas frases e locuções habituais tomam o lugar de pensamentos próprios.

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