Capítulo 6 - Uma conversa consigo mesma.

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Não. Aquilo não era verdade. Não poderia ser verdade. Bem, eu tenho restrições muito bem desenhadas, consolou-se, embora soubesse que argumentar consigo mesma era inútil. Não mato cidadãos comuns, não sou uma funcionária cega. Tenho minha autonomia.

E automaticamente se lembrou de um passado remoto que ela não queria trazer de volta. Minha mãe foi morta por servir aos Eran... Ela definitivamente não ficaria orgulhosa sabendo que eu me tornei tudo o que ela morreu para não se tornar.

Loenna mordeu os próprios lábios. Acariciou o antebraço e voltou-se para a própria imagem de uma poça ao seu lado. A imagem de Gara se formou diante dos olhos da garota, e a assassina não podia deixar de notar o quanto ambas se pareciam. Os mesmos traços faciais, o mesmo cabelo cor de fogo encaracolado e os mesmos olhos cor de âmbar. Há quase quinze anos ela havia partido, e há quase quinze anos Loenna prometera vingança.

Sim. Eu prometi vingança, lembrou-se ela. Droga. Agora essa informação martelaria na sua mente por um tempo incalculável. Eu prometi vingança e me tornei apenas mais uma. Como irei vingar a minha mãe servindo àqueles que causaram sua morte?

Mas não é tão simples assim, ela se respondeu. Isso é o que eu sei fazer e ainda preciso sobreviver. Não vou acabar com o sistema sozinha. Nem ela conseguiu...

Mas isso não é justificativa para servi-lo, e cerrou os punhos ao passo que as palavras se formavam em sua mente. Eu poderia fazer qualquer outra coisa. Poderia seguir os passos de Quentin. Por que não faço?

A resposta veio tão rápido quanto a pergunta. Porque Quentin é expansivo, Loenna, deixe de ser tola. Eu sou emburrada e fechada. Além disso, nós dois sabemos que se dependesse de seu trabalho, ele morreria de fome.

Seus devaneios voltaram-se então para a imagem do irmão. Quentin é um bom rapaz. Eu o admiro, porque ele não traiu seus princípios por nem um mísero segundo. Jamais quis vingança, sempre soube que violência só gera mais violência. E ele estava certo. O que aconteceu com minha sede de vingança? Dobrou-se sobre si mesma.

Não. Loenna, ignore isso. Ela balançou a cabeça, tentando dispersar seus pensamentos nocivos. Optou então por voltar a atenção ao seu irmão; Pensar em Quentin sempre lhe trazia bons sentimentos. Eu gosto de Quentin. É um bom garoto, sensível, bem intencionado, uma joia rara... Estes são os motivos pelos quais eu o amo.

Na verdade, e sua mente lhe pregava mais uma peça. Estava trabalhando a mil, pensando em todas as coisas desagradáveis que poderia pensar. Eu estou enganando a mim mesma. Eu gosto de Quentin porque ele representa o pouco de humanidade que ainda há em mim.

Aquele pensamento fora como uma facada. Loenna o sentia ecoar dentro de sua cabeça em um looping infinito, torturando a si mesma como se seu amor por Quentin fosse nada mais que um pacto narcisista de valorização de algo que em si não existia mais.

Imediatamente, Loenna viu a imagem do irmão tomar espaço na poça de água. Ele também se parecia com ela; Era sua versão, porém mais delicada e feminina. E, então, mais um pensamento intruso voltou á sua mente:

Eu o vejo como uma extensão de mim mesma. Quentin sou eu, se fosse boa. Mesmo meu amor pelo meu irmão é narcisista.

E Loenna desferiu um segundo tapa contra si mesma.

Isso é absurdo, convenceu-se. Quentin é um ser humano incrível. Ele é meu irmão gêmeo e eu o amo como tal.

Mas será isso mesmo? Ponderou. Eu o considero minha versão pura e doce. Eu mantenho distância dele para não corrompê-lo. Porque eu não acredito que ele tenha autonomia. É isso, eu não acredito que ele tenha autonomia. E eu quero acreditar que ele seja a minha própria versão ainda não corrompida. Talvez... Talvez eu não ame Quentin. Talvez eu ame a possibilidade de que exista uma parte de mim que ainda não foi corrompida.

Loenna cerrou os punhos. Queria agredir-se até a morte. Sentia-se tão desprezível, o pior dos dejetos.

Mas porque me torturo tanto? Foi sua maneira de desviar sua mente do assunto. É a única maneira que eu tenho para sobreviver. Eu sei disso. Eu não tenho outra opção, tenho?

E sentiu um frio na barriga, acompanhada de mais um pensamento desagradável. Se eu faço o que faço, foi porque alguém me ensinou. E quem me ensinou, o fez para que eu lutasse contra o sistema. Será que... Ela teria orgulho de mim? Não. Certamente que não.

Mais uma imagem apareceu na poça de água. Desta vez, era uma moça de pele amarronzada, cabelos longos bem escuros e olhos tão pretos quanto. Loenna sentiu seu coração apertar.

Bobagem. Esqueça isso. Ela está morta, Foi tudo o que a garota conseguiu pensar. Não se pode ter uma opinião debaixo da terra.

É, está morta. E eu não fiz nada para impedir.

O coração de Loenna disparou. Não, aquele pensamento não. Ela podia lidar com o fato de que estava falhando com sua mãe, falhando com Quentin, mas considerar que estava falhando com ela...

Imediatamente balançou a cabeça e se forçou a pensar em qualquer outra coisa. Pensou em cachorrinhos, em gatinhos, em um dia quente de verão e uma flauta tocando ao fundo. Não queria mais que sua mente voltasse a lhe atormentar; Tudo aquilo era terrivelmente perturbador e ela não queria ter que lidar com os fatos agora.

Então viu a poça tremeluzir novamente e sua imagem distorcida voltou a superfície da água. Parou por alguns minutos; Nenhum pensamento desagradável. Loenna suspirou fundo, feliz por ter se livrado de sua própria consciência, e seguiu caminho ruínas adentro. Ela tinha trabalho para fazer, afinal.     

Considerações Finais: Esse foi o capítulo de hoje, pessoal. Um capítulo mais reflexivo. Espero que tenham gostado! Quarta feira tem mais. Se gostaram, deixem uma estrelinha ou um comentário que eu fico muito feliz! Abracinhos.

Caos e Sangue | COMPLETOWhere stories live. Discover now