Capítulo 3 - O médico e o monstro

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Decidi me fechar em minha cozinha, então. Nenhum dos moradores do Distrito 12 sobreviveriam aos nossos dias de adaptação à nova democracia se não se alimentassem e, ainda assim, muitos deles não sabiam caçar, o que colocava sobre meu colo - não que isso fosse, de fato, incômodo - o fardo de produzir parte da comida e ajudá-los, distribuindo pães principalmente às crianças.

O papel de Paylor, nova governante do nosso país, seria bastante decisivo naquelas primeiras semanas pós guerra. Como dividiríamos nossos, agora chamados, estados, quem produziria, quem seriam os militares, como seria nosso sistema de saúde, nossas novas leis e nossa reorganização como sociedade. Essa nova integração e participação dos Distritos fazia parte da tal democracia que Plutarch havia nos dito significar o poder emanando do povo. E o fato de estarmos agora ligados fazia com que dependêssemos um dos outros. Nada funcionava de forma setorizada mais. Havia agricultura em todos os estados, trabalhadores de minas, pescadores, etc. Obviamente cada local possuía sua vocação, mas o leque de possibilidades havia se expandido e o novo governo planejava criar um sistema único de atendimento, saúde e educação para toda Panem.

Alguns dos nossos conterrâneos, caleados por tantos anos de opressão, viam naquela nova forma de poder um autoritarismo disfarçado. Katniss, em seu cansaço mental para tantos joguetes políticos, ainda acreditava que era da natureza humana instituir formas de poder coercitivas. Plutarch havia dito isso a ela. Eu não me preocupava tanto, apesar de temer nossos velhos tempos mais uma vez. Faria meu papel, ajudaria quem precisasse ajudar e, com isso, estaria ajudando a mim mesmo, ocupando minha mente e afastando meus demônios.

~

Alguém batia na porta da frente de minha casa. Talvez Katniss estivesse arrependida por sua não-resposta e estava ali, com o rabo entre as pernas tentando proferir as duas palavrinhas mágicas. Fui até a sala e ao atender, Gale é quem se postava a minha frente, carrancudo, mas com os olhos serenos.

_Oi, Peeta.

_Ei - foi só o que pude dizer -.

_Posso entrar?

Estendi uma das mãos abrindo caminho a Gale e pedi que ele se sentasse em uma das poltronas de minha sala. Não era exatamente confortável tê-lo ali. Nunca fomos próximos. Gale não fazia parte do meu círculo de relações e nosso amor pela mesma mulher ainda dificultava essa aproximação.

_Pois bem - começou ele - Precisava muito falar com você.

_Porque não Katniss? - respondi seco -.

_Katniss não é exatamente a cabeça pensante do casal.

Sorri repuxando os lábios, meio saudosista, meio sarcástico. Gale me acompanhou, sem muito entusiasmo. A palavra casal ainda ressoava em meus tímpanos.

_Você sabe que viemos, eu e alguns companheiros, do Distrito 2 até aqui à serviço do governo, não sabe?

_Sei, sim. Plutarch nos disse.

_É sobre isso que preciso falar com você.

Gale respirou fundo parecendo se perguntar se era mesmo aconselhável falar comigo. A dúvida franzia seu cenho.

_Olha, nós não viemos aqui fazer censo nenhum. Quando decidimos pelos Jogos em nome de uma vingança contra a Capital…

_Eu não decidi isso - interrompi-o -.

_Que seja. A maioria decidiu. E sendo isso decidido, todos sabiam que haveria um preço. Acontece que um dos moradores da antiga Capital soube dessa decisão antes da hora e matou um dos nossos cidadãos a facadas e fugiu.

RefugiadosWhere stories live. Discover now