Madalena, alguns metros mais adiante, observava a cena, também sorridente. Piscou e fez um joinha à filha mais nova, quando ela lhe fitou, em um agradecimento silencioso pela ajuda com a escrita.

      — Obrigada, pequena. — depositou um beijo terno na testa dela e agachou-se para ficar da sua altura e aceitar seu abraço apertado. — Eu adorei, mesmo.

Depois de algumas outras palavrinhas de agradecimento, voltou-se para Victória que, assim que o olhar da prima recaiu sobre si, meteu as mãos no bolso dianteiro do short, tirou de lá um papel dobrado e lhe estendeu, cruzando os braços e escorrando-se na mesa logo de seguida.

      — Não ficou tão boa quanto à original, mas acho que dá pro gasto. — Yara ouviu suas explicações, enquanto analisava um esboço da capa de "Noventa e nove", um de seus livros preferidos. — É só pra transmitir energias positivas e tal. — coçou o queixo, soltando um risinho nervoso. Ela não era de fazer aquele tipo de coisa e, nas raras vezes que acontecia, sempre ficava sem saber bem o que dizer. — Enfim, não precisa ficar nervosa, OK? Vai dar tudo certo.

Yara deixou escapar uma risada curta e esticou uma das mãos em punho para que ela tocasse, e assim fez, abrindo um sorriso de canto, igualzinho ao da mãe.

     — Eu amei, Vi. — declarou, mantendo o sorriso sem jeito no final. — Ficou muito legal! Obrigada, tá? De coração.

Visivelmente satisfeita por ter alcançado seu objetivo, Victória alargou o sorriso, devolvendo a mão ao lugar de antes, e encolheu brevemente os ombros.

A adolescente ajeitou as alças da mochila nos ombros, totalmente sem jeito e um tanto nervosa. Não que não estivesse feliz com aqueles presentes. Não era aquela a questão. O problema estava em não se julgar merecedora de tudo o que vinham fazendo por si, ainda que quisesse, ainda que Lena tentasse fazê-la acreditar que era, ou que Mariana, com seu jeitinho meigo e carinhoso fizesse parecer que sim e, mesmo Victória, de maneiras mais reservadas e escassas demonstrações de afeto, não deixava de mostrar seus gestos — mesmo que mínimos e por vezes quase imperceptíveis por residir nos detalhes microscópicos — quando tinha oportunidade.

Ela não era tudo aquilo, não merecia tanto assim e estava longe do que elas faziam parecer. Pessoas do tipo não faziam o que ela fizera, elas não destruiam tudo quanto tocavam, elas não...

Foi obrigada a empurrar tais pensamentos para o mais fundo da sua mente — onde também habitavam coisas que, se dependesse de si, ficariam para sempre e nunca traria à superfície, porque sem o fazer já doía, e não queria imaginar se o fizesse — quando sentiu as mãos da tia sobre seus ombros e a voz desta perto de si, chamando atenção para as horas que avançavam, pois senão acabaria por chegar atrasada.

      — Eu realmente queria levar você, Yara, mas eu tô mesmo lotada de trabalho e a Yumi nem tá aqui pra me ajudar. — Lena disse, quando alcançaram a saída.

       — Fica tranquila, tia, está tudo certo. — abriu um sorriso pequeno, tentando tranquilizá-la. — Eu entendo. Vou de autocarro, sem problema nenhum.

       — Tudo bem. — passou umas mechas dos cabelos da sobrinha para trás da orelha e beijou sua bochecha com ternura. — Quando eu fechar aqui, vou te buscar, tá?

Assentiu, acenando uma última vez para ela e, em seguida, substituindo o ar fresco do interior, pelos escaldantes raios solares que recaíam intensamente sobre a cidade.

Mal dobrou a rua para chegar ao ponto, sentiu sua pele formiga, devido ao celular que vibrava no bolso dianteiro das calças. Pegou-o rapidamente, imaginando ser a tia com algum recado ou talvez apenas uma última recomendação para que lhe ligasse, caso acontecesse algo.

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