43° dia

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“Dar um tempo é adiar a decisão de ir
ou de ficar. Só maltrata a gente.”
43º dia
“Nós demos um tempo”, foi o que eu disse aos curiosos de
plantão que solicitaram um relatório de como estávamos. Pois é,
eu menti. Só se dá um tempo quando se esgotam as tentativas e
a gente tenta preservar intacta a lembrança daquele amor. Eu me
dei conta de que dia após dia me agarrava a um bom momento,
em que qualquer faísca de carinho me acendia a esperança de
um recomeço, assim como transbordava em mim a frustração
com uma mera gota de desavença. Uma mágoa que no início
não resistia até o final do dia passou a me tirar o sono. Dar um
tempo é um claro pedido de socorro ao Universo para que tenha
compaixão e alinhe nossos caminhos novamente lado a lado.
Mas o tempo não espera a gente se recuperar.
Dar um tempo é resistir ao fim, mas é preciso haver um desfecho
para que possamos nos reinventar. É imaturidade achar que
podemos voltar a ser o que éramos. Não só não podemos como
não devemos. Temos que procurar evoluir, nos redimir por
nossos erros, consertar nossas falhas. Do passado só nos serve
o aprendizado. Que façamos por onde sermos melhores e
despertarmos o mesmo em alguém, mas que não tentemos nos
manter iguais, ainda que o igual seja bom. “Bom”, depois de um
tempo, não é o suficiente pra ninguém. Dar um tempo é dizer nas
entrelinhas que é preciso descobrir como lidar com a própria vida
antes de incluir mais alguém.
Quando se dá um tempo é porque já se perdeu a paciência, a
capacidade de se colocar no lugar do outro, e não há mais nada
pra dar. A gente prefere acreditar que o tempo cura, que vai levar
a dor embora assim como a trouxe. Mas se todo desafeto é
consequência, precisamos de um espelho pra nos enxergar, e
não do relógio pra sarar. O tempo se esgota, mas o amor não
tem prazo de validade. Se não podemos garantir um “pra
sempre”, quem dirá que uma pausa repentina que não deixa o
disco arranhado. É ingenuidade acreditar que assim não vai
machucar tanto, que perder aos poucos é melhor do que sair da
nossa vida de uma vez. Dar um tempo, mas reprimir as
tentativas, é puro desperdício. Às vezes, é um ato de covardia de
quem não sabe como se despedir.
Em alguns casos, pode ser libertador, pois te dá a oportunidade
de repensar as suas escolhas, pôr a cabeça no lugar do coração
e se perguntar para onde está indo. Se a força de vontade for
latente e recíproca, o tempo vai passar, mas o amor vai
permanecer intocável. Já em outros, é um capricho em que se
espera que algo surpreendente aconteça sem que seja preciso
se esforçar para isso. Como se fosse responsabilidade do
destino alinhar seu fuso horário ao do outro. Quando os ponteiros
só marcam as mágoas a gente precisa ajustar o passo para que
o caminho faça sentido.
Dar um tempo é adiar a decisão de ir ou de ficar. Só maltrata a
gente. Dói; e o pior é que não sabemos quando a próxima foto,
mensagem ou ligação vai nos fazer voltar ao tempo em que
éramos felizes. Só se dá um tempo quando muito já foi dado a
alguém que não soube aproveitar. Pensando bem, eu não menti
coisa nenhuma. Eu dei um tempo pra me enganar.

500 dias sem vocêWhere stories live. Discover now