|Capítulo 10 | III

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III.

Um som molhado é a primeira coisa que eu escuto quando meus sentidos despertam. Algo como swash, splash que se repetem em meus ouvidos conforme minha consciência retorna. Eu me sinto sonolenta e com um pouco de frio.

Devagar, obrigo minhas pálpebras pesadas a se levantarem. Elas obedecem de forma dolorosa, parando só por um segundo para meus olhos se acostumarem a luz.

Eu não quero acordar, penso com preguiça.

Gostaria de voltar para o sonho onde eu abraçava Samwel dentro de um elevador e ele me dizia que ia ficar tudo bem. Seus braços estavam ao meu redor e eles estavam quentes, me protegendo de tudo. Me protegendo da vida. Mas estava muito bom para ser verdade.

Eu sei que Samwel não está aqui. Eu posso sentir sua presença quando ele está por perto e nesse momento eu me sinto muito sozinha. Vazia. Meu corpo está dormente. Há aquele formigamento característico aqui e ali, comendo minhas extremidades, parecendo pequenos insetos. Minha mente está aérea, mas vai ganhando estabilidade conforme abro os olhos e pisco preguiçosa para o mundo.

Então, eu vejo azul.

Não como tinta azul, mas como um filtro dessa cor que tinge tudo o que toca. Sendo mais específica, eu vejo as minhas pernas. Meu pescoço está inclinado para frente e minha cabeça caída porque eu peguei no sono.

Eu quase posso ouvir minhas vértebras rangendo quando me esforço para levantar a cabeça e tirar alguns fios de cabelo que tampam meu rosto. E assim que olho para cima, eu posso ver o céu. A noite está linda através desses vidros do teto. Vidros que eu reconheço da área da piscina do prédio de Samwel. Eu me lembro de admirá-los na última vez que os vi, achei incrível poder ver a lua depois de tudo aquilo.

E então eu vejo David.

Ele está logo à frente, perto da porta, na sombra de uma pilastra. Observando.

Seu vulto vacilante, também azulado, se mostra visível para mim e seria difícil para um estranho identificá-lo, mas eu consigo. Eu sei que é ele pela postura confiante e pelo vislumbre de sua pele imaculada refletindo a iluminação trêmula.

Vê-lo ali parado, olhando para mim, faz as lembranças voltarem. Eu me lembro de estar com medo. Sim, aquilo era medo. Eu me sentia amedrontada quando voltava para o elevador. Eu estava fugindo. Eu estava fugindo dele. E quando me virei, senti uma dor forte na cabeça e apaguei. Algo me atingiu. Ele me atingiu, empurrando minha cabeça em uma parede de tijolos.

Eu sei que foi ele.

Agora ele sabe que estou acordada. Seu olhar de lobo branco perfura o meu rosto, averiguando o meu estado, sondando a minha vitalidade. E em algum momento entre a minha concentração de piscar e respirar, ele decide se aproximar. Seus passos avançam em minha direção e eles não vacilam.

Todo o meu corpo responde a isso.

Eu me agito, mas meus movimentos são restringidos. Isso me surpreende. Algo segura meus braços para trás e minhas pernas para baixo. Eu estou presa a uma cadeira.

O filho da puta me amarrou a uma cadeira?

Pela textura do material, ele usou o elástico para treino que eu vi no apartamento. O ferro do assento machuca meus braços na parte de trás quando eu forço para me soltar. Mas o que é estranho é que eu mal sinto o meu peso. Tudo parece flutuante e fantasioso, como se não houvesse gravidade.

Eu pisco meus olhos para afastar o embaçado e, depois de um momento, consigo enxergar ao redor. Eu estou sentada em uma cadeira. No meio da piscina. A água iluminada pelas lâmpadas reflete nas paredes e no teto, dando um ar sombrio e balançante ao local já assustador.

Por Trás das Aparências (RETIRADO)Where stories live. Discover now