Seu sorriso se alarga ainda mais.

—  Acha mesmo isso? — questiona, ajeitando-se em seu lugar e arrumando a postura.

Meus olhos inconscientemente caem sobre os seus ombros, tentando visualizar a tatuagem mais uma vez. Mas a escuridão do ambiente, junto com o ângulo em que ele está e a miopia não cooperam com isso.

—  Sim, eu acho que sim. — sou sincera, por que é realmente o que acho que aconteceu.

—  E por que pensa assim? — há algo leve em seu tom de voz, o que se torna bem diferente da forma com a qual ele me respondeu assim que ficamos presos aqui dentro.

Então por que eu ainda estou respondendo-o tão seca e centrada, como um robô? Não sei, e eu não sou assim, mas a sua presença me deixa extasiada. Acorda, Angelina! É só um cara!

"O cara por quem você foi loucamente apaixonada! Lembra?" A Angelina adolescente vibra, com os olhinhos cheios de um brilho intenso e completamente inocente.

A Angelina mais centrada encara a sua versão anterior com uma expressão de estranheza, cheia de julgamentos.

"Não ouça ela, isso é passado. Lembra o quanto mudou? Você não é mais aquela garotinha."

E, discretamente, aponta para a Angelina mais nova, que lhe dá a língua. A outra apenas revira os olhos.

—  Acho que era o que seria mais fácil de acontecer. O mais provável. — digo, dando de ombros, apenas expressando a minha visão — O cara estava bêbado, chorando, completamente perdido. A tal Suzane trouxe outro cara com ela, e afinal ela mesma disse que não queria nada sério com ele. Por que iria querer agora? Eu aposto que ele foi rejeitado. É claro que isso é triste, mas é o que eu acho que aconteceu. Uma pena!

William balança a cabeça em modo afirmativo, como para dizer que me entende. Depois, ele mantém-se calado, mas a expressão pensativa em seu rosto me deixa curiosa. No que ele está pensando?

—  Sabe, apesar da tua observação ter sido bem coerente, eu acho que ele conseguiu sim se declarar para a Suzane e ela aceitou ele. — diz de repente, pegando-me desprevenida por que já fazia um certo tempo em que ele havia se calado.

Achei que passaríamos mais algum tempo acompanhados pelo silêncio que sempre se torna presente entre nós dois.

—  E por que acha isso? — decido lhe fazer a mesma pergunta ao qual me fez.

—  Sinceramente? Eu não sei. Pode ser que ele tenha se confessado e levado um fora, pode ser que ele tenha se confessado e sido correspondido, pode ser que ele ainda nem tenha achado ela, afinal, tem muita gente aqui, não é? — sorri — Ou pode ser que, por estar muito bêbado, tenha dormido encostado em algum lugar. São tantas possibilidades. Acho que eu só prefiro acreditar que tudo ocorreu bem.

—  E por que?

Seus olhos estão sobre mim agora. Ah, por que tão intensos?

—  Por que eu não sei, mas eu só acho melhor acreditar que tudo deu certo para o nosso amigo. Acho que ele merece. — William fala, simplesmente.

—  Eu também gostaria de pensar dessa forma- sibilo — Mas pelo que Hector nos falou, Suzane é uma pessoa que gosta de outro tipo de relacionamento. Talvez a monogamia não seja para ela. Acho que o tipo de relacionamento que ela prefere é mais liberal e ele sabe disso. Ele aceitou isso.

—  Você tem razão. — ri e eu confesso que estou gostando da forma com a qual estamos começando a nos comunicar, embora eu ainda esteja travada. — Mas não acha que está sendo um pouco pessimista?

—  Não diria pessimista, e sim realista.

—  E sempre pensa dessa forma, em relação a tudo? — vejo curiosidade com um misto de empolgação e divertimento em sua voz.

—  Não — abro um sorriso, por que é impossível que não o faça. Posso ver a Angelina mais nova com as mãos apoiando o seu rosto e com um olhar sonhador, enquanto a mais madura está encarando-a ranzinza — É mais em relação a relacionamentos.

—  Entendo. — William diz — Mas isso não é ruim?

- Na verdade, não. Evita mágoas e, consequentemente, decepções. - exclamo.

Seus olhos estão mais atentos que antes.

—  Então é uma espécie de auto proteção? — parece ainda mais curioso.

Fico incomodada com a sua pergunta. Espécie de proteção? Não, não é. Quer dizer, é. Mas isso é bom, não é? Já me livrou de tantas decepções em relação à caras por quem me interessei e tive algum tipo de relacionamento. Não é uma coisa ruim, me ajuda bastante. E, mesmo assim, quando ele me pergunta isso, me sinto incomodada.

Decido mudar o foco da conversa, por que, embora estar perto dele me cause uma explosão intensa de sensações, quero - preciso - saber mais sobre ele. Talvez a Angelina adolescente tenha razão, penso. Talvez eu deva aproveitar o momento já que estamos aqui, de qualquer forma. Eu tomo coragem, algo que sei que não tenho muito, e decido lhe perguntar algo que me chamou a atenção desde que ficamos presos aqui.

— Mas e você, está bem? — tento.

Ele me lança um olhar de dúvida.

—  Por que? — É o que escapa de sua boca.

—  Notei que estava meio distante quando chegamos. Sei que me disse que estava pensando sobre quem podia ter nos prendido aqui, mas eu meio que não acreditei. — afinal, ele estava bem mal para quem estava pensando sobre estar preso num banheiro. Parecia algo mais — Você está bem?

Talvez eu não deva perguntar isso, não é? Entretanto, a pergunta já cruzou os meus lábios, e, aliás, já estamos há um bom tempo aqui. Ouvimos as dores de um bêbado, aconselhamos - mesmo que não tenham sido tão bons conselhos - a ele, e ouvimos um casal transar. Depois disso tudo, será que já temos algum tipo de afetividade para perguntar algo um sobre o outro? Eu não sei. Conquanto, só me resta esperar que ele me responda ou não. E agora estou com vergonha. E se ele me achar invasiva? Meu coração está batendo forte, por que a expectativa de saber o que ele irá me responder me deixa desorientada.

Principalmente quando ele está pensando, olhando para mim e colocando o cabelo para detrás dos ombros enquanto, ao que parece, tenta ganhar tempo. O que você fez? Não tinha esse direto de lhe perguntar algo, Angelina. Droga! Agora vamos ficar em um clima muito tenso. Não quero isso. Com certeza ele vai me dizer que eu não deveria me meter na vida alheia. Estou envergonhada. Muito envergonhada.

—  Tem razão, eu menti. — William responde. — Tem haver com a banda. Nós estamos tendo alguns conflitos.

Ele morde o lábio e então passa as mãos pelo rosto, como se estivesse exausto, desviando os seus olhos para baixo.

—  Algum problema com os outros integrantes? — questiono, cuidadosamente, por que não quero ser invasiva, mas sei que, às vezes, a gente só precisa falar sobre o que sente.

Guardar tudo para si pode ser muito perigoso.

—  Mais ou menos. — confessa.

De repente, sinto a sua postura mudar. Ele está novamente mais sério, e a voz, denotando cansaço, só intensifica o seu estado que vai ficando cada vez mais pesado.

Ele está olhando para mim novamente.

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Meu BluesWhere stories live. Discover now