Prólogo

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   [6/9/2019]

  Ouvi falar de uma garota. Cristina Alves é – era seu nome.

  Ela caminhava apressada por uma rua escura e vazia, com o coração na mão, 11 balas no pente e uma no cano da .40. Então, vindo de longe, avistou os faróis de um carro e apertou ainda mais o passo. Não, não tinha sangue fora dela, mas tinha nas imagens que adicionaria em sua coleção de assassinatos presenciados, tinha sangue em seu cérebro, nos pensamentos, nos olhos, nas narinas, saindo por debaixo das unhas, era como se estivesse mergulhando no próprio cadáver. Eles não poderiam ver, mas ela pode e então começaria a mostrar-lhes o que não podiam ver.

"Querem ver sangue? Então vejam sangue!"

  O conversível chegou mais perto e começou a parar, acompanhando seu ritmo. Dois homens alcoolizados, beirando os trinta anos nos assentos traseiros, e um mais jovem no banco do motorista. Cristina não podia correr, sentia que desabaria se corresse.

  "Oi? Menina!", gritou o motorista.

  "Hum", é o suficiente para saberem que não precisa de ajuda, certo?

  "Tem quantos anos? 19? É 19, né?", é normal perguntar a idade de pessoas que se quer ajudar? Ela achava que não, e não queria ajuda, nem ao menos aparentava ter 19.

  "14”, corrigiu, seca e cogitou correr, mas suas pernas bambas superaram o extinto de sobrevivência e continuou caminhando rapidamente.

  "Agora tem 19, vem, podemos te levar pra casa", disse um deles, o único de cabelo loiro. O carro parou e ele saiu do banco do passageiro lentamente e foi devagar até ela, como se estivesse indo acariciar um panda, o único porém, é que nessa metáfora ele seria um leopardo, com garras afiadas que matariam o panda, que em circunstâncias normais não estaria armado. Andava descontraído, entretanto, era evidente que corria bem mais rápido que ela.

  “Posso ir sozinha”, soou mais firme do que imaginava, de repente começou a perder parte do medo, afinal, bastava puxar a pistola.

  Ele estava chegando perto, mesmo com certeza tendo ouvido sua resposta. Ela parou e começou a digerir os últimos 30 segundos. O que queriam com ela? Não estava aparentemente precisando de caridade, eles não conseguiam ver o sangue. Ou é só rotina dar carona para desconhecidos? Ela tinha certeza que não. Uma vozinha filha da puta sussurrou a frase "fique longe de estranhos" e a mesma voz amplificada e desesperada berrava para quem quisesse ouvir - que no caso era só ela – a provável resposta para suas perguntas: "estupro". Era possível, três homens que estavam minimamente bêbados vêem uma garota magra, sozinha e atordoada quase correndo na calçada. A mesma voz novamente gritava, estourava seus tímpanos por dentro, implorando para ser ouvida.

  “Não tem ninguém aqui para te defender agora”, era a frase da vez, a frase que sempre está na moda em sua mente. Sempre que interagia com qualquer outro ser fora de seu círculo social próximo. “Estranho perigoso!”, era outra mais clichê.

  “Pelo amor de Deus, cale a boca!”, ela respondia para a voz, mas nunca adiantava, controlar os próprios pensamentos era tão difícil quanto controlar o fluxo sanguíneo. Lembrou-se de ouvir pessoas dizendo que “não” era a palavrinha mágica do século, mas e se não aceitassem um “não”? O que fazer?

  Por alguma razão o nome Lilian invadiu seus pensamentos na hora, aumentando os sentimentos de adrenalina. Ainda estavam longe da civilização, mas o silêncio perturbador a fazia ter a sensação de ter escutas nos cabelos e não saber disso.

  “O que vocês querem? É dinheiro?”, fingindo desespero, encontrou uma boa razão para abrir a mochila. Sem intenção e pegar dinheiro nenhum, encontrou a Ponto e equipou o silenciador.

  A garota fez o que seu instinto de sobrevivência mequetrefe mandou, e mirou, já estava começando a se acostumar a segurá-la, não tremia mais e segurava com firmeza, o rosto aparentemente impassível que escondia a quantidade quase irracional de medo que sentia – a quantidade de medo exata que nos torna corajosos o bastante para matar – e era uma sensação maravilhosa, sentia que com o tempo se tornariam amigas, e com sorte não precisaria muito dela. Sua mira era medíocre, mas naquela distância seria impossível errar, a reação do loiro foi imediata:

  "Que porra é essa?!"

  Os outros dois a encaravam com os olhos arregalados, a garota percebeu que o no banco da frente mexia incansavelmente no porta luvas repleto de papéis e cd's, entre eles, ela viu o brilho metalizado de um revólver. E sem pensar muito, disparou um tiro seco na direção dele, que perdeu a consciência logo em seguida de ser atingido no pescoço. Ele caiu em cima da porta aberta do porta luvas, manchou tanto o banco quanto suas roupas de sangue, a bala não chegou a atravessar o corpo, fazendo um estrago muito maior lá dentro.

  Dar tiros é como levar um soco, você sente o primeiro impacto da arma na sua mão, acha que vai cair para trás, que quer cair para trás e acabar logo com isso, mas aí o sangue esquenta, e você se sente bem, sabendo que colocar gelo vai doer bem mais do que levar mais um.

  O loiro continuava paralisado olhando para a garota, um olho nela, um olho no porta luvas e ela achou que se abriria um terceiro na testa para olhar o cadáver também. E então mais um tiro, bem onde se abriria seu terceiro olho, novamente não houve grito.

  O terceiro queria muito ir até o porta luvas, queria correr, o amigo morto parecia criar um barreira de proteção naquela área. Logo ele morreu também, mais por ter sido testemunha e andar com idiotas do que realmente fazer algo.

  A garota retirou o silenciador, ativou a trava de segurança e guardou a arma. Assim, saiu dali com mais calma, mudando constantemente de calçada e fazendo curvas aleatórias, mas mantendo o objetivo de chegar ao seu destino.

  Uma bala no cano, 8 no pente e três cadáveres a mais em sua coleção mental.

A cúpula cor-de-rosa do abajurWhere stories live. Discover now