Os Dentes

Ⅱ

O que é o inconformismo? Que coisa é essa afinal de contas? Se me permite responder, diria que é um estado de espírito inquieto que clama por algo diferente. Uma vontade selvagem que, se não for dissimulada, é capaz de mudar o destino de toda uma geração, de forma que através dele, brotaram tanto tipos como Napoleão quanto tipos como Luther King.

Obviamente a resposta é mais complexa e abrangente do que apenas isso. Seria fácil demais citar exemplos prontos para se ter uma ideia deste fenômeno. Fenômeno este que é muito escasso no espírito dos nossos jovens contemporâneos. O que eu decidi fazer foi, julgo eu, o melhor caminho para resolver a questão: Contar um relato íntimo. Qual seria a melhor forma de compreender a mente de alguém que não pela individualidade?

Pois bem, passemos logo para o caso que eu quero compartilhar, que é o caso da Ana. Esta teen aparentemente nada possui de anormal ou extraterrestre, embora certa vez até desejasse que fosse abduzida. Seu inconformismo é que será nosso objeto de estudo aqui, e ele certamente nos proporcionará algum ensinamento. Ou não.

Numas idas e vindas dos dias achou que tinha algo errado com sua aparência. Não era o corpo que a incomodava. Deste ela não tinha muito do que reclamar, embora já cogitasse frequentar academia. Seu problema era com os dentes; os da frente eram relativamente tortos. Apesar disso, aos olhos dos pais não havia nada de errado com ela. (A cria sempre parece perfeita e maravilhosa aos olhos do criador, não é mesmo? Talvez seja por isso que Deus ainda não acabou conosco).

Acontece que a menina, que em sua tenra idade não notava esta pequena "alteração", com o passar dos anos e com a chegada da puberdade foi se incomodando mais e mais, principalmente após vez ou outra ser alvo de piadas ofensivas dentro de sala de aula. Nem é preciso dizer que aquilo a constrangia e a deixava cheia de mágoa. Não viu solução senão ir ter uma conversa com seus pais. Não foi possível; estes andavam preocupados demais. Era carro do pai que quebrava, mãe que tinha sido demitida, doença da irmã pequena, enfim... Um Maelstrom de coisas acontecendo.

A coitada da Ana acabou concluindo que o seu problema não era digno de atenção, como se seu tormento tivesse a mesma importância que uma gota de água dentro de um imenso riacho. Achou que seria melhor guardar aquilo para si mesma. O tempo passou e passou, e era inevitável que uma hora a sua aflição se transformasse em palavra.