Viollet
Morta.
Esta era a palavra que me definiria bem naquele momento. Eu estava tão exausta, que não sabia como ainda conseguia andar.
Levy e eu havíamos passado a manhã e a tarde inteira treinando. De manhã, Levy me fez fazer muitos exercícios, incluindo correr várias vezes ao redor do gigantesco jardim do Palácio.
Depois dos milhões de exercícios, quando eu finalmente achei que poderia descansar e tirar aquela roupa pesada do meu corpo, Levy disse que me ensinaria á usar uma espada.
Como todos imaginavam, aquilo não deu muito certo. Eu estava exausta e tentar lutar com uma espada naquelas condições, com certeza não foi uma boa idéia.
-Vamos levante-se! Um guerreiro jamais desiste da luta! -Levy disse animado, após me jogar no chão pela décima vez.
-E.. Eu estou cansada! -Falei passando a mão no rosto. -Experimenta lutar cansado com uma roupa que pesa mais de 10kg.. -Esbrevejei me jogando na grama do jardim. -E Você quase cortou meu cabelo com a espada.
Levy sorriu.
-Isso não é verdade. A espada passou raspando, mas não encostou no seu cabelo. -Ele disse com um sorriso bobo. -Além do mais, o peso da armadura não tem nada a ver com o seu desempenho. Minha armadura pesa cinco vezes mais que isso. E os exercícios que passei pra você são de iniciantes. Eu aprendi isso quando tinha uns 7 ou 8 anos.. -Ele disse se sentando ao meu lado e apontando a espada para minha armadura. -Você não pode ficar deitada perto do inimigo.
Revirei os olhos e me sentei ao seu lado.
-Você não é meu inimigo. -Falei piscando para ele, que desviou o olhar imediatamente. -Você usou mesmo uma armadura dessas quando tinha 7 anos? -Falei tirando minha armadura e colocando na grama. Levy também tirou a sua.
Levy assentiu.
-Usei. Porém, a diferença da minha para a sua, é que a minha pesava uns 20kg ou mais. A sua pesa apenas 10.
-Uau.. -Falei surpresa. -Porque você se esforçou tanto quando era criança? Crianças usam a infância pra brincar, não pra treinar para serem soldados.
Levy sorriu.
-Como te falei antes, eu nasci para ser guarda real da Rainha Lira. Então começei á me preparar para isso desde que nasci. O Rei Eric jamais ia permitir que qualquer pessoa cuidasse da sua amada filha. Nenhum adulto era confiável para ser guarda real da Princesa. Por isso o Rei Eric preferiu escolher alguém que não pudesse traí-lo ou criar alianças com outros reinos. Por isso ele me escolheu. Além da Rainha Lira, eu não sirvo mais á ninguém.
-Isso é incrível. -Falei admirada pelo amor e devoção de Levy á Lira. - Mas ainda não consigo entender como sua mãe permitiu que você fosse treinado tão jovem.
Assim que escutou minhas palavras, Levy abriu um sorriso triste.
No mesmo instante, senti meu coração acelerar. Acho que eu não deveria ter falado sobre isso..
-Olha.. se você não quiser falar sobre isso, não tem problema. Nós podemos..
-Não. Está tudo bem. -Ele disse me interrompendo. -É que faz muito tempo que não falo sobre isso. -Ele disse fitando o céu. -Poucas pessoas já perguntaram sobre minha família. Na verdade, eu não me lembro da minha mãe. O meu pai eu não conheci. A única coisa que sei sobre eles, é que minha mãe morreu meses depois que o Rei Eric me trouxe para o Palácio. Ela estava muito doente e não tinha muitos dias de vida. O Rei Eric me disse que antes de morrer ela me colocou em um cestinho em frente ao Palácio e desapareceu. O meu pai, apesar de ter sido um guerreiro bem conhecido pela sua força e coragem, morreu em batalha sem saber do meu nascimento ou da gravidez da minha mãe. Um dos guardas que conheceu meu pai, disse que ele e minha mãe se amavam muito. Ele prometeu que quando vencesse a batalha, voltaria para cuidar dela. Mas infelizmente, ele nunca voltou. -Ele disse me fitando. -Você está bem? Se machucou? -Ele disse preocupado ao ver meus olhos marejados.
-Como quer que eu fique depois de me contar uma história dessas? -Falei entre as lágrimas. -Isso é muito triste. Como você consegue contar tudo isso sem derramar uma lágrima? Meu coração está em pedaços. - Falei passando a mão no rosto.
A história de vida do Levy era tão triste..
Cada vez que eu o conhecia, mais o admirava pela sua perseverança e pela sua força.
Levy era um homem realmente extraordinário.
Levy abriu um pequeno sorriso.
-Não sei. Eu pensei nisso por tantos anos que já me acostumei. -Ele disse fitando o chão.
-Levy, eu posso te dar um abraço? - Perguntei o fitando.
-O que? -Ele perguntou surpreso.
-Eu quero te dar um abraço.. -Falei novamente.
Eu sei que pode parecer estranho pedir isso de repente, mas só os céus sabem o quanto desejei que alguém me abraçasse quando eu estava passando por situações difíceis.
Quando eu fugi da casa dos meus pais foi uma dessas ocasiões. Eu estava com tanto medo. Eu não tinha me planejado para fugir. Eu apenas peguei minhas coisas e fui embora. Sem rumo.
Passei muitas noites sem dormir por medo do que poderia acontecer caso eu entrasse em sono profundo. Muitas lágrimas foram derramadas naquelas noites frias. Por vários momentos, a única coisa que eu desejei foi um ombro para chorar. Ou alguém que me abraçasse e dissesse que iria ficar tudo bem.
Mas eu não tive.
Minha única companheira naquelas noites horríveis que passei, foi a lua, que me observava silenciosamente lá do céu.
Levy também passou por muitos anos sem ter quem abraçar. Mas agora isso iria mudar. Levy tinha á mim, e eu jamais lhe negaria um abraço.
-Me deixa.. te abraçar? - Perguntei ao ver que ele me fitava em silêncio.
-S..sim.. -Ele disse parecendo estar um pouco nervoso.
Pouco a pouco fui me aproximando de Levy. Assim que eu estava próxima o suficiente dele, enlaçei meus braços ao redor do seu pescoço em um abraço aconchegante.
O corpo de Levy estava rígido, indicando o quanto ele estava nervoso com aquela situação.
Sorri.
Acho que Levy não deve ter recebido muitos abraços durante sua vida.
-Relaxa. -Falei passando a mão calmamente pela suas costas, sentindo o bom resultado dos treinos de Levy. -Eu pedi para te abraçar porque o que você disse tocou meu coração. Eu também passei por algumas situações ruins na minha vida, e nos momentos que mais desejei um abraço, não tive ninguém para me abraçar. Depois que você me disse tudo isso eu senti vontade de abraçar você. -Falei intensificando o abraço. -Eu sinto muito por tudo o que aconteceu. O pouco que conheço de você, já me fez perceber o quanto você é incrível. Se seus pais estivessem vivos agora, eles com certeza teriam sido os pais mais orgulhosos do mundo por terem tido um filho como você. -Falei começando á me afastar, mas antes que eu fizesse isso, senti os braços de Levy rodearem a minha cintura.
-Levy.. Está tudo bem? -Perguntei preocupada.
Ele assentiu, intensificando o abraço.
-Obrigado Viollet. -Ele sussurou no meu ouvido.
-Você sabe que não precisa me agradecer.. - Falei passando a mão pelos seus vastos cabelos negros.
O cabelo de Levy era tão macio e sedoso. Com certeza deveria usar o melhor shampoo de Wenésia.
Respirei fundo, sentindo o leve cheiro de maracujá que saía do cabelo de Levy.
Ficamos abraçados por alguns segundos, antes que nos afastássemos, um guarda apareceu nos surpreendendo.
Levy e eu nos afastamos rapidamente.
-Perdão senhor.. Eu não sabia que..
-O que aconteceu Caleb? -Levy disse se levantando rapidamente. Eu fiz o mesmo.
-Acabamos de receber notícias de que Vossas Majestades estão á caminho do Palácio. A guarda Real está aguardando instruções do senhor sobre a forma como devemos receber Vossas Majestades. -O guarda disse parecendo estar preocupado em receber uma punição por ter chegado na hora errada.
Levy assentiu.
-Ótimo. Junte toda a guarda Real em frente ao Palácio e sigam o protocolo inicial. Número 32. Em alguns minutos me juntarei á vocês. - Ele disse sério.
-Sim senhor. -Ele fez um reverência. -Farei isso imediatamente. Com licença. -Ele disse se afastando.
Assim que o guarda sumiu da nossa vista, Levy respirou fundo e me fitou.
-Deixe isso.. -Ele apontou para nós dois. -.. só entre a gente. Por favor.. - Ele pediu educadamente.
Sorri.
-Claro, mas só depois que você me disser a marca do seu shampoo. - Falei entregando minha armadura para Levy. -Se cabelo tem um cheiro tão bom. Se eu soubesse disso teria te abraçado antes. -Admiti.
-O que? - Ele perguntou surpreso.
Levy claramente não esperava que eu fosse dizer aquilo.
-Eu quero a marca do shampoo que você usa no seu cabelo. Também quero ter um cabelo cheiroso, macio e brilhoso igual ao seu. -Falei deixando Levy envergonhado.
Ele revirou os olhos.
-Você não tem jeito. Vá se trocar. A Rainha Lira estará aqui em alguns minutos, e eu tenho certeza de que ela não gostaria de te ver com roupas de soldado. -Ele disse passando a mão no cabelo.
Sorri.
-Tá. Continua me provocando com esse cabelo e eu juro que vou roubar todos os seus shampoos. -Falei indo saltitante em direção ao meu quarto.
-Não demore! -Escutei Levy gritar e continuei subindo as escadas com alegria.
Levy e eu ainda conversaríamos novamente.
Eu estava amando conhecer mais sobre o misterioso guarda real da minha amiga.
Para mim, hoje o dia havia sido maravilhoso. Eu não via a hora de abraçar minha amiga novamente e contar as novidades. Eu estava com tantas saudades. Essas semanas no Palácio me fizeram muito bem. Eu precisava agradecer a Lira novamente por tudo o que ela havia feito por mim.
Assim que entrei em meu quarto, fui correndo para o meu armário e peguei o melhor vestido que eu tinha e coloquei sobre a cama.
Afinal, eu precisava estar bem vestida para receber Lira.
Começei á tirar minha roupa calmamente, quando olhei para a porta do meu quarto e notei que havia um pequeno pedaço de papel amassado no chão.
Aquele papel não estava ali até alguns minutos. -Pensei me aproximando do papel e o pegando.
Alguém deve ter passado pelo corredor e colocado por baixo da minha porta. -Pensei abrindo a porta do meu quarto e fitando o corredor, que estava vazio.
Fechei a porta do meu quarto e começei á abrir o papel lentamente.
Assim que li a pequena frase que estava escrita, senti meu coração acelerar.
"Você estava linda naquela roupa hoje. Quero vê-la vestida assim novamente em breve. Espero que não esqueça das minhas palavras. Ainda nos veremos novamente." -Ethan Ashmore.