- Heloísa e Samantha? - Estávamos sentadas numa salinha tipo recepção quando uma moça nos chamou.
Apenas assentimos e ela nos conduziu pra uma outra sala, mais reservada, com decoração de escritório, livros em prateleiras, uma mesa com computador e coisa e tal. Lica sentou ao meu lado e a mulher à nossa frente.
- Boa tarde, Heloísa, Samantha. - A cumprimentamos com um pequeno aceno de cabeça e um sorriso nervoso. - Bom, vocês devem estar se perguntando o motivo da urgência... É que tomamos conhecimento sobre a possível adoção de um recém nascido... uma menina.
O sorriso de Lica se iluminou. Eu continuei atenta no discurso da mulher, que dizia que avaliou o nosso perfil, e por termos relacionamento estável há alguns anos, boa condição financeira, ambas jovens, ela entrou em contato conosco.
- E como vocês não determinaram as características que estão buscando nas crianças... - A mulher se ajeitou na cadeira.
- A gente não imaginava que fosse um recém nascido. - Lica interrompeu a mulher. - Ainda mais tão rápido!
- Justamente, dona Heloísa... O que ocorreu é que a progenitora dessa criança faleceu no parto, não deixou nenhum parente... e a bebê tem mais dois irmãos.
- Uau. - Lica conseguiu expressar alguma coisa.
Eu estava paralisada. Meu mundo caiu.
- E é por isso que podemos adiantá-las nesse processo, porque a maioria das famílias não deseja ou realmente não tem condições de acolher 3 crianças de uma vez. E por causa da bebê, o ideal é que isso ocorra o mais breve possível.
- Certo. - Finalmente recuperei a voz. - Você pode... nos dar um minuto?
- Claro! - Ela já foi se levantando. - Vou deixar vocês conversarem. - Saiu da sala e fechou a porta junto consigo.
- São três crianças? Uau. - O cérebro de Heloísa maquinava. - Bom que vamos viver fases diferentes todas de uma vez, né? Eu imagino que eles sejam de idades diferentes.
- Lica... Eu não sei se a gente dá conta de três filhos.
- Você já tá chamando de filhos, acho que temos a nossa resposta. - Ela sorriu e eu não pude evitar sorrir também.
- Eu não sei, amor, isso não estava nos meus planos, e... - Me doeu ter que cortar a animação da Lica, mas eu precisava ser honesta.
- Sammy, a gente não escolhe como são os filhos, não é?
- E então? - A moça botou a cabeça na porta, como se estivesse bisbilhotando nossa conversa. - Olha, nós sabemos que não será fácil, mas a gente levou em consideração tudo que sabemos sobre vocês, todas as nossas reuniões anteriores, e se não achássemos que seriam a melhor opção, nem teríamos entrado em contato.
- Eu vou ser sincera... - Puxei todo oxigênio daquela sala pra conseguir falar. - A gente não tava esperando receber três crianças de uma vez, não sei se estamos preparadas...
- Claro, claro, entendo. - A mulher era tão calma que chegava a ser irritante. - Vocês não precisam dar uma resposta definitiva agora. Podemos marcar uma outra reunião na semana que vem, caso vocês queiram amadurecer a ideia...
- Ok. - Foi a minha resposta.
- Vocês querem saber mais sobre as crianças?
Eu e Heloísa nos encaramos. Eu queria. Ela também. O nosso medo era ser um caminho sem volta.
- Sim? - Lica respondeu em um fio de voz.
- Bom, a bebezinha ainda precisa ficar uns dias no hospital, ela não foi nem registrada... Os outros dois estão sob a tutela provisória de uma vizinha bem próxima à genitora deles, mas que também não tem condições de adotá-los definitivamente.
Eu e Lica engolimos em seco. A moça continuou falando.
- A menina fez 5 anos e o menino tem 2 anos e meio. Lucas e Isabella.
Meu coração se derreteu inteiro. Fiz um esforço surreal pra não olhar pra Lica, eu não sabia ainda como ela iria reagir. Só assenti, tentando parecer o mais imparcial possível.
- Teremos a próxima reunião na semana que vem, então? - Já fui me levantando e de relance vi que Lica me imitou.
- Certo. Nesse meio tempo, o que vocês precisarem pode entrar em contato comigo. - A mulher respondeu como um monge tibetano.
- Obrigada! - Lica me poupou o agradecimento, então só me limitei a apertar a mão da mulher, assim como ela também o fez.
Senti a mão da Lica nas minhas costas e seu corpo escorado ao meu enquanto voltávamos para o carro.
- Você não vai falar nada? - Lica me perguntou com aquela voz mansa e os olhinhos brilhando.
- Eu não sei, meu amor. - Mordi o lábio, segurando o choro.
- Eu acho que a gente dá conta. - Entramos no carro mas antes de ligar eu dei uma respirada longa e ela segurou firme em minha mão. - Olha, a gente já tinha reservado um quarto neutro, né? É só colocar 2 caminhas de criança. E a gente pode fazer o quarto da bebê lá no escritório, eu transfiro o escritório para o quartinho de bagunça. Mas no começo ela vai dormir com a gente, né, muito pequenininha. O Tonico dividiu quarto com a Keyla quase que a vida toda dele!
- Lica, a Keyla engravidou com 16 anos. - Pontuei.
- Exatamente. A gente vai ter tempo de se organizar e fazer tudo certinho. - Ela beijou minha mão. - Confia em mim.
- Você não tem medo? - Perguntei.
- Eu tenho, mas eu enfrento. - Ela usou a frase que eu tinha dito no comecinho do nosso namoro, quando ainda estávamos no colégio.
- Besta. - Acabei rindo.
- As meninas ainda estão na casa da Tina, o que acha da gente ir lá conversar com elas? - Lica sugeriu depois de dar uma olhadinha no celular.
Eu só fiz que sim com a cabeça e comecei a dirigir de volta pra casa da Tina. A Lica não conseguia tirar aquele brilho no olhar e confesso que isso me dava uma certa segurança em enfrentar o que quer que viesse pela frente.
- E aí, mamães do ano? - Ellen quem atendeu a porta.
- Queremos saber as novidades! - Tina falou empolgada enquanto elas abriam espaço pra gente na rodinha. Lica se sentou em um pufe e me puxou pro colo dela.
- Nos ligaram com urgência porque tem uma bebê recém-nascida que acharam que seria do nosso perfil. - Lica começou a explicar, as meninas já foram abrindo seus sorrisos mas deixaram ela concluir. - E ela tem dois irmãos um pouco mais velhos.
- Caramba! E o que vocês vão fazer? - Ellen questionou.
- Eu não sei... - Mordi o lábio.
- Eu acho que a gente dá conta. - Lica afirmou.
- Amiga, eu também acho que vocês dão conta. E olha que eu sei como é difícil criar uma criança, mas vocês duas vão ter tudo necessário! - Keyla opinou.
- Eu acho que se a Samantha está na dúvida, vocês deveriam pensar melhor. - Benê expôs toda sua sabedoria.
- Obrigada, Benê, mas eu só estou um pouco assustada. Com medo, eu acho. - Admiti, mais pra mim mesma.
- Isso é um sim? - Lica quase gritou, com aquela voz macia dela.
- Essa é nova. - Encarei a Tina. - A Samantha com medo?
- Eu acho que a gente pode ajudar a pensar nos preparativos e no que vocês ainda precisam fazer, talvez te deixe mais tranquila, Samantha. - Ellen sugeriu.
Assenti e soltei a respiração, concordando que era mesmo uma boa ideia.
Keyla assumiu a condução daquela reunião enquanto Benê se prontificou a pegar um caderno pra anotar tudo. Eu amava a dinâmica delas.
- Ok, teremos um bebê recém nascido. - Keyla começou.
- Uma menina. - Lica pontuou.
- Vocês vão precisar de fraldas, roupas, mamadeira, carrinho... - Keyla esperou Benê anotar. - E os outros?
- Uma menina de 5 e um menino de 2 anos e meio. - Lica respondia mecanicamente.
- Ai, meu Deus, que fofura! - Tina sorriu feliz.
- Bom, a princípio é mais fácil. - Keyla começou. - Vocês vão precisar de camas pra eles, né? Mas além disso pros primeiros dias acho que precisa só de alguns brinquedos e comidinhas gostosas pra eles se sentirem bem. Depois é que vai ter que ver escola, plano de saúde...
A voz de Keyla foi ficando distante pra mim. Senti minhas pálpebras pesarem. E aí eu desmaiei.