Capítulo 3 - O médico e o monstro

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Uma semana havia se passado. O colchão que anteriormente vivia estendido pela sala dos Everdeen deu lugar a um tapete bastante valioso vindo da capital. Um dos presentes de Effie, que fazia questão de que Katniss o aceitasse. Apesar de sentir um certo incômodo nos olhos dela ao receber o suntuoso agrado, Katniss não dissenão à gentileza. Aquele tipo de luxo nos lembrava a Capital. A antiga Capital, que agora era substituída por escombros e restos mortais. Mas aos poucos, sendo removidos com a ajuda das mãos de cada trabalhador de Panem e reconstruída como centro administrativo de nosso país.

Eu, por outro lado, ainda estava ali todas as noites, apesar de perder minha cama. Nada do que eu viesse a reclamar, afinal meu novo leito passara a ser ao lado de Katniss, todas as noites, guardando-a em meu abraço. Aos poucos podia sentir a camada de gelo se quebrando entre nós. Nossa recente aproximação, nosso sexo, nossos dias: tudo parecia se tornar real, de fato, à medida em que Katniss passava a sorrir para mim com mais frequência e que os telefonemas de seu médico - o tal que cuidava de sua desorientação mental– passavam a ser mais rápidos, simples e menos forçados. Ela estava melhorando de verdade. E eu também, consequentemente.

Gale havia voltado há dois dias ao Distrito 12. Uma incursão de homens do Distrito 2 havia sido chamada ali para que pudessem realizar uma espécie de censo, contando quantos moradores ainda restavam em meio a tanta destruição e quantos tinham a intenção de constituir família. A maior preocupação de nossos novos representantes seria, obviamente, povoar Panem. As mortes intermináveis, frutos de uma rebelião tão libertadora quanto sanguinária, assolara nosso contingente e ameaçava destruiu aos poucos o que sobrou. E cada vez que tal ideia inundava minha cabeça, a imagem de Katniss carregando uma criança me enchia os olhos.

_Qual é a do brilho nos olhos, hein? - perguntou-me Katniss sorrindo com a boca cheia de um pedaço do bolo de cenoura que eu havia preparado no dia anterior -.

_Nada não, só uma ideia boba.

_Peeta, suas habilidades de mentir podem ser ótimas - ela postou uma da mãos em meu ombro direito - mas, agora, não tá colando.

_Sou um ótimo mentiroso, então? Quehabilidade esplêndida - ironizei a palavra retribuindo seu sorriso -.

Katniss continuou em silêncio, firmando seus olhos em mim e em seguida cruzou os braços sobre o peito, recolhendo o afago e fechando o semblante.

_Ok, olha… você sabe que Gale está aí…

_Sim, eu sei.

_E você não vai vê-lo? - fugi do assunto. Ela abaixou o olhar, soltou os braços sobre a mesa e suspirou uma única vez -.

_Não consigo - respondeu-me -.

_Porque não?

Eu sabia exatamente o porquê. Ela nunca teria a coragem de dizer a ele que havia me escolhido. Nunca olharia em seus olhos com sinceridade e talvez nem com tanta certeza, afirmando nosso amor e esperando que ele a parabenizasse e desejasse uma vida feliz e próspera.

_Eu só não posso.

Apertei os lábios e respirei fundo, levantando-me da mesa e levando os pratos à pia.

_Peeta…

Sua voz suplicante parecia ter um tom de pedido de desculpas, mas ela, também, não seria capaz de proferir tais palavras.

Ignorei a pergunta de Katniss, retribuindo sua falta de resposta. Voltei à minha casa para passar o dia em meu ateliê. Há tempos eu não girava a maçaneta daquele cômodo, ainda cheio dos quadros retratando meus dias nos Jogos. Nada daquilo era reconfortante mais. Expôr meus medos não mais era uma terapia: eles simplesmente não conseguiam ultrapassar as barreiras de meu crânio, presos e torturando-me a cada flash que se instalava em minha memória, repentinamente. Separei todos os pincéis velhos, organizei-os em uma sacola de plástico e coloquei-os no lixo. Talvez eles estivessem ali para me caçoar e mostrar o quanto minha capacidade de me curar através da arte também havia envelhecido.

RefugiadosHikayelerin yaşadığı yer. Şimdi keşfedin