O inicio de uma jornada

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No início tudo era escuridão e silêncio. Eu não  tinha braços nem pernas, eu não  tinha olhos. Mas eu ainda assim via as chamas, essas eram as únicas coisas que eu podia ver de fato. Eu não  sabia quais cores eram quais, mas meu coração  me dizia, logo eu sabia que cores poderiam ser, passei a nomea-las de alguma maneira,  a maioria delas eram chamas de cor branca variando um pouco os tons, as vivas eram sempre brancas, cinzas e as vezes com manchas de pequenos pontos alaranjados. Eu sabia que existiam chamas de comer, as chamas que matavam a sede e as chamas que podiam se comunicar entre si. Uma chama cinza sempre estava comigo, me ajudava, me socorria.
Essa chama me deu braços  e pernas para que eu pudesse me locomover. Ela me possibilitou a ter meios de ser mais independente. Eu a chamava de Chama que protegia.
Em meio a esse silêncio que dominava o meu âmago, essa chama me acalentada, me tirava a fome e a sede, únicas coisas que eu realmente  sentia naquele mundo em que eu vivia. Eu gostava de ficar perto dessa chama.
As vezes outras chamas apareciam, a Chama que me Protegia sempre cuidava delas também, lhes davam meios para poderem voltar a andar, lhes davam braços  e mãos  para poderem voltar a pegar as coisas. Assim como fez comigo, a Chama que me Protegia sempre estava  cuidando de outras chamas, mas só  eu que sempre ficava com ela e essa chama sempre estava comigo.
O meu mundo era repleto de  todo tipo de chamas, chamas verdes, chamas brancas pequenas e grandes, chamas que tiravam a fome e a sede, chamas azuis que eu sabia que ele usava para transformar as chamas verdes em braços e pernas.
Eu sabia quais chamas eram alimentos, quais chamas eram como a chama que me protegia, eu sabia cuidar de mim, pelo menos eu me sentia assim, neste mundo cheio de chamas. Aprendi a pegar a minha comida, a descobrir os alimentos, de saber quais eu podia comer e quais eu não  podia.
Um dia apareceu a primeira chama de tom diferente, seria vermelho? Aquela foi a primeira que tentou me fazer algum mal, me defendi e a chama que sempre me acompanhava me ajudou, espantando aquela chama vermelha. Não  senti nada além  da vontade de me defender.
A chama que sempre estava comigo me deu algo, era da mesma cor que eu via em meus braços  e minhas pernas, a cor verde. A segurei firme, era algo que eu pudesse bater?
E logo veio a resposta, um golpe veio para cima de mim, caí, mas a chama gentilmente me ajudou a levantar e foi aí  que eu entendi o que eu deveria fazer. E assim aprendi  a bater, a me defender. E sempre fazíamos isso todos os dias. Eu fui ficando hábil em usar aquele artefato.
A Chama  que me Protegia me ensinou a fazer símbolos na areia, aquilo seria o meu nome? Mas eu não  sabia pronuncia-lo, mas sabia que aqueles símbolos eram meus, dizia quem  eu era. Aprendi a fazê-los no chão. Pela insistência da chama entendi que aquilo poderia ser importante. Também aprendi a fazer símbolos para chamas de comer e para chamas que tiram a sede. Eram o meu único meio de me comunicar, caso algum dia eu precisasse.
Treinei muito e senti que fui mudando. Conseguia cada vez mais ficar da mesma altura que a Chama que me Protegia e ao mesmo tempo outras coisas mudaram eu comecei a ver cada vez mais chamas vermelhas que mudavam apenas um pouco de tons, quanto mais vermelhas mais fortes eram, eu entendi que elas queriam me fazer algum mal e mal a Chama que sempre me protegia, e assim comecei a fazer as chamas vermelhas desaparecerem, dando golpes até  que elas sumissem.
Até  que um dia, uma chama muito vermelha e intensa tentou acabar comigo, consegui derrotá-la, mas em seguida algo aconteceu, eu não conseguia me mexer, senti algo estranho que eu simplesmente não  sabia o que era, algo que me dominou e me assustou, mas em seguida a minha perna direita veio com vida, a prótese caiu e eu senti algo a mais, os movimentos de meus dedos dos pés  e da minha perna, foi difícil  levantar, a chama que me protege me levou para onde sempre  ficávamos, depois disso ele mudou os meus braços e dentro dos braços falsos colocou duas chamas azuis, essas chamas eram cortantes, com elas eu conseguia facilmente extinguir as chamas vermelhas. Senti que era o que eu deveria fazer, se eu extinguisse as chamas vermelhas, talvez eu conseguisse aquilo que eu não  tenho, pernas, braços, olhos, eu sabia que tudo isso existia, eu sentia quando a chama que me protegia tocava em eu rosto e quando eu a tocava mesmo sem ter dedos de verdade para sentir, eu percebia o que essa chama tinha e o que eu não  tinha. A minha chama era diferente das demais chamas era como se faltasse algo em mim, não  somente pernas e braços mas algo mais que eu não  sabia o que era.
A chama que me Protege me deu novos braços com o que eu podia extinguir mais facilmente as chamas vermelhas, aprendi a lidar com aqueles novos braços.
Um dia a Chama que me Protege me limpou e me deu novas vestes, e eu entendi que estava por vir.
Senti um abraço e algo  foi colocado em meu pescoço era um objeto macio, devia ser algo importante. Percebi que aquilo era uma despedida, toquei em seu rosto e vi a chama oscilando, não  entendi o que poderia ser, mas entendi que eu deveria seguir o meu caminho.
E assim fui sem rumo, andei por muito tempo, eu sabia que alguns dias se passaram, pois eu precisei  dormir algumas vezes, em um dado momento eu percebi um local cheio de pequenas chamas, dentro da chama que tirava a sede, eu sabia que eram alimentos e eu sentia fome.
Mas no momento algo mais me chamou a atenção, era algo grande e estava perto de outras chamas cinzas e brancas, era uma grande chama vermelha, eu tinha que pega-la e extingui-la, fui atrás, era grande, no caminho uma pequena chama branca ia cair, evitei que isso acontecesse e segui em frente.  Cheguei a um lugar onde eu poderia atacar a grande chama vermelha, ela apareceu e pegou algumas outras chamas manchadas, mas uma pequena chama também  foi pega era branca, eu a tirei das chamas vermelhas. A chama vermelha me atacou e consegui acabar com ela, a pequena chama branca veio até  mim e me devolveu meus braços que cobriam as chamas azuis que eu usava para acabar com as chamas vermelhas cortando- as em pedaços.
Senti algo em meu rosto e não  só  no meu rosto como também no meu corpo, mas o rosto em si era o que mais me incomodava, algo aconteceu que era tão  forte que não  pude entender o que eu sentia, só  queria segurar com força  o que eu estava sentindo, a pequena chama branca  me segurou, estaria assustada como eu?
A sensação  logo passou e senti que não  precisava mais da máscara. A pequena chama continuava a tentar se comunicar comigo, mas eu não  tinha meios de corresponder com isso, eu não  sabia como fazer e continuei meu caminho, a pequena chama branca veio atrás  de mim, eu sabia que ela era pequena e que não ia me fazer mal, aliás  esse tipo de chama normalmente fica acompanhada de chamas maiores, eu não  entendia por que ela estava sozinha, e por que me seguia.
Senti fome, comi algumas coisas que eu sabia que acabaria com a fome, senti vontade de comer mais, fui na chama que tira a sede  e peguei mais chamas de comer, aquelas que se mexiam. Quando eu estava prestes a comer, a chama branca  que me acompanhava me impediu, entendi o que ela queria, era o mesmo que a Chama que me Protegia fazia, queria preparar aquele alimento, eu entendia que tinha que tomar cuidado como a chama que cuidou de mim me ensinou. O alimento quando era preparado sumia, eu não  via mais as suas chamas, era um completo nada, mas era mais fácil assim de mastigar.
A pequena chama me deu o alimento, que me incomodou não  poder ver mais a chama, a pequena chama branca me ajudou, senti que ela percebeu que eu não podia ver todas as coisas, comi de bom grado. A pequena chama continuava a tentar se comunicar comigo, me fez tocar em seu rosto, e depois me fez tocar no meu próprio rosto, eu apenas queria poder entender o que ela queria. Ficamos ali até  que a pequena chama se deitou no chão, eu também  dormi.

Hyakkimaru e Dororo.- Narrado por Hyakkimaru. Onde as histórias ganham vida. Descobre agora