Capítulo 2 - O circo

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O despertador me arrancou de um sono profundo às 4h30 da manhã. O clima ficaria ameno. Os dias em Doncaster raramente eram quentes demais. Algum governante deve ter aprovado uma lei muito tempo atrás determinando que a cidade teria sempre temperaturas moderadas.  
Estava amanhecendo. O sol ainda não havia vencido as montanhas, mas o céu já estava clareando, dando às nuvens no horizonte, a leste, um tom cor-de-rosa de algodão-doce. Devia ter chuviscado durante a noite, porque eu podia sentir o cheiro agradável de grama molhada.
Pulei da cama, liguei o chuveiro, esperei até o banho ficar quente e cheio de vapor, e então entrei no boxe e deixei a água quente bater em minhas costas para acordar os músculos sonolentos.

O que se veste para trabalhar num circo? Sem saber o que seria adequado, pus uma camiseta de mangas curtas e calça jeans. Depois calcei meus vans, sacudi a franja molhada para o lado e amarrei uma das minhas pulseiras coloridas no braço, escolhi a azul e voilá: meu traje de circo estava completo.
Hora de fazer a mala. Imaginei que não ia precisar levar muita coisa, somente umas poucas peças que me deixassem confortável, até porque ficaria lá apenas duas semanas e sempre poderia dar um pulo em casa. Vasculhei o armário e escolhi três conjuntos de roupas. Abri as gavetas da cômoda peguei algumas meias e enfiei tudo na minha infalivel mochila. Então juntei produtos de higiene, alguns livros, meu diário, algumas canetas e lápis, minha carteira e fotos da minha família. Enrolei a colcha de retalhos, apertei-a por cima de tudo e forcei o zíper até fechar.
Desci as escadas com a mochila no ombro. Sarah e Mike já estavam acordados, tomando o café da manhã. Eles acordavam absurdamente cedo todos os dias para correr.
- Oi, bom dia, pessoal! '- murmurei.
- Oi, bom dia pra você também - disse Mike. - Está pronto para começar no novo emprego?
- Estou. Vou vender ingressos e fazer companhia a um tigre por duas semanas. Não é ótimo?
Ele deu uma risadinha.
- É parece bem legal. Mais interessante do que a administração pública, pelo menos. Quer uma carona?
Eu sorri para ele.
- Claro. Obrigado, Mike - respondi.
Com a promessa de ligar para Sarah regularmente, peguei uma barrinha de cereais, me forcei a engolir meio copo de leite de soja e me dirigi para a porta com Mike.

Chegando ao parque de exposições, vi uma grande placa azul na rua anunciando os próximos eventos. Numa faixa larga e chamativa, lia-se: 

                                            O PARQUE DE EXPOSIÇÕES DE DONCASTER 
                                                          DÁ AS BOAS-VINDAS AO 
                                                                 CIRCO MAURIZIO
                                            Apresntando os acrobatas Maurizio 
                                                                e o FAMOSO HAZ!

Vamos nessa. Suspirei e comecei a percorrer o caminho de cascalho na direção da construção principal. O complexo central parecia um grande avião ou um bunker militar. A pintura estava rachada e descascando em alguns pontos, e as janelas precisavam ser lavadas. Uma grande bandeira britânica tremulava ao vento, enquanto a corrente à qual estava presa tilintava suavemente contra o mastro de metal.
O parque de exposições era formado por um estranho grupo de edifícios antigos, um pequeno estacionamento e um caminho de terra que serpenteava entre todos os pontos e cercava o perímetro. Dois caminhões-plataforma compridos estavam estacionados ao lado de várias tendas de lona branca. Cartazes do circo pendiam por toda a parte - havia pelo menos um cartaz grande em cada edifício. Alguns retratavam acrobatas. Outros tinha fotos de malabaristas.
Não vi nenhum elefante e deixei escapar um suspiro de alívio. Se houvesse elefantes por aqui por aqui, eu provavelmente já teria sentido o cheiro deles.
Um cartaz rasgado esvoaçava na brisa. Peguei-o pela borda e o alisei sobre o poste. Era a foto de um tigre branco. Muito prazer!, pensei. Espero que seja só um... e que não goste de devorar adolescentes.
Abri a porta do edifício principal e entrei. A área central havia sido transformada em um circo de um só picadeiro. Fileiras de cadeiras vermelhas estavam empilhadas junto às paredes.
Havia algumas pessoas conversando em um dos cantos. Um homem alto, que parecia o encarregado, estava um pouco afastado do grupo, escrevendo em uma prancheta e inspecionando caixas. Segui direto para ele e me apresentei.
- Oi, meu nome é Louis. Seu funcionário temporário.
Ele me olhou de cima a baixo enquanto mascava alguma coisa, que então cuspiu no chão.
- Dê a volta por trás, saindo por aquelas portas ali, e dobre à esquerda. Você vai ver um trailer preto e prateado estacionado.
- Obrigado!
A cusparada de fumo me enojou, mas consegui sorrir para ele mesmo assim. Segui para o trailer e bati à porta.
- Só um minuto - gritou uma voz masculina.
A porta se abriu inesperadamente rápido e eu dei um pulo para trás. Um homem de túnica avultou-se à minha frente, rindo da minha reação. Ele era muito alto, fazendo meu 1,70 metro parecer a estatura de um anão, e tinha uma barriga proeminente. Cabelos negros e encaracolados cobriam seu couro cabeludo, mas a linha do cabelo começava um pouquinho além de onde deveria estar. Sorrindo para mim, ele ergueu a mão para pôr a peruca no lugar. Um bigode fino e preto, com as extremidades enroladas em duas pontas finas, projetava-se acima dos lábios. Também tinha uma barbicha quadrada no queixo.
- Não se intimide com a minha aparência - disse ele.
Baixei os olhos e fiquei vermelho.
- Não estou intimidado. É que parece que o peguei de surpresa. Desculpa se o acordei.
Ele riu.
- Eu gosto de surpresas. Elas me mantêm jovem e bonito.
Dei uma risadinha, mas a interrompi rapidamente ao lembrar que era provável que aquele fosse meu novo chefe. Pés de galinha cercavam seus olhos cintilantes. A pele bronzeada, o que destacava o sorriso de dentes brancos e grandes. Ele parecia o tipo de homem que estava sempre rindo de uma piada que só ele sabia qual era.
Com uma ribombante voz teatral, com forte sotaque italiano, ele perguntou:
- E quem seria você, jovem?
Sorri, nervoso.
- Oi. Meu nome é Louis. Fui contratado para trabalhar aqui por algumas semanas.
Ele se inclinou para me cumprimentar. A mão dele envolveu completamente a minha e ele sacudiu para cima e para baixo, com entusiasmo suficiente para fazer meu dentes chacoalharem.
- Ah, stupendo!!! Que oportuno! Bem - vindo ao circo Maurizio! Estamos um pouco.. como se diz, com pouca mão de obra, e precisamos de alguma assitenza enquanto permanecemos em sua magnifica città. É esplêndido tê-lo aqui! Vamos começar all'instante.
Ele olhou para uma garota loura bonita, de uns 14 anos, que estava passando.
- Danielle, leve esse jovem rapaz para Eleanor e diga-lhe que está incaricata de treiná-lo hoje. - Voltou-se novamente para mim. - Prazer em conhecê-lo Louis. Espero que te piacia, ah, que você goste de trabalhar aqui em nossa piccola tenda di circo!
- Obrigado! Foi um prazer conhecê-lo também - repliquei.
Ele piscou para mim, então deu meia-volta, entrou em seu trailer e fechou a porta. 
Danielle, sorriu e me levou, dando a volta no edifício, até os alojamentos do circo.
- Bem-vindo ao grande... é, bem, pequeno circo! Venha comigo. Poderá dormir na minha tenda, se quiser. Tem algumas camas extras lá. Minha mãe, minha tia e eu dividimos espaço. Viajamos com o circo. Minha mãe e minha tia são acrobatas. Nossa tenda é legal, se puder ignorar todos aqueles trajes de espetáculo. Ela me levou até sua tenda. Guardei a mochila debaixo da cama vaga e olhei à minha volta. Ela tinha razão sobre os trajes. Rendas, lantejoulas, penas e peças de lycra cobriam todas as superfícies da tenda espaçosa. Havia também uma mesa espelhada e iluminada com maquiagem, escovas de cabelo, grampos e bobes espalhados sobre cada centímetro quadrado da superfície. 
Em seguida, encontramos Eleanor, que parecer ter 18 ou 19 anos. Tinha cabelos castanhos e longos, olhos mel e um sorriso despreocupado. Estava tentando montar sozinha uma barraca de venda de ingressos - sem sucesso. 
- Oi,  Els - disse Danielle, enquanto segurávamos a base da barraca para ajudá-la.
- Este é o Louis - continuou Danielle. - Vai ficar aqui duas semanas. É você quem vai explicar tudo para ele.
- Sem problemas - disse ela. - Até já, Danni.
- Até.
Ela sorriu e foi embora.
- Então, Louis, acho que vai ser meu assistente hoje. Você vai adorar - disse ela, brincando comigo. - Eu cuido das barracas de ingressos e souvenirs, e também sou o lixeiro e a estoquista. Basicamente, faço tudo o que precisa ser feito por aqui. Meu pai é o domador dos animais.
- Que emprego legal o dele - repliquei. - Bem, pelo menos parece melhor do que lixeiro.
Els, riu.
- Vamos ao trabalho! - disse ela.

A MALDIÇÃO DO TIGRE - larry stylinson versionWhere stories live. Discover now