Ela ficara surpresa quando o menino desgrenhado apareceu em Kuroi, mas logo reconheceu que ele era uma cria de Akumi, e seus planos mudaram. Se Akumi queria Mikoto viva a ponto de fazer um segurança, talvez ela também pudesse ser útil a Yasha, então a partir daquele dia, a mulher prosseguiu com seus deveres tomando o cuidado de deixar brechas para Mikoto exercitar seus poderes sagrados.

Só estranhou o fato do menino, que Mikoto batizara de Haku, não ter memória alguma de sua origem, e precisar desenvolver uma personalidade do zero. Nesse ponto, achou que Akumi errara, seria mais fácil se ele contasse a ela a verdade em vez de os dois descobrirem tudo sozinhos e de uma vez quando chegassem.

Talvez assim não seria um choque tão grande, e Mikoto não teria respondido com todo aquele drama, mas de qualquer forma, as chances de ela aceitar se submeter à vontade de Akumi eram mínimas. Yasha ordenara que os youkai fossem mais brutais em seus ataques para dar à menina uma visão unilateral sobre eles.

Sua expressão ficou novamente séria ao parar diante da cadeira.

Era ali que Yasha ficava quando cansava de demonstrar a Ikari o controle que tinha sobre youkai de baixo nível, após horas ou dias dentro dos tubos de vidro, e onde Akumi usava sua habilidade de kitsune para entrar dentro de seus sonhos e colocar informações e conhecimento direto em sua cabeça. Muito tempo de estudo foi poupado com essa ideia, bem como muitas horas de descanso.

Ao lado da cadeira havia um tubo de vidro semelhante aos da incubadora onde as quatro criações de Akumi nasceram, mas aquele era um tubo de êxtase, onde se ficava em animação suspensa. Yasha passou horas e até dias dentro deles para desenvolver mais depressa seu corpo e suas habilidades.

Anos daqueles testes sem fim e sendo tratada como uma arma fizeram brotar algum rancor na jovem Yasha, mas havia uma razão para tudo. Quando estivesse pronta, seria ela a sobrepujar todos os humanos e se erguer acima de todos em nome de seus criadores, era isso que significava ser a Onihime.

O rancor só conseguiu aumentar exponencialmente com o nascimento de Mikoto. Depois de anos de preparo doloroso com o único objetivo de ser a emissária dos youkai e estar ao lado deles para desfrutar da vitória quando voltassem ao mundo humano, de repente tudo isso foi em vão?

Não ia ser aquela fedelha a roubar todo o seu propósito e seu título. Destruiu a incubadora que a gerara, para garantir que aquilo não voltasse a se repetir.

Tirar Mikoto do mundo youkai não foi tão difícil, mas também não foi fácil aguentar Akumi e Ikari ao voltar, ambos tão furiosos que estavam dispostos a dar Yasha de comida a um oni, mas ela conseguiu convencê-los que era o bastante para dar-lhes o que queriam.

Fora bem-sucedida em provar estar certa, bem como em esconder seus verdadeiros planos, realizando perfeitamente sua missão de semear o caos por Yamato. O rancor evoluíra para um incontrolável desejo de vingança, que ela jurou saciar um dia, e durante muito tempo pensara em diferentes formas de apunhalar seus criadores pelas costas e assumir o comando.

Esse lugar traz muitas lembranças desagradáveis. Mantenha o foco. Ela balançou a cabeça.

Agora, com Mikoto, a realização de seu desejo era possível. Com os poderes de uma verdadeira miko a seu lado, as chances de vitória estavam inteiramente com ela, poderia sobrepujar tanto youkai quanto humanos. Ambos os mundos seriam seus para governar.

Por isso orientara seus youkai a atacarem-na sem real intenção de matar, para que ela pudesse exercitar seus poderes sagrados. Precisava que ela ficasse mais poderosa, e seus serviçais foram o meio perfeito para ela se tornar uma verdadeira miko.

Yasha pôs Mikoto na cadeira, e o tanuki largou a naginata no chão a seu lado.

Antes de começar, seria bom garantir que não fosse interrompida, considerando que o guarda-costas ainda estava à solta. Ela manejou algumas alavancas num painel escondido no canto do laboratório e liberou os youkai de segurança para os corredores.

As assistentes de Akumi também serviriam para segurar o menino. Quando vissem as feras soltas, perceberiam que algo estava errado, e defenderiam a ala leste do castelo com tudo o que tivessem.

Terminado o trabalho, Yasha voltou-se novamente para Mikoto. A menina mais parecia uma boneca sentada ali, com a cabeça pendurada e os pés mal encostando no chão.

-- A cena que você fez para Akumi foi muito divertida, eu só queria ter visto a cara dela quando você a mandou calar a boca. Ela mexeu com você mesmo, mas convenientemente omitiu o que sabia da sua pérola. A verdade é que ela mesma não faz ideia de onde essa pérola veio, e sinceramente isso é irrelevante agora.

Yasha estendeu a mão para a pérola. A pedra brilhou e esquentou muito quando seus dedos estavam a centímetros dela, e a mulher afastou-se, sentindo a pele quase queimada. Bufando, ela ajoelhou-se em frente a Mikoto e a ergueu pelo queixo para olhá-la nos olhos, embora estivessem fechados.

-- Você também errou em uma parte do seu discurso, quando disse que não era um experimento dela – Yasha a soltou e a cabeça de Mikoto pendeu inerte mais uma vez – É exatamente isso que nós somos: armas vivas. Eu, você, seu guarda-costas Haku e o gêmeo sem nome dele, meros instrumentos criados pela necessidade de terceiros.

Ela se ergueu em pé novamente e flexionou os dedos.

-- E como bons instrumentos que somos, podemos ser reprogramados e melhorados.

Yasha pôs as mãos sobre a cabeça de Mikoto.

À medida que crescia, a mulher descobriu possuir muitas habilidades em comum com youkai, como a capacidade de se curar mais depressa e sentidos aguçados, e ela chegou à conclusão de que estaria em vantagem se não relatasse todas a Ikari, e as mantivesse em segredo.

Naquele momento ela pôs em exercício um de seus dons que escolhera ocultar de seus criadores: entrar na mente de alguém através de seus sonhos, e reescrever as informações que quisesse.

O Conto da Donzela do SantuárioOpowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz