CAPÍTULO VI - Sr. GERALDO

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Depois da reunião na casa do Joseph, subo na garupa da moto do Élio e me seguro no apoio. Saímos enquanto ainda ouço um grito de D. Margarida pedindo para tomar cuidado. Ele vai numa velocidade razoável, porém em um semáforo freia bruscamente fazendo meu corpo ir de encontro ao dele. Perco o equilíbrio e me seguro na lateral de sua cintura. Ele olha pra mim sobre o ombro e por sob o capacete e ri.

- Pode segurar mais forte - ele diz enquanto pega minhas mãos e entrelaça na sua cintura. - Não quero perder você em um acidente.

Sinto seu corpo por sobre a roupa e o aperto. Um calor me invade e eu não sei se vem de mim, dele ou da sua jaqueta de couro. Seu perfume cítrico me inebria e mistura minhas emoções e meus sentimentos. Não sei o que pensar, não sei como agir, só sei que não quero mais sair daqui.

Chegamos em casa. Ao descer da moto, eu o agradeço. Ele também desce e se encosta nela.

- Fiquei sabendo hoje do lance de parceria da escola - falo pra quebrar o gelo. - Você tentou me avisar que não ia para a aula hoje?

- Não deu pra avisar, todos os pombos-correios lá de casa estavam ocupados. - ele responde me encarando. - Mas não se preocupe, é apenas uma falta. Teve alguma coisa interessante na aula de hoje?

- Só um jogo na aula de Educação Física, uma tal de queimada.

- Que massa, adoro queimada. Você sabe jogar? - Ele pergunta rindo.

- Não. - respondo rindo também percebendo o quanto isso é ridículo. - Você disse que tinha uma proposta pra mim fazer...

- É verdade - e só então ele para de me encarar.

O celular dele toca, ele atende, finjo não querer ouvir a conversa.

- Sim - ele responde ao telefone. - Tudo bem! Tô aqui na casa dele. E, por incrível que pareça, não é uma caverna. Té amanhã. Falou.

Ele ri quando reviro os olhos e balanço a cabeça.

- Era o Japonês - ele fala guardando o celular - Verificando se havíamos chegado em casa.

- A proposta - ele continua - É que eu preciso da sua ajuda, passei esses dias observando você e vi que é inteligente e esforçado. Queria que você me ajudasse a passar de ano.

- Como? - pergunto incrédulo.

- Eu estudava em uma escola particular, mas repeti dois anos. Então meus pais disseram que não vão mais gastar dinheiro comigo. Para piorar, eles cortaram minha mesada, a moto e as festas. É como se eu estivesse preso dentro da minha própria casa.

Ele para de falar e eu fico olhando para ele, não sei o que parece mais absurdo; ele ter reprovado dois anos, ele ainda receber mesada, ou ele precisar de ajuda para estudar. Aquilo era tão surreal para mim. Desvio o olhar e fico pensando.

- Ah! eu estou de moto hoje por que jurei que era para um trabalho da escola. - ele apressa-se em explicar.

- Quantos anos você tem? - pergunto intrigado.

- Dezessete - ele volta a me encarar. - Se me ajudar a passar de ano, vou poder ter tudo de volta. E serei muito grato. E você pode cobrar um pagamento, se quiser.

Percebo o desespero dele em recuperar sua vida de playboy, penso que seria uma oportunidade de estudar também, e minha mãe iria gostar se eu tivesse um amigo.

- Tudo bem, eu aceito. Mas não quero pagamento em dinheiro e sim um favor.

- Eita! Depende do favor – ele falou fazendo uma careta.

- Nada demais, você só precisa fingir para a minha mãe que é meu amigo.

- Você não tem amigos? – ele parece surpreso e assustado.

- Não! E minha mãe fica insistindo para que eu faça amizades, então você me ajuda e eu te ajudo, enquanto lhe dou aula você fingi pra ela que é meu amigo.

Ele ri e me deixa apreensivo, depois responde:

- Tá bem, combinado então!

Ele parece feliz, agradece pegando na minha mão, nos despedimos e ele vai embora. Fico olhando-o até dobrar a esquina. Definitivamente ele me intriga.

Quando entro, minha mãe está na sala.

- Novo amigo? - Pergunta ela sorridente.

- Sim - respondo sem parar de andar. Não posso deixar de perceber um sorriso dela e vou direto para o quarto.

No dia seguinte, não há aula, então resolvo ir à casa do Sr. Geraldo. Ele é um homem de aproximadamente 50 anos, baixo, barrigudo, branco e barba sempre por fazer. É no mercadinho dele onde Heitor trabalha. Apesar de ter uma cara de bravo, é muito simpático e nos trata muito bem. Creio que goste da gente, pois todo início de ano manda dois kits de material escolar, um para Heitor e um para mim.

Ele ofereceu o emprego para Heitor e insistiu para que eu também trabalhasse lá, mas quando Heitor explicou que preferia que eu estudasse, Sr. Geraldo concordou e apoiou. No Ensino Fundamental, eu fui à sua casa algumas vezes usar o computador para fazer pesquisas pra escola e é exatamente o que eu estou indo fazer agora.

Como sempre, conversamos sobre os estudos e a escola nova, e depois vou fazer a pesquisa no computador dele.

Algum tempo depois, uma das empregadas do Sr. Geraldo aparece com um copo de achocolatado e dois sanduíches. Coloca na mesa e sai sem dizer nenhuma palavra.

Concluo a pesquisa, imprimo-a e guardo na mochila. Pelo relógio do computador está quase na hora do Heitor sair do trabalho, então vou ao mercadinho esperar por ele.

Agradeço ao Sr. Geraldo que está no balcão e pergunto se Heitor vai demorar. Ele diz que "não" e pede para eu esperar. Assim que meu irmão voltasse ele estaria liberado para voltar para casa comigo. Sr. Geraldo manda eu escolher algo do mercadinho, mas prefiro sentar e esperar.

Entra um cliente no mercadinho, um senhor negro, baixo, aparenta ter uns 40 anos, acompanhado de mais dois homens altos e musculosos, um loiro e um moreno. O homem negro se dirige ao balcão e conversa com Sr. Geraldo que sai em direção ao depósito. Enquanto espera, o homem se vira e fica me olhando, isso me incomoda, abro a mochila, tiro um livro e finjo que estou lendo. O homem tira o celular do bolso, se vira e faz uma selfie. Seu Geraldo chega com um pacote e entrega para ele, ele segura e seu Geraldo tira uma foto.

Heitor aparece na porta e sorri pra mim, guardo o livro enquanto ele vai falar com Sr. Geraldo. Vejo Heitor cumprimentando o homem e logo após vem em minha direção. Mais uma vez agradeço seu Geraldo e vamos para casa.

- Você conhece aquele homem? - pergunto a Heitor a caminho de casa.

- Não. Mas ele sempre vem aí no mercadinho. Deve ser amigo do Senhor Geraldo.

Fiquei curioso com aquele homem, mas não tenho tempo para isso. Tenho muita coisa pra fazer.

 Tenho muita coisa pra fazer

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