— Eles estão se divertindo muito. — Comentou Cica amassando a argila entre as pernas avermelhadas com leveza e habilidade, lembrando se que havia muitas eras que não fazia isso com alguém além dos peixes. — Mas por que você não está feliz?
Tobias parou de amassar seu barro e olhou para Gori e Angra que brincava com Ajubá para ver quem pegava mais peixes, os dois espalhavam tanta água que se não fosse pela magica da divindade não pegariam nada. O menino limpou as mãos sujas nas calças dobradas até aos joelhos e suspirou triste.
— Eu estou feliz pela Gori estar a salvo e por finalmente terminarmos essa maluquice, e ainda estarmos vivos — O menino olhou para o céu tendo a impressão de sentir olhos felinos o encarando. — Mas é difícil ficar feliz sabendo que sou responsável pelo Saci e que se eu fizer qualquer caquinha... Nem quero pensar sobre. — Falou pegando um punhado de argila na mão e jogando-a no rio tentando extravasar. — Cica como eu posso fazer isso?
— Da mesma forma que você viajou pela Mata enfrentando Caiporas, Onças, Curupira, Urubu, a própria Mãe D'Água e outros desafios. — Ela sorriu fazendo a mente dele enevoar por alguns segundos, ele achava-a muito linda e fofa, e desviou o olhar envergonhado com esses pensamentos. — Você tem muitos talentos, mas não vê isso por que deixa os olhos fechados.
Tobias fez cara que não havia entendido.
— Pelo menos eu sei que não tenho talento em fazer vasos de barro. — Brincou jogando a lama para o lado sujando mais seu uniforme e desistindo de tentar entender o que Cica falara. — Isso parece tão fácil nos filmes.
— O problema é que você está pensando demais e tem coisas que tem que deixar a correnteza levar. — Os cabelos embranquecidos da deusa pareciam uma bandeira de paz flamulando ao vento, ela não se divertia assim há muito tempo. — Pronto.
Tobias olhou encantado para o vaso com frisos ondulares entre as pernas da indígena. Eram incríveis os detalhes que havia feito.
— Santa Capivara. — O menino olhou para o seu monte de lama sem forma e vazia em sua frente. — Quer trocar? — Pediu. — Seu vaso maravilhoso e divino pelo meu Adão em desenvolvimento?
— Por que Adão? — Cica inclinou a cabeça levemente para o lado o que fez uma explosão de fofura no coração do menino.
— Sabe, da história bíblica do primeiro homem. — Respondeu, pensando se devia avisar a indígena que tinha argila na sua bochecha, o que para ele deixava-a mais linda.
— Bíblica? Não sei do que você está falando. — A deusa não esperou resposta e entregou o vaso para menino sorrindo. — Agora vamos pedir para Angra queimar o vaso, e depois é colocar terra e plantar o bebê-Saci.
Perto do rio Gori estava ensopa e seus cabelos ruivos estavam colados no rosto como se fosse uma mascara. O cesto da menina tinha seis peixões enquanto do Ajubá só tinha dois.
— Nossa o Ajubá perdendo para Gori. — Provocou o menino mantendo uma distancia segura para que agua não atingisse o vaso de Cica.
— Nada verdade ele está ganhando. — Corrigiu a menina se aproximando. — Mas é guloso e está comendo ao invés de colocar na cesta. — Completou Angra.
— É isso aí cara. — Comemorou Ajubá-Aburé dando uma piscadela lenta. — Eu já peguei cinquenta e dois, mas agora eles estão indo para o fundo onde a água está mais fria. Não gosto de água fria.
O gato-cachorro-pato-macaco amarelo saiu do rio bocejando, sacudiu os pelos fazendo Tobias correr para longe para não se molhar e se aninhou ao lado do seu cesto com ar triunfante.
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OS GUARDIÕES DA MATA E O CAPUZ VERMELHO
FantasySinopse: Tobias sempre amou as estórias de seu avô. Ele contava como era perigoso se encontrar com o Curupira, como conseguir um favor do Saci ou como o Boto podia se transformar em homem e em mulher. Mas seu avô morreu e Tobias parou de acreditar e...