p r i m e i r o

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Em meia dúzia de longos tragos consegui acabar um cigarro. Será que isto é um recorde?

Tinha a plena noção de que estava atrasado para o funeral do meu querido e adorado pai. Tinha também a noção que as minhas skinny jeans pretas rasgadas nos joelhos e a minha t-shirt dos Misfits não eram o vestuário mais apropriado para um funeral de uma pessoa tão importante para a cidade como o meu progenitor.

Oh, e também tinha a noção que não seria realmente sensato chegar ao funeral de skate.

Mas também tinha a noção que não queria saber.

Estava mais de meia hora atrasado, portanto segui logo para o cemitério sem sequer me incomodar em parar por casa para trocar a t-shirt amarrotada que vestia por outra mais própria para a ocasião. Era Outono e as folhas caíam das árvores graciosamente ao sabor do vento, enchendo os passeios e as estradas de tonalidades laranjas, acastanhadas e vermelhas. Gostava de pisar as folhas secas e ouvir o barulho destas quando eram esmagadas pelos meus ténis. Era um vício que tinha desde pequeno e, aos 18 anos, ainda o repetia.

Ultrapassei carros, bicicletas e motas. Era a parte boa de me movimentar com a ajuda do skate, conseguia evitar qualquer tipo de trânsito nos lugares mais movimentados da cidade e também não pagava estacionamento.

Saltei do skate assim que avistei os portões do cemitério ao longe. O segurança que se encontrava a guardar a entrada lançou-me um olhar, mas não lhe liguei e dirigi-me a passos rápidos para o interior do cemitério. Já conseguia ouvir os guinchos e o choro insuportável, mas só quando cheguei perto do local onde o funeral ocorria é que percebi que a situação era muito pior do que eu imaginava. Estava uns 10 metros afastado da cena, escondido entre as robustas árvores daquele local a observar aquele espetáculo. O funeral passava-se numa clareira e as roupas pretas das pessoas em volta do caixão constratavam com as tonalidades alegres e neutras daquela altura do ano. Todas as pessoas ali perto choravam histericamente, mas o choro de todas era falso. Tão falso que se tornava quase hilariante.
Uma dessas pessoas, a que chorava mais alto e que tinha o cabelo mais loiro, mais sedoso e mais esticado era a minha mãe. Vi que esta enterrava o seu rosto num lenço com detalhes florais que custara provavelmente 3 salários mínimos ao meu pai e que ela só naquele dia tinha tirado da gaveta para causar boa impressão às amigas e para celebrar a morte do seu marido à grande.

O caixão preto reluzente já estava fechado e já se encontrava pousado na relva aparada, pronto a ser levado para debaixo da terra. Amaldicoei-me por não ter chegado mais cedo; gostava de ter visto o meu pai dentro do caixão. Valeria a pena vê-lo onde ele finalmente pertencia: bem longe de mim e debaixo do chão que eu pisava.

Pensei em ir embora para casa ver televisão, mas aquele espetáculo era ridículo e absolutamente hilariante e, assim, valia a pena divertir-me a observar ao longe. Acendi o último cigarro do pacote amarrotado que tinha no bolso de trás das calças e levei-o rapidamente aos lábios, numa ânsia de fazer o fumo passar pelos meus pulmões.

Senti a presença de Amnesia muito antes de ela se mover ao meu lado, pisando as folhas e causando o ruído que captou a minha atenção. A nossa relação tão próxima e o sangue ligavam-nos dessa forma. Não éramos os típicos irmãos gémeos que liam os pensamentos um do outro, mas podíamos ser apontados como tal se não fosse a nossa diferença de idades.

Os 16 anos de Amnesia não lhe davam aparência de criança. Muito pelo contrário, com apenas 16 a minha irmã era mais matura e mais atraente do que a maior parte das raparigas da minha idade. O seu cabelo azul recém pintado ondulava ao sabor do vento e aquele vestido preto e justo não ajudava mesmo nada a que eu me lembrasse que ela era apenas a minha irmã mais nova. Os pensamentos doentes povoavam a minha cabeça sempre que a observava mais tempo do que devia, portanto ocupei a minha atenção no cigarro e tentei ignorar a sua presença. Porém, isso era completamente impossível. Quando a minha irmã entrava numa sala, todos os olhares se dirigiam para ela. Incluindo o meu olhar.

[editing] for the love of my brother ¦ LUKE HEMMINGS ¦Where stories live. Discover now