A parte ruim das minhas férias é que tenho que cuidar da casa. Hoje é um desses dias. Com mamãe e Heitor trabalhando, sobra para mim e Helena fazer as tarefas domésticas. A verdade é que, com o braço esquerdo engessado, a ajuda da Helena é necessária para que eu consiga terminar minhas obrigações.
Estamos finalizando a limpeza da casa, quando alguém chama na porta.
- Alguém em casa? - a pessoa fala já abrindo a porta.
Vou até a sala e vejo João Pedro, nosso vizinho. Ele me olha com aqueles olhos verdes e um sorriso contagiante que se estendia de orelha a orelha. Agora tem dezoito anos. Está mais branco do que antes, talvez por que não é mais o moleque que passava o dia no sol, como fazíamos quando crianças. Seu cabelo preto no corte militar o deixa mais charmoso do que antes. Usa uma calça verde escuro com sapato social preto e uma camisa branca que parecia menor por não caber seus músculos dentro.
- Onde estão todos? - pergunta pegando na minha mão e me puxando para um abraço.
- Heitor e minha mãe estão no trabalho. Helena está ali e Vilmar não mora mais com a gente - respondo.
- Eu soube do que aconteceu. Como você tá? - ele pergunta colocando a mão no meu ombro.
- Tô bem!
Coloco Helena para tomar banho e vamos conversar na sala. Conto o que aconteceu.
- Quer dizer que você está namorando? - Pergunta ele sorrindo.
Também sorrindo pergunto como está o colégio militar apenas para mudar de assunto.
- Graças a Deus me formo esse ano, já estou de saco cheio de lá. Sinto falta da liberdade, da família, de vocês - ele fala com um olhar pensativo - Mas não foi de todo mal, fiz amigos, aprendi coisas, tive novas experiências...
Será que ele está falando o que eu estou pensando? João Pedro sempre foi mais desinibido que nós, principalmente em sacanagens. Quando crianças, ele chamava Heitor para brincar em sua casa e se trancavam em um quarto nos fundos para se masturbarem. Ele mesmo me contou.
- Eu não sabia que você era gay. - ele fala me tirando dos pensamentos. - se soubesse poderíamos ter nos divertido mais.
- Nem eu tinha certeza - respondo - E além do mais tinha muito medo do Vilmar. E eu não sabia que você também era.
- Talvez não fosse - ele falou se acomodando mais no sofá e colocando as mãos atrás da cabeça - talvez não seja. Descobri que a vida é bem mais do que isso. Por que rotular? Por que escolher racionalmente se não temos esse poder?
- Mas temos sim o poder de escolha. – revido - podemos escolher com quem namoramos, com quem casamos...
- E por quem nos apaixonamos? Você escolheu se apaixonar por esse Élio?
Fico sem resposta. Eu não escolhi me apaixonar pelo Élio, as coisas foram acontecendo e de repente eu estava assim.
- Viu?! - ele continua - Não somos nós que escolhemos, é o nosso coração - ele fala tocando o meu peito - e ele não é racional, não pensa se é homem ou mulher, só se apaixona. Nós é que as vezes, o sufocamos por achar que é um sentimento errado. Mas só achamos que é errado por que alguém disse que é errado. Deveríamos apenas seguir o coração. Se eu não tivesse sentido medo e seguisse o meu aos quatorze anos...
Ele para de falar olhando nos meus olhos e segura minhas mãos. Fico sem saber o que falar e apenas dou um sorriso. Ele coloca a mão no meu rosto. Ouvimos um barulho na porta e ele tira a mão rapidamente. Heitor entra e assusta-se com a presença do João Pedro. Os dois se cumprimentam e se abraçam.
Começam a conversar sobre o tempo que passaram distantes. Para não atrapalhar, eu levanto e vou colocar o almoço de Helena. Da cozinha ouço Heitor falar:
- Almoça com a gente para relembrar os velhos tempos?
- Claro - ele responde - tô morrendo de saudade da comida de vocês.
- Mas o cozinheiro do dia foi o Páris - Heitor fala vindo em minha direção.
- Verdade? - ele finge susto - nem parece aquele bebezinho que chorava pra não trabalhar – ele pisca um olho e senta na mesa.
Nos servimos e eles continuam conversando, até que:
- E as coisas por aqui mudaram muito nesse ano? - pergunta João Pedro.
- Nada cara, tudo do mesmo jeito - Heitor responde.
- Vamos dar uma volta por aí amanhã? Pra tu me mostrar as coisas, tomar umas, namorar um pouquinho...
- Amanhã eu não posso, os amigos do Páris vão acampar e eu fiquei de ir com eles pra ajudar.
- Acampar? - O João Pedro fica animado - Cara, que legal, eu posso ir junto? Eu ajudo a cuidar da pivetada, organizo jogos, brincadeiras. Quer dizer, se não tiver problemas!
Heitor me olha, eu baixo a cabeça e me concentro na comida. Não quero compactuar com isso, senão sobra pra mim.
- Acho que não tem problema, a turma é legal, acho que eles não vão se incomodar - ele falou.
Conheço alguém que vai ficar bem incomodado. Espero que essas férias sirvam para relaxar dos problemas e não trazer mais.
À noite, arrumamos nossas mochilas para não dar trabalho no dia seguinte. Heitor vai conversar com João Pedro na casa dele, eu prefiro ficar no quarto ouvindo música. O celular vibra, é uma mensagem do Lucas.
"Acordado?"
"👍" - eu respondo.
"Tô ansioso, acho que ñ vou dormir direito 😁".
"Vai dar td certo, rlx".
"É meu 1 acampamento".
"Meu também, e eu ñ tô nervoso" - eu estava bastante, mandei a mensagem apenas para acalmá-lo.
"Se eu perder a hora vcs me esperam".
"Ñ coloca o cel no silencioso, eu te ligo".
"Vlw, tenho uma coisa pra ti".
"O q é?".
"Amanhã te dou".
"Tá, mais diz o que é".
"Ñ, vai estragar a surpresa".
"Se ñ disser ñ vou ligar pra ti acordar".
"Liga sim, tu sabe que ñ será a mesma coisa se eu ñ for".
É verdade, nesses seis meses que estudamos juntos nos aproximamos muito. As coisas não são as mesmas se ele não está por perto. Posso dizer que ele é meu melhor amigo.
Estou quase dormindo quando o celular vibra novamente. Deve ser o Lucas para me mostrar o que ele vai me dar amanhã. Mas não. É o Élio. Abro a mensagem e leio.
"Lobinho, só de imaginar que vou passar o fim de semana ao seu lado, já fico inebriado de felicidade. Ansioso para te ter novamente em meus braços. Você é o meu mundo. Eu te amo."
Coloco o celular para carregar e vou dormir com um sorriso no rosto.
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O Renascer De Páris
Romance➡️ Sinopse: Páris é um garoto de 15 anos cheios de problemas e traumas. Ele já tinha passado por tanto sofrimento que nem ao menos vivia, apenas se deixava levar de um sofrimento a outro. Mas o ingresso no ensino médio de uma nova escola...