O Clube da Lua e o Devorador de Sonhos (Livro 2 ✓)

22. A vez em que um jovem órfão recebeu um comunicado da realeza

— Eles não podem agir assim com você, isso é capacitismo! — reagi, indignado, após finalmente entender a situação. — O fato de você agora ter uma deficiência não apaga toda sua experiência anterior! Seus patrões não têm o direito de te tratar como um incapaz!

— Ah, de certa forma, eu entendo o lado deles — Fred admitiu, conformado. — Faz pouco tempo que eu saí da reabilitação, e tem algumas práticas esportivas que realmente exigem um pouco mais do guia, em termos de força física mesmo. Eles não podem colocar os clientes em uma situação de risco, então preferem me dar só as tarefas de criancinha, como ser guia de iniciantes em trilhas mais básicas ou só servir de motorista mesmo — completou ele.

— Isso não justifica — insisti. — Era só colocar outro guia ao seu lado até você se adaptar e ter certeza de que consegue fazer tudo sozinho, ué...

— E pagar duas pessoas pelo trabalho que uma delas daria conta por si só? Eles nunca fariam isso — Fred ponderou. — O lucro sempre vem em primeiro lugar em situações como essa, infelizmente.

Aquela afirmação me fez recordar de que muito em breve seria eu que teria que lidar com aquele tipo de mentalidade empresarial predatória, quando enfim assumisse a empresa do meu pai. E eu não estava nada animado para isso, para ser sincero.

— Você sente alguma dor na perna? — perguntei, sem pensar. Assim que deixei escapar aquelas palavras, percebi, no entanto, que poderia estar sendo muito inconveniente e logo tratei de me corrigir. — Desculpa, acho que fui invasivo, se você não quiser falar sobre isso, não precisa...

— Tá tudo bem, relaxa! — ele me interrompeu, rindo do meu constrangimento. — Não precisa tratar "isso" como se fosse um bicho de sete cabeças. As pessoas parecem ter medo de apontar pra minha deficiência, como se eu fosse me ofender por elas perceberem o óbvio. De fato, é esse quem eu sou agora, então não tem por que fingir que não tenho uma perna a menos.

— É bom saber que você encontrou uma maneira positiva de lidar com essa perda — mencionei. — Mas imagino que tenha sido um longo caminho pra chegar até essa aceitação toda, estou certo?

— Sim, está — ele concordou, com certa tristeza transparecendo em seu olhar pela primeira vez. — Ainda é difícil, pra ser sincero. Cada dia é um novo passo, um novo desafio. E eu felizmente tive muita sorte, porque meu acidente não teve consequências mais graves. Poderia ser pior, bem pior. E se eu não conseguisse mais andar? Você consegue imaginar a dificuldade que deve ser viver numa cadeira de rodas num país como o nosso, que ainda é tão carente em acessibilidade?  —  pontuou meu colega. — Então, tento me concentrar nas coisas boas, nas possibilidades que eu ainda tenho pra reverter tudo isso e seguir em frente. Apesar do acidente, eu ainda sou um privilegiado. Minha família teve dinheiro suficiente pra pagar a reabilitação, as próteses, a terapia... A única coisa que eu gostaria de mudar nessa situação toda é que as pessoas ao meu redor pudessem entender que eu ainda sou o mesmo Fred de sempre, apesar do que aconteceu com o meu corpo. Por isso acho tão importante falar abertamente sobre esse assunto, como a gente tá fazendo agora — completou.

— Não te conheço há muito tempo, mas acho que você tá se saindo muito bem — comentei, com sinceridade. Não sei se saberia lidar com uma situação dessas de maneira tão madura se estivesse no lugar dele. 

— Obrigado — ele respondeu, sereno. — E, quanto à sua outra pergunta, sim, às vezes dói. Eu tenho algumas próteses diferentes, que utilizo de acordo com a atividade que eu vou fazer em seguida, mas o uso por muito tempo pode acabar machucando a parte da minha perna onde elas se encaixam. Mas é mais uma questão de se acostumar e não abusar dos meus limites mesmo.

— Entendi — eu disse, tornando a ficar em silêncio em seguida. A verdade é que eu ainda estava processando todas aquelas informações novas e não sabia muito bem como continuar a conversa para além daquele ponto.