Capítulo VI

452 17 0
                                    

CAPÍTULO VI

- Ele é um completo grosseirão, Bia. Deu vontade de esganá-lo por toda sua prepotência. - comentei enquanto preparava a minha cama para deitar. O riso de Bia soou através do viva voz do meu aparelho.
- Essa sua implicância parece como todas as outras que já vi em alguns romances que li. No início há sempre brigas, um não suporta ver a cara do outro, e o jeito alheio irrita, mas depois de um tempo percebem que tudo não passou de atração, daquelas bem explosiva.
- Poupe-me de suas análises românticas. Se é para eu morrer de amores que seja pelo irmão dele, que além de gato, é muito gentil.
- Hum, mas esses assim sempre perdem a graça depois, quer dizer, nós mulheres sempre caímos pelos malvados. E pelo que me contou, Enzo está nessa categoria. O sexo com ele deve ser quente, uma coisa de louco. - ela suspirou, o que me fez sorrir. - Aliás, você devia investir nele. Sei lá, ter um pouco de sexo não ia lhe fazer mal.
- Bianca, você está se ouvindo? - perguntei indignada, subindo na cama e me ajeitando entre os lençóis. - Em primeiro lugar, acabei de sair de um relacionamento e estou muito bem sozinha, obrigada. Em segundo, ele é o meu chefe!
- Mas você esqueceu de um fato básico.
- O quê? - desativei o viva voz e levei o aparelho ao ouvido.
- Não incluiu na sua lista o fator: não sou atraída por ele, o que significa que há interesse da sua parte.
Revirei os olhos, mas ainda assim sorri.
- Você é tão sonhadora, Bia. Isso só é um detalhe. Fora que acabamos de nos conhecer. Não há hipótese de estar atraída por ele.
Ela riu novamente.
- Você sempre impondo contras. Pelo que me recordo do que falou vocês se viram no orfanato, depois ele salvou você e a Anna daquele marginal, ele as deixou em sua casa. É, acho que vocês não acabaram de se conhecer.
- Mas para ele deve ter sido essa sensação, pois não acho que tenha me reconhecido, não pela forma como me olhou essa noite.
Isso me fez recordar a maneira como ele examinou meu corpo no corredor da saída do seu escritório, porém não havia contado isso a Bia e nem tinha pretensão de fazer, não se queria descansar em paz com pensamentos neutros e distante de ideias pervertidas.
- Aposto que ele estava apenas se fazendo de indiferente. Sabe, geralmente os homens que mais arrasam com os corações das mulheres são aqueles que fingem e apenas não se importam em recordar detalhes sobre elas, ou até mesmo dos seus rostos. Mulheres tem queda por homens que as desprezam, essa é a dura realidade.
- Bia, agir assim é ser cruel. Definitivamente, não me encanto por homens desse estilo.
- Ah claro, como se o encanto que teve por aquele seu ex fosse algo admirável! - ela zombou.
- Jesus! Você toca mesmo na ferida, hein?
- Desculpe, Clarinha, mas boas amigas servem para isso e, principalmente, para lhe elogiar por ter tomado a maravilhosa decisão de se distanciar do traste. Ele te procurou?
- Mandou algumas mensagens. - meu celular vibrou no instante e percebi que era outra chamada. - A propósito, deve ser ele me ligando.
- Você irá atender? - havia um tom de repreensão em sua voz.
- Não irei voltar para ele ou algo do tipo, Bia. Só não quero perder sua amizade, pois o Patrício não me fez mal algum.
- Sério?! - exclamou contrariada, depois suspirou. - Olha, tudo bem. Vou agir como a amiga empática e aceitar que me dispense para falar com esse idiota só por hoje, me entendeu?
- Sim, senhora.
- Até mais. Amo você.
- Eu também te amo, Bia. - ela desligou e minha testa enrugou quando vi que na verdade era o número de meu pai na tela. - Oi, Candice. Ocorreu algo?
- Sentindo saudades, pequena?
- Oh meu Deus! - levei a mão à boca quando o ouvi e meus olhos de imediato ficaram aguados. - Papai?
- Oi, querida. Como você está? - ele inquiriu, sua voz um pouco fraca, sua respiração pausada.
- Melhor agora. - disse, sem conter o choro. - E você? Fiquei tão assustada pensando que me deixaria.
- Sou um velho forte, pequena. Um velho forte e ansioso para vê-la.
- Eu também. - dei um pulo da cama e fui para o pequeno closet buscar alguma roupa decente para sair. - A Candice está aí?
- Sim, é tão chorona quanto você. Ela me contou sobre seu novo trabalho. Ainda não sei se gosto dessa ideia, Clarice.
- Papai, não vamos discutir isso agora. - apoiei o celular entre o ouvido e o ombro, enquanto enfiava as pernas dentro da calça jeans. - Não com você se recuperando de uma cirurgia cardíaca.
- O que está fazendo agora? Você parece inquieta.
- Estou trocando de roupa. Irei visitá-lo.
- Clarice, a Candice já está passando essa noite comigo no quarto, além disso o horário de visitas encerrou há muito tempo.
- Não me importo. Se eles não me deixarem entrar, coloco esse hospital para baixo. A não ser que você e Candice estejam num clima romântico e que eu possa atrapalhar. - isso o fez rir, e meus olhos voltaram a ficar encobertos por lágrimas quando percebi o quanto até sua risada espontânea me fez falta.
- Acho que não aguentaria se te perdesse, eu amo tanto você. - confessei com a voz embargada. Ele respirou profundamente.
- Não tão quanto eu a amo, minha bambina.
- Nem pense em dormir, estou a caminho. - ele sorriu antes de se despedir.
Calcei meus tênis, vesti uma camisa e um casaco, e sai com pressa da casa branca. Estava prestes a subir as escadas para o jardim dos fundos da mansão quando a voz grave me assustou e me fez dar um grito.
- Céus. - pronunciei com pesar, levando a mão ao pescoço. Olhei para trás e vi Enzo andando tranquilamente até mim. Ele estava com um roupão aberto que dava uma amostra de seu abdômen rijo e exacerbado definido, sua pele era de um bonito tom dourado e com pouquíssimos pelos em seu peitoral. Enzo usava uma sunga preta e fiz um enorme esforço para afastar o olhar de suas pernas torneadas. Eu era uma mulher tarada por coxas e bunda e, pelo que percebia, ele não era nada fraco nesses aspectos.
- Para onde está indo?
Minhas vistas subiram para seu rosto e, mesmo soando grosseiro, havia o esboço de um sorriso em seus lábios. Enzo com certeza flagrou meu pequeno exame criterioso pelo seu corpo.
- Não lhe ensinaram que é falta de educação ignorar uma pergunta?
Engoli em seco e coloquei as mãos nos bolsos da calça.
- Eu irei ver o meu pai. Ele já está num quarto.
Ele franziu as sobrancelhas.
- Pelo que sei não a deixarão entrar para vê-lo esse horário.
Encolhi os ombros.
- Estou indo de qualquer forma.
- Teimosa. - resmungou desgostoso. - Você ao menos tem um táxi lhe aguardando aqui na porta?
- Não, eu não tenho. - assumi, envergonhada demais por seu olhar recriminador. Ele balançou a cabeça com uma carranca.
- Você não tem jeito. Então me espere, eu a levarei.
- Como? - questionei surpresa.
- Você sabe... Um carro, o motorista, uma estrada. - respondeu debochado.
- Você me entendeu. - salientei meio contrariada.
Ele pôs as mãos nos quadris, fazendo ampliar a abertura do seu roupão.
- Está tarde e perigoso, ou eu preciso lhe recordar o que aconteceu naquele dia?
- Então se lembrava de mim? - quis saber, um pouco chocada com a informação. Ele disfarçou tão bem.
- E por que não o faria? - ele arqueou o supercílio.
- Não sei, eu só... Esqueça.
- Ok. Dê-me cinco minutos. - ele passou por mim e começou a subir os degraus.
- Não precisa se preocupar, eu...
- Espere. - ordenou e desapareceu pelo jardim.
Em exatamente cinco minutos ele voltou a aparecer na porta da frente. O motorista já o aguardava com o carro estacionado e lhe entregou a chave. Ele não procurou conversa ou tocou qualquer música durante a ida até o hospital e havia um silêncio tão esmagador que estava me deixando inquieta. Olhei para ele de relance só para me frustrar ainda mais ao notá-lo calmo.
- Foi a madre Helen quem me indicou para você? Quer dizer, nós nos esbarramos em um dia e, coincidentemente, recebo uma oportunidade de emprego onde você é o chefe.
- Não. - foi sua resposta concisa, sem sequer me olhar.
- Oook. - murmurei com petulância. Ele me deu um rápido olhar antes de se atentar à direção novamente. Reparei em seus dedos da mão direita manuseando com suavidade o volante, sua pose relaxada no banco, embora cheia de prepotência, sua mão esquerda pousada sobre a coxa e o anel de prata com a sigla RMN presente no seu dedo mínimo.
- A sigla da sua empresa é do seu sobrenome, não é? Ele é incomum para um americano.
- Isso porque é italiano.
- Jura? Vocês também são descendentes de italiano?
- Sim, somos.
- Meu pai é da Itália, mas se casou com uma americana, a minha mãe. Enfim, isso não importa. A sua empresa. Em que consiste os negócios dela?
Ele me avaliou com curiosidade.
- Você é hiperativa ou apenas não suporta ficar calada?
Desviei meu olhar do seu e percebi o quanto torcia o lenço do meu pai em minhas mãos. Nem lembrava como o mesmo havia parado ali.
- Desculpa. Eu só estou nervosa. Acho que só ficarei tranquila depois de vê-lo.
Enzo não só deu carona até o hospital, como também me surpreendeu ao propor me acompanhar até o quarto do meu pai com a desculpa de esperar para me levar de volta para a mansão. Concordei, mesmo com desconfiança por seu inesperado altruísmo. Pensei que teria alguma dificuldade para ter acesso ao hospital e já pensava nos argumentos para convencer minha aparição àquela hora, porém tudo que precisei fazer foi aguardar o senhor Romano falar com uma pessoa que ele conhecia.
Dei uma leve batida na porta do quarto e a abri devagar quando não houve resposta. Candice estava sentada numa poltrona reclinável e lendo em voz alta um trecho de um livro de poesia. Papai estava com os olhos fechados e parecia descansar pacificamente, sem resquício de que sentia dor.
Candice sorriu quando me viu parada na porta e veio até mim lentamente. Ela olhou com curiosidade para Enzo. Eu os apresentei. Ela corou e o olhou admirada quando ele a cumprimentou com um beijo no dorso de sua mão. Haviam inúmeras perguntas em seu semblante.
- É o meu chefe. Ele me ajudou a chegar aqui.
- Ah claro. - ela sorriu novamente para ele, já perdida em seu charme. E eu não a culpava por isso. Parecia que até sua cicatriz aguçava o teor de sua masculinidade.
- Ele despertou chamando por você. - Candice sussurrou ao meu ouvido. Sorri amplamente ao saber.
- Obrigada por ter permanecido. Não sabia que planejava dormir aqui.
- E não planejava, só que ele foi transferido para o quarto no final da tarde e desde então não parou de exigir minha atenção. - nós sorrimos com seu comentário.
- Sabe, pensei mesmo que tinha vindo apenas para me ver. - papai resmungou. Rindo fui até ele, que pôs força nos braços para se sentar, e o abracei. - Como você me fez falta, Clarinha.
- Ah, papai. - escondi meu rosto em seu pescoço, sentindo seu familiar cheiro, e não contive meu choro. Solucei fortemente, sentindo sua mão acariciando minhas costas para me confortar. O que mais temia era ter uma vida sem o homem que mais amava, e, mesmo consciente de que não podia tê-lo para sempre, ainda não estava preparada para perdê-lo.
A gente nunca está.
- Filha, achei que estaria feliz em me ver.
- E estou. - disse entre os soluços. Ele segurou meu rosto entre suas mãos, limpando minhas lágrimas com seu polegar.
- Eu estou aqui, bambina. Você não me perdeu.
Respirei fundo e sorri discretamente.
- Você está de castigo e ficará por todo esse mês sem as massas que tanto adora, só por ter me dado esse susto.
Ele sorriu e beijou minha testa.
- Pelo visto ficarei eternamente de castigo.
- Os médicos passaram um monte de restrições alimentares. - Candice argumentou. - E talvez seu pai receba alta amanhã pela tarde.
Meu pai olhou para um canto do quarto e ficou sério. Segui seu olhar e só então me recordei da presença de Enzo. Levantei da cama de meu pai e limpei meu rosto.
- Pai, esse é o meu chefe. Ele fez a gentileza de me trazer até aqui - Enzo se aproximou reticente de nós. Pela primeira vez vi indecisão e vulnerabilidade em seu olhar, e fiquei confusa ao constatar isso. Papai o analisou com os olhos estreitos, a testa franzida, como se tentasse se recordar de onde o conhecia.
- Você não me parece estranho. Como se chama?
Enzo estendeu a mão para meu pai.
- Enzo Romano.
Papai correspondeu ao seu cumprimento.
- Augusto Valente. Então foi você quem ofereceu o emprego e a moradia a minha filha?
- Indiretamente, sim.
- Não estou seguro se teremos privacidade morando por lá, mas agradeço pela oportunidade oferecida. - ele soltou a mão de Enzo e me olhou carinhosamente. - Estava disposto a travar uma batalha com você por ter me tirado da antiga casa sem minha autorização, como se eu não passasse de uma criança sem vontade. Mas depois que deixei meu rabugento jeito de ser de lado, fiquei bastante orgulhoso por saber que, no momento que precisar, poderei contar com minha maravilhosa filha.
- E com Candice. - afirmei, fazendo meu pai dirigir um olhar amoroso para ela. Se eu tinha dúvidas que aqueles dois se gostavam, elas findaram completamente quando notei sua troca de olhares.
Comecei a rir alegremente fazendo os três me olharem surpreendidos. Papai e Candice logo sorriram sem jeito ao se conscientizarem que eram o motivo de minha reação. Quanto a Enzo, em sua feição havia uma mescla de confusão, curiosidade e, não deixei de perceber, admiração. Era a segunda vez em todo o dia que enxergava esse brilho ofuscado em seu olhar e passei a me preocupar com o quanto fiquei satisfeita com ele. E o pior, com o quão rápido cresceu loucamente em mim a vontade de cada vez mais o estimular.

Voltas que a vida dá (completa na Amazon)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora