NÃO OLHE PARA TRÁS

106 9 0
                                    

Ela digitou o número com velocidade, estava assustada e confusa. Em 56 anos morando naquela casa, ninguém havia entrado em seu quintal sem sua permissão daquela forma. O homem ainda a encarava pela janela do lado de fora enquanto a senhora, preocupada, respirava ofegante até a polícia atendê-la. Ela pediu por ajuda urgente, estava com medo daquele desconhecido que parecia penetrar sua alma.

Tinha um estranho no seu quintal, mas ela não conseguia enxergar seu rosto e ele não se movia enquanto ela buscava entender o que estava acontecendo. Já tinha pedido para seu filho concertar a lâmpada externa várias vezes, mas há alguns meses que ele não a visitava. Dona Dora ainda olhava o estranho que quando passou seu endereço para a atendente da delegacia que ficava a poucos quarteirões da sua casa. A mão enrugada tremia quando ela desligou a ligação. Mas, quando o carro da polícia chegou, era tarde demais.

A policial bateria palmas antes de entrar na casa se não tivesse notado que o portão de ferro enferrujado estava aberto. A mulher apressou até o quintal, preocupando-se com a moradora. Não se via ninguém ali. A porta da casa também já estava aberta quando ela se aproximou e, cautelosamente, entrou. Encarou a janela na qual a senhora de cabelos crespos estava sentada em frente, imóvel, e depois pediu que Roberto, seu parceiro, ficasse atento com um gesto.

A policial cumprimentou a senhora, mas ela não se moveu em nenhum instante. Aproximou-se do corpo negro bem agasalhado com um manto branco como leite sentado sobre a cadeira de rodas no escuro e avisou que as duas portas da casa estavam abertas, mas não teve resposta.

Só notou, de fato, que não existia mais vida naquele corpo judiado pelo tempo quando ficou diante dela e moveu sua cadeira, apontando a lanterna para a idosa. Deu dois passos para trás assustada. Com o rosto contorcido em uma feição aterrorizante, a boca da morta estava aberta de deixava um líquido branco cair. Já há dez anos Camila trabalhava na polícia, mas nunca tinha visto algo tão medonho como naquele dia. Praguejou e se certificou da morte antes de ligar para sua central, mesmo que os olhos brancos arregalados já deixassem claro que toda a vitalidade havia partido antes que chegassem.

Olhou pela janela o local onde a senhora olhava antes de ser virada, no quintal e, junto com seu parceiro, ela começou a investigar o local antes da perícia chegar. Nada dava indícios de que alguém estivera ali fora.

Com suas lanternas, buscaram por todos os locais do quintal e se separaram pela casa. Enquanto seu amigo ainda olhava a o jardim atrás da casa, ela encontrou as pegadas. Eram muito maiores do que a da senhora e isso fez a mulher fardada ter certeza de que um homem estivera ali.

Os pés estavam de barro e mancharam o tapete laranja do chão da sala, atrás da senhora, dentro da casa. O homem que dona Dora pensou estar no quintal estava, na verdade, atrás dela o tempo inteiro. A policial se colocou de pé e deu alguns passos para frente, apontou sua lanterna para a janela mais uma vez tentando entender o que tinha acontecido e, além do assustador rosto da idosa refletido no vibro, existia algo mais.

Logo atrás de seu ombro esquerdo, a silhueta de um homem apareceu, fazendo seu coração acelerar e sua boca secar. Cautelosamente, ela ousou olhar para trás.

Triste erro, seu rosto nunca mais foi o mesmo.

Motivos para ter medo do escuro - microcontosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora