Nunca Mais Serei o Mesmo

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O celular continuava o toque insistente. Ele deveria atender Sam, avisá-lo que estava vivo. Riu amargo com esse pensamento, ele estava mesmo vivo? Não se sentia assim. Ele era carne, ossos, lágrimas e sangue. Mas vivo? Não. Viver tinha acabado de adquirir outra dimensão. A questão é que ele já havia morrido tantas vezes que perdera a conta, mas pela primeira vez sabia o que era morrer de fato, essa morte que as pessoas falam, a morte em vida.

Quantas pessoas importantes foram tombando pelo caminho?

Sua mente regressou para a lembrança da mãe em chamas no teto. Mesmo que ele não estivesse no quarto naquele dia, o pai havia contado com tantos detalhes, em uma noite de bebedeira, que ele não precisava ter visto com os olhos, sua mente tratara de enxergar muito além do que ele gostaria de ver.

Depois o pai. Aquele pai obcecado em matar o maldito demônio que tinha dado fim a sua amada esposa. O pai que criou os filhos para salvar pessoas, caçar coisas, o negócio da família. O pai que era ausente por amar demais.

E Ellen e Jo. Pamela, Bob, Kevin, Charlie. E tantos outros. Tantos...

E novamente o pai e a mãe.

E Sam. Todas as vezes que perdera o irmão um pedaço dele morria junto. Sam que continuava ligando sem parar.

- Sam, estou bem.

- Dean! O que houve? Por que você demorou tanto para atender?

- Desculpe, Sammy. Está tudo bem? Estão todos bem?

Ouviu o som do irmão engolindo seco, aqueles poucos segundos pairavam sobre eles como uma espada afiada. Dean sabia, ele sempre sabia.

- Sammy?

- Dean, todos se foram, todos. Charlie, Bob e até mesmo Donna. Somos apenas eu e Jack.

A voz do irmão soou fraca. Sam que se dedicou tanto para proteger todos, mesmo com o peso da perda de Eileen em seus ombros. Ele queria abraçá-lo. Queria poder voltar no tempo quando o carregava em seus pequenos braços de menino e o embalava prometendo protegê-lo de todo o mal. "Cuide do seu irmão, Dean" fora a principal tarefa que o pai lhe dera, e ele, como um bom soldado, nunca se desviara de sua missão. Cuidar de Sam, protegê-lo, era o que lhe dava forças para levantar todas as manhãs.

- Sammy, volte para casa.

- Dean, está tudo bem? O que aconteceu com Billie?

- Billie está morta. Apenas pegue Jack e voltem logo para casa.

- Está bem, Dean.

Deixou o celular de lado e levou novamente as mãos ao rosto. Ele não conseguira dizer toda a verdade para Sam, porque contar o que havia acontecido era ter que encarar a realidade, e ainda não estava preparado para se despedir.

O silêncio na masmorra o sufocava, mas não tinha forças para sair dali. Talvez não quisesse. Em algum lugar no seu coração uma frágil chama de esperança resistia. Olhou para a parede aguardando que o buraco negro regurgitasse o que havia lhe tirado.

"Irritei tanto um antigo ser cósmico que ele me enviou de volta."

Lembrava dessas palavras como se tivessem sido ditas ontem. Se agarrava a elas desesperado. Mas no fundo ele sabia, sabia que O Vazio não abriria mão novamente.

Por que ele não disse a verdade? Por que?

Por que havia empurrado para algum canto obscuro de si, não se permitindo sequer pensar?

Por que não tinha se dado o direito de acreditar que poderia ser amado, ser feliz?

Toda aquela fúria que pesava em seu peito desde a infância, aquela raiva que achava ser o que o definia.

Nunca Mais Serei o MesmoTahanan ng mga kuwento. Tumuklas ngayon