Elegantes e antiquados

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Segunda carta - 04/12/2012

Cheguei em casa faz dois dias, tomei um Flunitrazepam dormi o vôo inteiro e sem nenhum sinal da minha mãe provavelmente está em algum bar desmaiada em Nova York ou deve ter encontrado o marido número 6.

A pensão daqueles cinco não estão suprindo as necessidades dela, pelo menos consegui arrancar o dinheiro pra minha faculdade.

Eu não sei o motivo de eu estar escrevendo mais uma carta, seria muito mais fácil eu pegar o celular e te ligar, gritar e desligar na sua cara, mas eu gosto desse conceito de escrever cartas.

Carta soa elegante e antiquando para o século XXI.

Somos elegantes e antiquando, Ian. Não é?

Como toda carta mostra um um lado da história, vou mostrar o que pertece ao meu, minha vida, minha história, minhas frustrações, minhas fodidas memórias.

E agora eu sei, ninguém pode rouba-las de mim.

O caminho da casa para a escolar era 15 minutos a pé pelo modo convencional, ou seja, fazendo o uso da calçada como os seres humanos normais fazem. Porém, pulando o muro da casa ao lado encurtava o caminho para 10 minutos e era isso que eu fazia todos os dias durante o período das aulas. Sem muita preocupação, apoiava os meus pés nos fios da barra e escalava o muro e pulava para o outro lado, chegando a outra rua, eu fazia isso desde o dia que eu percebi que minha mãe não iria caminhar comigo para o colégio e ela não se importava com alguns rasgos nas minhas roupas.

Até que um dia, eu sentir duas mãos puxando os meus pés para baixo, fazendo o meu corpo se desequilibrar e ir contra a terra do quintal mal cuidado, sujando minhas vestes, a saia longa azul escura e a polo branca obrigatória do colégio. Subi meus olhos trêmulos para o donos das mãos encontrando um sorriso diabólico.

— Qual o seu problema? — Bufei me levantado tentando limpar a terra impregnada no tecido da saia.

— Esse é o quintal da minha casa.— Ian falou dando volta pelo pequeno espaço que sentia orgulho de chamar seu. —Não é um espaço público para criancinhas, você está invadindo minha propriedade, posso te processar.

— O que é um espaço público? — Perguntei rapidamente com medo do processo.

Mamãe processava várias pessoas e vice-versa.

Respirou fundo e agarrou as alças de sua mochila preto sem paciência. — Sabe a praça da esquina do bairro que sempre tem muita gente brincando, comendo e até fumando? É um espaço público, todo mundo pode usar. Já a sua casa é apenas sua e dos seus pais. Entendeu? Só vocês podem decidir quem entra e saí.

— Acho que lá em casa é um espaço público.— Fiz uma pausa longa pensando. — Entra vários homens com a minha mãe, alguns são cheirosos já outros fedem.

— E seu pai?

— Ele não existe. — Falei com a expressão óbvia apoiando minhas mãos na cintura.

-- Mas então como você nasceu?

Pensei muito tempo tentando lembrar o que a mamãe tinha dito para mim quando fiz essa pergunta. — Cegonha e LSD.

— Legal, eu não tenho mãe.

Meus olhos irradiaram de alegria.

Naquele dia eu conheci alguém igual eu.

Eu não tinha pai e você nem mãe.

Acho que naquele dia eu comecei a gostar um pouquinho de você, por que você não tinha mãe.

365 dias sem eleOù les histoires vivent. Découvrez maintenant