– É claro que aceitamos. – disse Wesley comovido – Vamos ajudá-la com certeza. Eu não gostei de sua madrasta desde o momento que a vi. Sempre me pareceu que ela escondia alguma coisa – E fechou o punho esmurrando o tronco da mangueira.

– Acho que devemos conhecer toda a história antes – disse Thomas, precavido – Precisamos que nos dê toda a informação que dispor sobre sua madrasta, para não tenhamos surpresas no momento em que a confrontarmos.

– Tudo bem! – respondeu Mariah descendo a cesta de alimentos e servindo os colegas – Vou contar minha história enquanto comemos.

Nasci e cresci nessa propriedade, em meio aos peões e colonos. Mamãe, quando estava boa, costumava me levar para o bosque e me mostrar às maravilhas da natureza. Caçávamos besouros e rainhas em formigueiros, enquanto meu pai comandava os colonos e distribuía serviços aos encarregados. Tínhamos uma vida feliz, apesar da saúde frágil de mamãe que a obrigava a passar boa parte do tempo hospitalizada. Essa fase durou até uns dois anos atrás, quando um circo chegou à cidade. Meu pai possui um terreno perto da praça e, a pedido do prefeito, acabou por cedê-lo para as instalações do espetáculo. Em troca de sua generosidade, ganhamos ingressos para o show e tivemos licença para conhecer os artistas no camarim. Eu estava animadíssima. Adorava ao circo e sempre que um passava pela cidade insistia com meus pais para assistir as apresentações.

Na data marcada fomos ao espetáculo e conferimos a qualidade dos artistas. O circo era fantástico: malabaristas, dançarinos, globo da morte, trapezistas e os palhaços foram incríveis, mas um fato em particular me chamou a atenção; ao invés de um mágico como é de costume, o circo possuía uma maga, uma bela maga vestida de negro. Ela fez alguns truques e mágicas simples e depois convidou alguém da plateia para participar do próximo número. Meu pai foi o escolhido. Ela o deitou numa prancha e depois de citar uma canção, o palco escureceu e ele começou a levitar, como que suspenso por cordas invisíveis. Todos aplaudiram e a mulher agradeceu fazendo uma reverência. Porém quando meu pai retornou, percebi que algo de estranho havia acontecido com ele. Seu olhar estava meio perdido, como que hipnotizado, minha mãe também percebeu e perguntou se estava tudo bem, mas como ele confirmou e logo voltou ao normal, deixamos de pensar nisso.

Após o espetáculo fomos convidados pelo dono do circo para conhecermos os artistas nos camarins e novamente, ao ver a maga negra, meu pai ficou estranho, como que hipnotizado. A mulher, no entanto, tratou cordialmente a todos e ao ver minha mãe, sorriu de uma forma misteriosa. Mamãe retribuiu o sorriso e por um momento, ficou um clima de tensão no ar, mas logo ela desviou o olhar e foi cumprimentar os outros membros da equipe. Papai, no entanto, continuava a conversar com a mulher, o que me deixou intrigada e, após alguns minutos, anunciou que convidara a maga negra e todos os demais integrantes do circo a passar um final de semana na fazenda. Aquilo me surpreendeu, mas pareceu surpreender ainda mais minha mãe. A maga negra sorriu levantando os sobrolhos como que surpresa enquanto os outros membros aplaudiam e agradeciam papai pelo convite.

Foram dias divertidos junto aos artistas. Dancei, cantei, saltei e brinquei com os palhaços. Papai fez festa todos os dias e banquetes todas as noites. Os artistas cantavam, faziam malabarismos e piruetas, e contavam histórias junto à fogueira. Na segunda-feira agradeceram meu pai pela hospitalidade e arrumaram as coisas para partir. A maga, no entanto, anunciou que ficaria conosco mais um tempo, para auxiliar mamãe no tratamento. Aquilo me surpreendeu. Não sabia que a mulher possuía dons de cura e por um momento fiquei feliz, pois achava que sob os cuidados de uma maga, mamãe logo ficaria boa. Os outros artistas estranharam a decisão, mas ela explicou que papai lhe pagaria um bom salário e que mamãe precisava de seus cuidados e ela não lhos poderia negar.

Nas primeiras semanas sob os cuidados da mulher mamãe pareceu melhorar, mas nos últimos meses arruinou rapidamente, vindo a falecer em seguida. Aquilo foi um golpe para mim. Adorava minha mãe e não conseguia imaginar o mundo sem ela. O pior foi que papai pareceu não se importar muito, apenas esperou passar o luto e anunciou o noivado com a bruxa, insistindo que era preciso eleger outra senhora para cuidar da casa. Em poucas semanas estavam casados e minha vida transformada em um inferno.

Quando terminou o relato seus olhos estavam embriagados e avermelhados, suas mãos tremiam e fazia um esforço terrível para não chorar.

– Vocês precisam me ajudar. Tenho certeza que foi aquela bruxa que assassinou minha mãe. Ela sempre teve uma saúde frágil, mas ainda viveria muitos anos se essa mulher não tivesse entrado em nossas vidas.

Wesley estava emocionado. Abraçou Mariah e lhe afagou os cabelos carinhosamente. A moça não segurou mais a emoção e caiu em prantos, abraçada com o amigo.

– Deixe estar querida. Vamos fazer com que ela se arrependa de tudo que fez você passar. Devolveremos em dobro seu sofrimento. Juro-lhe. Deixe estar – frisou no final.

Thomas que acompanhara tudo sem demonstrar emoção, levantou-se e começou a recolher as coisas e arriar os cavalos para partirem. Wesley libertou Mariah e encarou o primo aguardando a sentença.

– Uma necromante – disse Thomas enquanto montava – e da pior espécie. São bruxas como ela que difamam e envergonham nossa classe. Vamos continuar que logo vai anoitecer. Amanhã cuidaremos da madrasta.

O restante do passeio durou até o crepúsculo e percorreram quase toda a propriedade; visitaram as plantações de milho e soja, passaram pelos currais e granjas de corte, pelos bosques e pelo vilarejo dos colonos que acenavam e sorriam para a filha do patrão. Voltaram com o a lua a despontar no céu. Mariah os acompanhou aos seus aposentos e se retirou para ajudar no jantar e preparar a mesa. Thomas aproveitou o tempo sozinho para arrumar sua mochila e tomar banho, enquanto em seu quarto Wesley tirava um cochilo para descansar.

Algumas horas depois Mariah veio chamá-los para o jantar. Estava usando um vestido branco e tinha os cabelos amarrados com uma fita prateada. Levou-os pelos corredores até a grande sala de jantar, onde a madrasta e o pai da moça já estavam sentados. Ele cumprimentou os rapazes e lhes indicou seus lugares à mesa, depois olhou para a esposa que confirmou com um sorriso. Era de meia idade, aparentando mais de cinquenta anos, e apesar do sorriso no rosto, demonstrava certa insegurança ao tomar decisões.

Comeram e beberam tranquilamente enquanto o Sr. Abraão, pai de Mariah, tentava manter uma conversa agradável lhes perguntando sobre suas famílias e formação escolar, sempre orgulhoso ao citar que a filha estava indo muito bem na faculdade e logo seria uma cirurgiã de sucesso.

Wesley sorriu surpreso. Não sabia que Mariah fazia medicina e quis se aprofundar no assunto, mas a moça logo mudou o rumo da conversa, comentando sobre a situação dos colonos que moravam na propriedade.

O restante do jantar transcorreu sem tranquilamente. Thomas falara pouco e fora o primeiro a pedir licença para se retirar, levantando-se da mesa. Wesley, que terminava o segundo prato, estranhou os modos do primo, mas decidiu acompanha-lo e ir se deitar também.

– Tranque a porta – disse Thomas para o primo se despedindo no fim do corredor – e durma com um olho aberto.

Wesley assentiu com a cabeça e entrou em seu quarto, trancando a porta em seguida. O Necromante seguiu mais a frente e se trancou também, com a mente voltada para os acontecimentos que veriam a seguir.

Amanhã será o grande dia, pensou, e se deitou, adormecendo em seguida.

A Busca pela Árvore da Vida (em revisão)Where stories live. Discover now