CAPÍTULO 03 - Ilha de sangue

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     Meu corpo sentia o frio do chão, estava tudo escuro. Não sabia quanto tempo passara apagado. Ouvi o som distante de uma sirene, eu estava todo molhado, uma forte chuva caía no momento. Mexi os braços na tentativa de me levantar e acabei esbarrando em algo no chão. Para a minha felicidade, era a lanterna que trouxera comigo. Ela ainda funcionava. Eu não conseguia ver muito além de alguns metros, a chuva tinha a coloração vermelha, assim como a grama que cobria todo o local. No chão havia ramificações em forma de veias humanas, se mexiam lentamente como se algo transcorresse ali dentro.

Aquele sonho era bizarro, à frente havia alguns blocos que estranhamente estavam flutuando, de maneira que eles juntos formavam uma escada. A gravidade parecia ser um pouco diferente para certos objetos daqui, mas meu corpo, ainda se comportava como se estivesse sobre a força gravitacional da Terra. Só não tinha entendido como consegui cair de forma lenta quando chegara. Mas sonhos não se tem muitas explicações, lembrei que dias anteriores sonhei que algo me perseguia, mas eu não conseguia correr nem gritar.

Andei em direção à escada e observei que existiam duas pequenas luzes refletindo minha lanterna, pareciam ser olhos que ficavam acompanhando meu percurso. Pensei que seria melhor não chegar muito perto, aquilo não parecia ser humano. A criatura que me perseguiu em noites anteriores? Talvez, mas preferia ficar sem saber. O som da sirene ficava mais alto a cada passo que eu dava, ainda não acreditava bem no que estava acontecendo, talvez tivesse batido a cabeça com muita força ou algum tipo de pesadelo me assombrava, mas agora que estava ali iria seguir até acordar.

Após subir as escadas, continuei seguindo em linha reta, eu estava em um grande campo cheio de elevações e todo coberto por um gramado vermelho que, na verdade, mais parecia pelos de algum animal grande. Um pouco mais além, era possível notar mais olhos me observando, e preferi seguir o caminho que não me levava até eles. Senti um cheiro forte de carne podre, coloquei a lanterna para a direita e avistei um amontoado de carne, eram restos de intestino de alguma criatura muito grande, muito maiores do que qualquer uma que eu conhecesse. Meu estomago deu um embrulho, coloquei a mão no nariz para impedir de sentir aquele odor que aumentava ainda mais as chances de devolver minha última refeição.

Segui em frente, o barulho da sirene estava mais forte, ele vinha de uma colina a minha esquerda, fiquei curioso para saber o que estava produzindo aquele barulho, mas lá estavam mais quatro pares de olhos me encarando. Com toda certeza eu não iria fazer questão de descobrir o que era.

O caminho terminava em uma caverna com uma parede viva, vermelha e gosmenta. Não parecia um ambiente muito legal, mas as outras opções eram voltar ao início ou ir em direção à sirene. Havia percorrido um longo caminho caverna adentro quando a sirene parou, olhei para fora de forma automática, tentando entender o que havia ocorrido, quando escutei pela primeira vez aquele barulho.

— DROOOOOOOOOOOMMMMMMMMM

Uma criatura veio em minha direção fazendo um grande barulho que me causou arrepios.

— DROOOOOOOOOOOMMMMMMMMM

Nos poucos segundos que olhei para ela, pude perceber o quanto era mais assustadora que seu grito. A criatura era uma caveira em chamas que flutuava a uma altura de três palmos acima do chão, era extremamente rápida e vinha em minha direção. Minha reação foi instantânea, mesmo sem entender direito o que estava ocorrendo, comecei a correr caverna adentro o mais rápido que pude, o caminho ficava cada vez mais estreito, no final havia uma pequena passagem na parede, levando para um corredor.

— DROOOOOOOOOOOMMMMMMMMM

Passei com velocidade e segui correndo por esse. As paredes aqui eram feitas de pedras muito altas, não era possível ver o teto. O corredor estava cheio de água vermelha, o medo de cair era imenso. Avistei algo acima semelhante a uma cabeça presa na parede, em seguida outra cabeça, com metade do tórax para fora, parecia ser de humanos, mas não tinha tempo para analisar, a criatura em chamas estava se aproximando.

— DROOOOOOOOOOOMMMMMMMMM

O corredor era imenso, parecia que eu estava correndo na costa de Jormungand. É incrível como a adrenalina estava me permitindo chegar tão longe, em dias comuns não correria metade de toda aquela distância. Depois de muitos corpos pela parede e gritos assustados, finalmente avistei o final do corredor. Terminava em uma queda livre, não tinha certeza se queria mergulhar na escuridão, mas a criatura atrás de mim não me dava outra escolha.

Fechei meus olhos e pulei, passando alguns segundos no ar antes de cair em um rio de águas vermelhas. A altura de onde pulei fez com que eu descesse alguns metros abaixo da superfície. Segurei a lanterna enquanto nadava desesperadamente, eu já estava ficando sem ar quando consegui chegar à superfície. Mas a correnteza me levava, nadei sempre à esquerda até consegui segurar em uma pedra, onde subi e fiquei tentando recuperar o fôlego.

Escutei um coração batendo, e, a princípio, pensei que seria o meu, mas o barulho era muito alto. Com a lanterna olhei o ambiente ao redor, eu estava outra vez em uma caverna. O rio que corria a minha frente descia em uma passagem subterrânea entre as rochas, parecia ser uma espécie de lençol freático, mais alguns segundos na correnteza e eu estaria preso naquelas pedras.

O barulho das batidas ainda permanecia, competiam com o forte som da correnteza da água. Me levantei e fui seguindo a margem do rio. O som ficava cada vez mais forte e, mais a adiante, avistei algo que se mexia próximo as paredes. Passei alguns segundos tentando entender o que estava bem diante dos meus olhos, era inacreditável, um coração vermelho pulsante que parecia ter sido retirado de algum gigante. Aquele órgão muscular era três vezes o meu tamanho, batia de forma rítmica como se ainda estivesse bombeando sangue, era hipnoticamente aterrorizante. Mais à frente pude avistar outro, dessa vez um pouco menor. Fui seguindo adiante e, a cada passo, era possível encontrar mais corações pulsantes, alguns nas paredes e outros no teto. Aquele lugar parecia ter saído de um filme de terror, nada daquilo fazia sentido. O sonho que estava tendo era de uma natureza muito bizarra.

Continuei minha jornada em meio aqueles corações. O caminho estava ficando estreito, restava apenas uma pequena brecha na parede. Tive que me agachar para conseguir atravessar. O local era muito úmido assim como tudo, mas eu estava conseguindo passar sem muitas dificuldades. Essa passagem me levou a uma área maior na qual eu pude me levantar e andar em pé novamente. Dessa vez não havia mais corações, só o barulho de algumas gotas d'água caindo do teto. Olhei mais adiante e avistei uma luz familiar, um portal vermelho. Se eu tivesse sorte, iria passar por ele e acordar daquele mundo horrível. 

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