-- Você nos salvou – foi só o que Takako conseguiu balbuciar. Seu coração batia tão rápido que achou possível ter um ataque de taquicardia.

-- Akumi foi atrás de Mikoto. Temos que ir ajudá-la – Ame, vindo logo atrás de Sayuri, apontava para onde a raposa seguira. Takako olhou para o ofuda pensativa.

-- Acho que tive uma ideia. Ame, você conhece bem este lugar, não é? Preciso que me mostre algo.

*

Akumi estava nos calcanhares de Mikoto e Haku, mas parecia não os pegar de propósito, como um gato brincando com os ratos antes de matá-los. Os dois se abaixaram atrás de uma alta estante, cansados e ofegantes, e sabiam que não teriam mais do que alguns segundos de descanso.

-- Acho que posso contra ela – Mikoto apertou a naginata – Mas preciso de uma distração.

-- Isso é fácil de conseguir.

Conforme o previsto, em menos de um minuto, Akumi alcançou o esconderijo atrás da estante. Mas diferente do que ela esperava, suas duas presas não tinham fugido. Mikoto estava recostada na parede, tentando parecer o mais tranquila possível.

-- Resolveu se render, minha querida? – Akumi falou suavemente – Isso acaba com a diversão, mas acelera os planos. Quando tiver nos reestabelecido, poderei ter todos os humanos que eu quiser, e suas energias também. Agora vamos, Mikoto, ainda há muito trabalho a ser...

Um rangido às suas costas a interrompeu. Ela olhou para trás e conseguiu sair dali a tempo, e a estante desabou com um estrondo que chegou a suplantar os ruídos das outras máquinas.

Mikoto desceu a naginata contra Akumi, mas ela pulou para o lado, agarrou o cabo da arma com uma cauda e a puxou com uma força sobrenatural. A jovem não largou, então seus pés deixaram o chão, ela percorreu um arco acima de Akumi e bateu de costas no chão dolorosamente.

Com a queda, suas mãos soltaram a naginata, e Akumi a jogou para longe. Voltou-se para Mikoto, que sem ar pelo choque em suas costas, tentava desajeitadamente se erguer.

Haku saltou a estante caída e avançou contra a nogitsune. Akumi rosnou para ele e abriu todas as caudas, e de cada uma brotou uma bola de fogo que voou na direção do rapaz como flechas.

Enquanto Haku mergulhava e rolava no chão para se desviar dos ataques, Mikoto conseguiu sentar e olhava ao redor à procura da naginata. Ela jazia a alguns metros, junto à parede, mas a menina não podia pegá-la, Akumi acabara de encurralar Haku contra uma roda de madeira em movimento, semelhante às dos antigos moinhos, e criava agora uma bola de fogo do tamanho dele.

Sem a naginata ou um ofuda à mão, Mikoto simplesmente pulou em cima de Akumi, cobriu seus olhos com uma mão, e com a outra, puxou suas orelhas com toda a força. A raposa ganiu e se contorceu, e o fogo laranja desapareceu como uma lâmpada que se apaga.

Uma das caudas se enrolou no braço de Mikoto e a puxou, derrubando-a do lombo da nogitsune, que agora a mirava com ódio.

-- Chega.

A dor de perfuração em seu cérebro voltou, e Mikoto não pôde mais se sustentar em pé. Haku estava na mesma situação, contorcendo-se em agonia. Akumi se sacudiu elegantemente para rearrumar os pelos.

-- Chega de perder tempo. Foi divertido, vocês realmente são ativos da melhor qualidade, mas é hora de te consertar.

Um estrondo altíssimo estremeceu o chão, e Akumi por pouco não se desequilibrou. Ela ergueu a cabeça e farejou o ar, e tossiu com força quando o odor familiar de óleo queimado invadiu suas narinas.

-- O estoque de óleo! – ela gritou e correu para o outro lado do salão.

Livre da dor, Mikoto apressou-se em recuperar a naginata, e Haku procurava confuso por Akumi.

-- Aonde ela foi?

-- Deve ter sido uma emergência bem grave para fazê-la nos esquecer – Mikoto tossiu – Mas que cheiro...

Outra explosão. O odor de óleo queimado se intensificou e uma fumaça escura preencheu o recinto. Haku cobriu o nariz.

-- Devem ser os outros!

Os dois seguiram na direção de onde o último estrondo viera, e encontraram Ame, Yukio, Takako e Sayuri se defendendo de Akumi, que lançava suas caudas sobre eles como chicotes, e Sayuri conjurava barreiras para contê-las.

Mikoto estranhou. Por que a nogitsune não usava fogo ou raios como fizera poucos instantes atrás? E Takako estava com o kami do raio na mão, por que não usá-lo também? Era como se estivessem se contendo.

Logo ela entendeu a razão; estavam do lado da incubadora, e o chão estava inundado de óleo. Evitavam usar o que pudesse incendiá-lo para não se machucar, ou no caso de Akumi, para não arriscar danificar sua máquina.

Haku avençou contra a raposa. Akumi o derrubou com um movimento da cauda e criou uma bola de fogo. Ele não estava perto do óleo, então ela podia queimá-lo tranquilamente.

A bola de fogo cresceu e transformou-se numa numa onda laranja flamejante que voou contra o rapaz. Mikoto correu para a frente dele, mesmo apenas com a naginata em mãos, e fechou os olhos para a parede ardente que vinha em sua direção. Os últimos sons que ouviria seriam os gritos de horror dos outros.

Mas não veio nenhuma dor, o calor intenso ainda a cercava, mas não a queimou.

Mikoto abriu os olhos a tempo de ver as chamas se abrirem como um rio que se divide, envolvendo ela e Haku, antes de desaparecer.

Akumi estava tão surpresa quanto a menina, mas o espanto durou pouco, pois intantes depois um tiro cortou o ar, e a raposa gritou de dor.

Todos olharam para Yukio, mas não fora ele o autor do disparo, não com o risco de alguma faísca acender o óleo em que ele pisava. O focinho de Akumi estava voltado para outro lado, e o olhar de Mikoto seguiu o dela até parar em Yasha, ainda com a arma estendida. A nogitsune rosnou com mais raiva.

-- Sua maldita...

Outro tiro as interrompeu. Akumi cambaleou para o lado, agora sangue pingava de suas costelas e formava uma pequena, porém crescente poça abaixo dela. Yasha se aproximou, seu rosto era uma perfeita máscara de tranquilidade, mesclada com um quê de superioridade que brilhava em seus olhos.

Ela devia estar muito embebida com a vitória para não perceber que o sangue de Akumi parara de pingar e ela voltara a se firmar. Mikoto gritou ao ver suas intenções, mas era tarde. Akumi avançou na jugular de Yasha, que soltou um grito de desespero estrangulado ao ir de encontro ao chão.

Takako correu até elas e exclamou em disparada uma oração repelente que empurrou a raposa de cima da mulher, para então usar o kami de raio.

A cauda de Akumi absorveu a descarga elétrica e a lançou de volta. Takako jogou-se para fora do alcance e a nogitsune concentrou o próximo ataque em Sayuri.

Mikoto agiu por impulso, lançando-se na direção de Akumi, e quando percebeu, a lâmina da naginata perfurava o corpo da raposa.

O Conto da Donzela do SantuárioWhere stories live. Discover now