Dois - Niven

104 18 0
                                    

Nem nos meus melhores sonhos, eu poderia ter previsto o que Roman tramava para mim. Quero dizer, é claro que eu deduzia que ele me ofereceria um emprego uma hora ou outra, depois que entrou em uma sociedade em um restaurante, já que desde que o irmão partiu, sempre foi, de longe, o maior incentivador da profissão que escolhi seguir.

Isso e o fato de que Roman sempre foi totalmente louco por minha comida. Ele costuma dizer que ela o faz perder os sentidos. Talvez seja um pouco de exagero. Não porque não me considero boa. Sei que sou boa no que faço, apenas... não sobrenaturalmente. E, embora eu não ache que sequer seja possível cozinhar sobrenaturalmente bem, meu amigo jura que sim.

Contudo, nunca, nem por um momento, cogitei a hipótese de que ele me ofereceria o cargo de Sous Chef.

Roman deve mesmo confiar em mim, o que deveria me deixar completamente feliz e realizada, mas isso é exatamente o oposto de como estou me sentindo agora. Se mamãe estivesse aqui, provavelmente estaria dizendo o quanto sou absurda, que devia ver o lado bom das coisas, em vez de ficar praguejando incessantemente. Mas isso é completamente impossível dada minha situação.

Certo, talvez tenha sido uma tremenda ignorância de minha parte aceitar que todas as minhas roupas viessem no caminhão de mudanças. Mas de que maneira eu poderia imaginar que aconteceria um acidente no meio do caminho e que minhas coisas literalmente iriam pelos ares? Ou pela lama, ou o que quer que aquela carreta tenha sofrido para causar extravio total de carga.

Não que eu não esteja feliz pelo motorista ter sido socorrido a tempo, pelos céus! Um acidente automotivo foi o maior trauma da minha vida. Mas eu ficaria mais satisfeita se junto com ele também tivessem sido poupados a minha tevê, os poucos móveis projetados que eu tinha no quarto e todas as minhas roupas, incluindo as calcinhas.

Como alguém pode ter tanto azar com estradas como eu? Céus, se isso for senso de humor do destino é, no mínimo, peculiar.

Agora estou aqui, feito uma completa idiota, porque é claro, não tive a brilhante ideia de colocar ao menos uma mala no meu banco do carona ou na droga do porta-malas.

Sento-me no áspero carpete do apartamento que aluguei próximo ao restaurante, e tudo o que tenho enquanto observo as gotas de chuva escorrerem pelo vidro temperado em minha janela é o cartão de visitas de Ítalo, o Chef com quem irei trabalhar.

Tento não considerar esquisito que haja apenas um e-mail para contato, não um número de telefone. Acabo supondo que ele seja aquele tipo de profissional estranho, que faz questão de manter qualquer contato com colegas e clientes, o mais próximo possível do impessoal.

Quando ouço o "toc" em minha porta, descruzo as pernas para me levantar e, aos tropeços, avanço até ela. Meu peito é preenchido por um alívio imediato quando me deparo com a figura tão despenteada quanto atônita de Roman. Apesar de parcialmente ensopado pela garoa, ele não demonstra resistência ao meu abraço.

− Ei! Calma, garota! Está tudo bem.

Meu coração tamborila em um ritmo desenfreado.

− Não! Não está nada bem, Roman! Mas que bela, droga! Eu não sei em que estava pensando quando saí da fazenda.

− Para, Niven – sem demonstrar esforço, ele me puxa pelo pulso e eu desvio os olhos da mala de mão que mantém ao lado do corpo para encará-lo.

− Veio de mudança? – pergunto em um tom um pouco mais preocupado do que gostaria, fazendo-o soltar uma risada contida.

Ele usa os próprios pés para tirar os sapatos e está só de meia quando finalmente pisa no carpete.

Em Todos os SentidosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora