Gata & Rato

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— Você sabe que eu gosto de você.

Ela o fitava com olhos lascivos, ouvindo tudo com a atenção desmedida que pessoas dedicam a outras quando estão interessadas em mais do que conversa.

— Gosta? – e por "gosta?" ela queria dizer "Mostre-me o quanto".
— Claro que gosto. Eu já disse que gosto. Não disse?
— Não sei. Disse? – e com isso ela queria dizer “Quero te ouvir repetir”.
— Disse. Disse, sim.
— Se você diz… – e por “Se você diz…” ela queria dizer “Seja mais enfático”.
— Digo: disse.
— Então você diz que disse. – com isso ela queria dizer que ele poderia fazer bem melhor.
— Digo. E, se não disse, acabei de dizer. E digo de novo: eu gosto de você.
— Hm.

Esse “hm” não era um “hm” qualquer. Era um “hm” feminino. E “hm”’s femininos, como muitos outros grunhidos das mulheres, estão em uma categoria totalmente diferente de “hm”’s masculinos. Homens fazem “hm” simplesmente por preguiça de dizer “prossiga” ou para sinalizar que entenderam. Mulheres fazem “hm” por milhares de outras razões. Poder-se-ia escrever toda uma tese sobre o que esse “hm” queria dizer, mas seria dupla perda de tempo. Primeiro porque jamais chegaríamos a qualquer conclusão. Segundo porque perderíamos a sequência do diálogo. Diremos apenas que o “hm” foi sugestivo e, por “sugestivo”, depreenda o leitor o que quiser.

— Você é inteligente.
— Sou? – e com isso, mais uma vez, ela pedia a ele para se empenhar mais no que dizia.
— É. Inteligente. Muito, muito inteligente.
— Hmmm… – esse foi mais longo, quase um ronronar. Com isso ela demonstrou clara satisfação.
— E nós nos damos bem.
— Eu também acho. – leia-se: “Mas podemos nos dar melhor”.
— Nos damos muito bem.
— Concordo. – e por “Concordo” entenda-se “Estamos chegando onde eu quero”.
— Não tem como a gente se dar melhor que isso.
— Aí eu já discordo. – e com isso ela quer dizer “Cale a boca e eu te mostro”.

Ela fechava o cerco.

— Então. A gente se dá muito, muito bem.
— Um-hum. – e com isso ela quer dizer “Se você não fizer nada agora, eu faço”.
— Temos assunto em comum.
— Temos. – essa resposta seca significando “Se eu quisesse ver rodeios, ia pra Barretos.”
— Conversa pra horas a fio…
— É. – ou seja, “Cala a boca e beija logo!”.
— E você… bom, você é muito legal. Você sabe que eu te acho muito legal, não sabe?
— Acha? – e por “acha” ela quer dizer “Posso ser bem mais legal que isso”.
— Claro que acho. Eu acabei de dizer que acho.
— É. – e ela quer dizer “Vou te mostrar o quando eu sei ser legal…”
— Então.
— Então. – ela se aproxima, querendo dizer “Finalmente”.
— Eu te disse tudo isso porque eu queria… bom… eu queria te dizer uma coisa importante.
— Diz. – ela responde, num sussurro, e por “diz” ela quer dizer “Vai comer ou quer que embrulhe?”.
— Com tudo isso que a gente tem, que dá tão certo e tal…
— Hm. – Esse foi um raro “hm” definível, um gemido de antecipação.
— Ainda acho importante frisar que acho que nossa relação deve ser não carnal.
— Não carnal? – e com isso ela quer dizer “Mas… hein?”.
— Sim. E por “não carnal” eu quero dizer: TIRA A MÃO DA MINHA BUNDA, CARALHO!

Utopia DilucularDonde viven las historias. Descúbrelo ahora