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-- Como assim nos reencontramos? – Mikoto deu um passo para trás. Akumi voltou-se para a porta de onde viera.

-- Há quinze anos, eu perdi minha criação mais importante. Ela tinha a missão de devolver o mundo para nós.

A menina precisou suprimir e silenciar o turbilhão de emoções de dor e desgosto por confirmar seu maior receio para continuar a seguir a mulher. As duas passaram para outra sala, muito maior, ocupada por um estranho maquinário, tecnológico, mas ainda assim antigo, como máquinas a vapor. Aquilo era claramente uma instalação de pesquisa.

-- O que significa essa missão? Por que você quer destruir o mundo humano? – Mikoto não conteve a pergunta. Akumi virou-se para ela.

-- Destruir? Não desejo destruir nada, não faria sentido, afinal era minha casa, e é para onde pretendo voltar. Foi para isso que criei você.

-- O quê?

-- Vamos voltar para o começo, algumas centenas de anos atrás, quando aquele clã baniu todos nós para cá, este lugar sem luz do sol, completamente vazio e fechado por fora. Do que adianta a longevidade ou imortalidade dos youkai se estão presos aqui? – a mulher voltou a andar.

Mikoto reparou que havia uma abertura atrás do manto de Akumi, por onde saíam três caudas peludas avermelhadas.

-- Você é uma kitsune!

-- Só percebeu agora? Está mais desinformada do que pensei, por ter sido criada por humanos. Aqui só há youkai – a mulher retirou o manto e revelou que na verdade eram oito caudas – E eu sou o que os humanos chamam nogitsune.

Ela admitia ser uma raposa maligna, mas não era isso que mais importava para Mikoto no momento.

-- Então como eu nasci aqui se não há nenhum humano? Yasha disse que éramos da mesma família...

-- Por aqui – Akumi prosseguiu. Ela andava tranquilamente naquele labirinto de aparelhos enormes e barulhentos que Mikoto até temia saber para que serviam – Como você pode ver, nós desenvolvemos uma tecnologia própria, sustentada por nossa magia. Tivemos todo o tempo do mundo para aperfeiçoar nossa criação mais brilhante.

Ela parou diante de uma máquina semelhante aos primeiros computadores criados, do tipo que ocupava uma sala inteira. Ligada a ela, havia uma sequência de três tubos de vidro, grandes o bastante para comportar uma pessoa. Ao vê-los, Mikoto só pôde pensar em cápsulas criogênicas de filmes de ficção científica.

-- O motivo para a criação desta máquina foi o portão que sela a fronteira entre nosso mundo e o humano. Aquela barreira foi criada pelo poder sagrado de uma miko, e somente pelo poder de uma pode ser desfeita. Como não havia a menor possibilidade de alguém de fora nos ajudar, resolvemos que precisávamos fazer nossa miko.

Aquelas palavras causaram um desconforto terrível em Mikoto, e ela começou a tremer. Alheia a isso, Akumi prosseguiu.

-- Eu levei anos desenvolvendo a tecnologia da incubadora, que criaria uma miko que abriria novamente as portas do mundo para nós. Quando enfim nasceu a primeira criança viável após sucessivas tentativas e erros, ela se provou... – Akumi procurou a palavra certa – Decepcionante.

"De fato era uma criança humana, mas estava longe de ser o que precisávamos, porque tinha uma alma de youkai. Tinha os poderes que alguns de nós possuem, a habilidade de persuadir youkai de menor nível a obedecê-la, e transportá-los para o outro lado da barreira, uma habilidade que ainda usaríamos a nosso favor, mas ainda não era capaz de abrir o caminho.

"Apesar de não ser o que queríamos, nós a criamos para ser nossa Onihime, a emissária que derrotaria os humanos para preparar o mundo para nosso retorno. Porém, mais algum tempo de trabalho se passou, e enfim nosso desejo se concretizou, uma criança humana dotada de poderes sagrados. Seu nascimento foi o nosso maior triunfo, Mikoto".

O Conto da Donzela do SantuárioOnde histórias criam vida. Descubra agora