Capítulo 5 - Mendes, do cemitério Pouso Verde

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Segunda-feira, sete da noite.

Paulo tomou um banho demorado. Trocou lentamente de roupa e não teve pressa em preparar o jantar. Comeu com parcimônia, em silêncio. Às oito e quarenta já estava pronto e saindo do seu quarto. Parecia não ter pressa, ou estar calmo. Às nove e meia estava no centro da cidade, num boteco perto da praça onde havia um chafariz que ficava ao lado da estação rodoviária. Enquanto esperava dar dez horas, ia pensando se realmente deveria estar ali.

22:00hs. Depois de olhar a hora no relógio de parede do boteco, Paulo caminhou em direção à praça, com passos lentos e inseguros. Quase no mesmo instante em que chegou perto do chafariz, viu um monza cinza-metálico, quatro portas, emparelhar junto à guia. Dentro do carro, no volante, estava Edimundo, e ao seu lado havia um desconhecido. Em cima do teto do carro havia algo coberto por uma lona, algo que fazia muito volume.

"Pontualidade. Eu gosto disso", disse Edimundo, olhando para Paulo, como se o estivesse cumprimentando.

Paulo chegou-se até o vidro da porta do carro, querendo que só Edimundo o escutasse: "quem é esse cara?", meneou a cabeça na direção do homem desconhecido.

"Entra aí atrás".

"Mas Edimundo...".

"Entra logo, não quero ficar parado aqui".

Mesmo contrariado, ele entrou no carro. Ficou olhando receoso para ambos.

"Esse é o Mendes, ele é o responsável pela segurança do cemitério Pouso Verde". Enquanto estava sendo apresentado, o tal Mendes virou-se para Paulo, como a querer cumprimentá-lo. Era um homem branco, meio calvo, rechonchudo e tinha um cavanhaque cheio. Tentava transmitir simpatia e tranquilidade inúteis num sorriso pretenso e deliberadamente abobalhado, porém era visível e indisfarçável sua preocupação com o que sucederia, e com algo mais, além do que se via, alguma coisa que, com certeza, apenas ele próprio poderia revelar ou esconder.

"Ele vai ajudar a gente, pois, sendo ele o responsável pela segurança do cemitério, nossa entrada, permanência e saída do lugar vão ser facilitadas".

O Mendes riu, querendo, com a sua risada meio nervosa, confirmar o que Edimundo acabara de dizer. Paulo ficou em silêncio.

Seguiram-se alguns segundos de silêncio, de troca de olhares entre Edimundo e Mendes, de olhadelas pelo retrovisor de Edimundo para Paulo, e de Paulo para Edimundo. Paulo também olhava para Mendes, mas só via sua nuca semicalva, já que Mendes não olhava para ele. Edimundo parecia o mais calmo, ou o mais concentrado. Olhava sério para a estrada, com as duas mãos no volante. Mendes não se definia entre nervoso e excitado; ora batucava no painel, ora esfregava as mãos e ficava olhando pela janela, tentando firmar o olhar em algum ponto fixo; ria inesperadamente e calava-se imediatamente. Enquanto Paulo demonstrava ser o mais tenso e preocupado dos três. Tamborilava freneticamente os dedos no estofado do carro, passava a mão no cabelo, coçava a cabeça, esfregava a testa, o nariz, a boca e o queixo, alisava a barba que não possuía, cruzava e descruzava os braços, sentia a roupa abafar o corpo e pinicar-lhe a pele, enfim, toda variedade imaginável de tiques nervosos e reações físicas incontroláveis.

"Quem é o morto?" perguntou ele, rompendo o silêncio.

"Que morto?".

"O morto que tá dentro do caixão que vamos desenterrar".

"É um milionário, dono de uma transportadora".

"E do que ele morreu?".

"Por que quer saber?".

"Só por curiosidade".

"Mais que diabo de curiosidade é essa agora, hem?".

"Eu só queria saber como o cara morreu, só isso. Agora se você não quer falar...".

"Olha, eu não sei ao certo, tá legal? Do quê que o filho da puta morreu não me importa, só me importa o caixão".

Houve silêncio.

"Pelo que me disseram" voltou a falar Edimundo, "o cara foi tentar socorrer uma mulher que estava sendo assaltada e acabou levando três tiros do assaltante. Ele foi tentar bancar o herói e acabou se fodendo".

Breve silêncio.

"Essa não é a história verdadeira", falou Mendes, que até então não havia tomado parte na conversa.

"Como é?", perguntou Edimundo, franzindo a testa.

"Essa história do cara rico ser morto por um assaltante enquanto tentava socorrer a mulher que estava sendo assaltada. Não é verdade".

"Então qual é a verdadeira história?".

"Bom, pelo que eu sei, esse cara, o milionário, traía a esposa com uma amante há mais de três anos. A esposa acabou descobrindo a traição do marido e decidiu dar um flagrante no motel onde os dois amantes costumavam se encontrar. Acontece que esse milionário tinha um fetiche. Na hora da transa ele gostava de se vestir como mulher e pedia para sua amante se vestir como homem, ele até colocava uma peruca loira e passava um batom bem vermelho na boca. Sempre que se encontravam naquele mesmo motel, eles trocavam de roupa e trepavam fazendo de conta que ela era o macho e ele era a puta. A esposa do cara chegou no motel, tirou da bolsa um 38 e invadiu o quarto onde seu marido estava com a amante; na hora, a mulher nem pensou duas vezes, sapecou três tiros no marido pensando que ele era a amante. Só quando ela olhou com mais atenção é que reconheceu que era o marido debaixo daquela peruca loira e daquele batom vermelho. O caso foi abafado para não ir à público a verdadeira história do assassinato de um dos maiores empresários do estado e macular a honra de uma família tão respeitada na alta sociedade".

"Ora, e como você sabe que essa é a verdadeira história?".

Mendes riu, como se já esperasse aquela reação. Depois se gabou por saber o que os outros não sabiam. "Se soubessem das histórias que a gente ouve no cemitério durante os enterros, iam ficar de queixo caído".

Depois disso, reinouo silêncio.

Chegaste ao fim dos capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Nov 14, 2020 ⏰

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