O outro lado da rua

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- Vamos embora cara?

- Ainda tenho que mandar aquela doação para a instituição de caridade – Disse ao meu amigo, e sócio, Seth.

- Que instituição? – Perguntou entrando na sala e sentando-se na cadeira a frente da minha mesa.

- Aquela na África – Respondi enquanto assinava alguns papeis.

Alguns segundos depois diante do silencio, ergui a cabeça encontrando um semblante questionador e sobrancelhas arqueadas.

- O que? – Perguntei confuso.

- Sabia que existem instituições por aqui mesmo? Alias, acho que aqui mesmo na cidade tem algumas.

- Está dizendo que eu não devo ajudar as pessoas na África porque tenho que ajudar as daqui? –Disse sarcástico.

- Não – Revirou os olhos – Estou dizendo que não adianta fechar os olhos para os necessitados a sua volta e dar algum dinheiro para outros apenas por aparência diante da sociedade e achar que já fez sua parte e está tudo bem. É mais fácil mandar um dinheirinho e se sentir bem do que ir lá e ajudar de verdade?

- Você sabe que não é assim, Seth. Ajudar uma única pessoa necessitada não faz diferença – Eu disse exasperado.

- Faz diferença na vida dela – Rebateu.

-Eu sei, mas não é o bastante, isso não traz a repercussão necessária para a empresa – Suspirei cansado.

- Me desculpe. – Disse se levantando - Não sabia que a repercussão era mais importante que ajudar o próximo... Bem, já vou. Boa noite, Edward! Até segunda – Despediu-se e se foi encostando a porta atrás de si.

Suspirei e me recostei na cadeira. Não podia negar que havia algumas verdades no que dissera Ian, porem não eram assim tão mesquinhas as coisas. Eu apenas não sabia como ajudar colocando a mão na massa, e a empresa realmente precisava dela visibilidade no mercado, e alem do mais eu não sabia como interagir com aquelas pessoas. Eu devia demonstrar pena? Mas isso não seria ainda mais constrangedor para elas? Eu deveria sorrir e dizer que iria ficar tudo bem? Por Deus, tanto eu quanto elas sabíamos que não iria ficar tudo bem. Quem eram os verdadeiros necessitados e quem eram os que apenas se aproveitavam?

A verdade era que eu não fazia ideia de como me comportar com essas pessoas. E que Deus me perdoe, mas sim, era mais fácil dar algum dinheiro e deixar a responsabilidade das vidas desses desafortunados nas mãos de outras pessoas.

Com um suspiro cansado, guardei minhas coisas e tranquei o escritório, já que eu passara do horário e Ângela, minha secretaria, já havia ido embora.

A noite estava um pouco fria, era inicio do inverno em Manhattan. Meu carro estava na oficina e resolvi ir andando para casa, afinal, era perto do escritório e estava no inicio da noite ainda. Faria bem um pouco de caminhada.

Eu só não contava com os sem teto, drogados e prostitutas pelo caminho. Era incrivelmente fácil ignorar-los quando se estava dentro de um carro com uma estrutura extremamente forte lhe protegendo do mundo do outro lado da rua. Mas aqui, onde esta proteção física é inexistente e se pode ouvir claramente suas vozes e gemidos, sentir o cheiro misto de drogas e outras substâncias, quase sentir o calor emanado de seus corpos frágeis e maltratados, ignorá-los não é uma opção. Não aqui onde a miséria e desumanidade exigem ser notadas.

Sentia-me extremamente incômodo, como se eu estivesse cruzando o outro lado de um muro invisível criado pela sociedade, invadindo um lugar estranho a mim. Como se fosse um mundo paralelo, que de certa forma horrível, não deixava de ser exatamente isso.

O contraste era aterrorizante.

Apressei o passo inconscientemente.

- Senhor, você pode me ajudar?

A voz mal passava de um sussurro, mas eu estava tão apreensivo que tive um pequeno sobressalto.

- Está frio e não tenho onde dormir. Há algum lugar que você possa me indicar?

Continuei andando sem olhar para trás e fingi que não a ouvi. E em um ato que ate hoje não posso explicar, talvez movido pelo susto do fato de ela estar falando diretamente comigo, comecei a assoviar e atravessei a rua, embaraçado por estar ali.

Acho que na minha mente, eu tava invisível, apenas eu podia observar tudo e ouvir suas conversas sussurradas e incompreensíveis. E a compreensão do fato de que eu também estava sendo observado e estudado, devo admitir, vergonhosamente, me assombrou.

Repreendi-me amargamente, eles não eram criaturas estranhas de contos infantis que eu temia quando criança. Eras apenas pessoas, tão humanas quanto eu.

O resto do caminho foi mais confortável, as ruas estavam mais movimentas e sem sinais de mendigos. Logo me encontrava em casa. E depois de um bom banho e uma refeição me entreguei ao cansaço e ouvi aquela voz ecoando nas minhas lembranças antes de cair completamente na inconsciência.

Já era de manha, e o sol entrava pela janela que eu me esquecera de fechar noite passada.

Depois de um banho rápido para despertar, chamei um taxi e fui para a casa dos meus pais como fazíamos todos os finais de semana livre, eu e meus irmãos Alice e Emmett.

Durante o trajeto me peguei pensando no episodio da noite anterior, mas rapidamente afastei a lembrança, me surpreendendo com o quão fácil era fazer isso.

Assim que cheguei a casa fui entrando, afinal não havia necessidade de tocar a campainha.

- Então agora vou sempre levar dois lanches! – Ouvi a voz animada e infantil de minha sobrinha conforme adentrava a sala.

- Dois lanches? Não está comilona demais, Bree? – Comentei me fazendo presente.

- Tio, Edward! – Gritou a pequena correndo e se jogando no meu colo.

- Como vai, pirralha? – Perguntei alisando seu cabelo cheiroso.

- Não me chame assim! – Ralhou ela puxando meu cabelo com toda força que possuía uma garotinha de seis anos minúscula.

- Okay, okay. Desculpe, senhorita. – Ri colocando-a no chão e cumprimentando meus pais, irmãos e seus respectivos marido e namorada.

- Então, para que vai levar dois lanches, Bree? Cabe tudo isso ai? – Perguntei me sentando no sofá ao lado de minha mãe e passando meu braço sobre seus ombros.

- Não é tudo para mim, bobinho. – Respondeu ela com uma risadinha. Ergui as sobrancelhas para minha irmã em uma pergunta muda.

- A família de um coleguinha da escola da Brianna esta passando por dificuldades, e ela quer levar lanche para dividir com ele.

- Ele pediu seu lanche, Bree? – Perguntei me virando para ela.

- Não tio, nunquinha. Mas as vezes eu vejo que ele ta com fome, então perguntei para mamãe se ela me desse um pouco mais ia faltar em casa e ela disse que não. Se eu tenho mais que ele, então posso dividir, ai ele não fica mais triste e vai ter força pra brincar comigo! – Contou ela empolgada dando pulinhos.

- É meu orgulho essa criança. – Disse meu cunhado a pegando no colo.

- Nosso orgulho, Jasper, nosso. – Concordou minha mãe sorrindo.

- Hey, eu não sou o orgulho de ninguém? – Choramingou meu irmão fingidamente.

- Ah, não chora. Você é meu orgulho, titio lindinho – Disse a pequena subindo no seu colo e depositando um beijo estalado em sua bochecha.

- Ah, agora sim! – Riu fazendo cócegas nela que chorava de rir.

- Okay, okay. Solte minha sobrinha, Emmett, evamos tomar café – Disse minha cunhada, Rosalie, tirando a criança do colo do seunamorado e caminhando até a cozinha, sendo seguida por mim e o resto dafamília. 

Outro Dia no ParaísoWhere stories live. Discover now