5. Manuela

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24 de dezembro de 2014, às 20h47

Esperei por algum sinal de vida de Nathan nos dois últimos dias, nem que fosse um emoji retardado no Whatsapp — ele era viciado neles, às vezes todas as suas respostas eram, irritantemente, reduzidas a carinhas. Ainda ensaiei algumas piadas para quebrar o gelo, mas nada parecia certo para o momento. Não era hora de fazer graça para conseguir atenção, quando meu melhor amigo estava puto da vida comigo.

Eu até entendia a reação de Nathan, só achava que ele estava sendo infantil pra caramba fugindo de mim dessa maneira. Podíamos estar aproveitando os últimos momentos juntos antes de eu ir embora, mas ele preferia curtir a sua fossa, jogando a culpa em mim. Enquanto eu preferia fingir que nada me abalava e jogava a culpa nele.

A verdade era que nós dois éramos patéticos.

E, agora, eu só queria que ele estivesse ali, naquela festa que estava batendo o recorde de chatice sem ele. Nem pensava na carona que, de acordo com o meu plano nada infalível, ele teria que me dar até a rodoviária na cidade vizinha. De lá, eu pegaria o ônibus para outra cidade ainda mais longe. Muito mais longe.

O meu plano. Repassei-o na cabeça e cada vez me convencia mais do quanto era falho e bem idiota, por várias razões:

1. Meus pais. Eles iriam até o inferno papear com o bicho lá para saber onde eu tinha me enfiado. Eu sei que eles me encontrariam, mas sei também que, independente da loucura que eu estava fazendo, me entenderiam. Então por que não sentar e conversar com eles? Isso eu não sabia.

2. Eu não tinha muito dinheiro. Como estava prestes a fazer 18 anos, conversei com a gerente do banco, que liberou que eu raspasse a minha poupança. Ela amava ler romances melosos e bem sapequinhas, segundo algumas capas que já a vi segurando. Quando eu disse que daria de presente para os meus pais alianças de renovação de votos de casamento, ela suspirou e só faltou soluçar de emoção.

3. Eu não tinha quem me ajudasse na cidade para onde ia. Teria que me virar para descolar um lugar para morar e um emprego.

4. Eu nunca morei sozinha. Eu não sabia cozinhar, cuidar de casa, nada disso. Não nasci com esse gene, não dava para forçar a natureza.

5. Eu nunca trabalhei. Na verdade, não sabia com o que queria trabalhar, não tinha nem a mais remota ideia.

6. Eu nunca...

Certo. Eu devia parar de enumerar os motivos para desistir. Agora.

Olhei para o relógio mais uma vez. Já era para Nathan ter chegado, termos resolvido a nossa discussão boba e estarmos tentando nos divertir. Mesmo com essas músicas irritantes de Natal, esse frio que nos fazia trincar os dentes e quase perder os movimentos, essas pessoas que não paravam de dizer o quanto crescemos e essas crianças que pareciam ter engolido bateria de tanto que quicavam por todo lugar.

Mas lá estava eu, sozinha, com a minha mochila nas costas, observando todos felizes no salão principal da cidade exageradamente enfeitado com laços vermelhos, bolas douradas, renas que mais pareciam unicórnios, pisca-piscas multicoloridos em formas de sinos e — oh, meu Deus — um presépio novo, grande, com Jesus, Maria e José com a pele em um tom esquisito de rosa.

Não havia um item sequer que remetia a Papai Noel, em respeito a Allan.

Consegui achar os meus pais no meio daquele monte de gente. Eles estavam de mãos dadas e conversavam com o padre Antônio. Como se percebessem que eu os observava, se viraram e sorriram para mim.

Meu coração ficou pequeno e se perdeu em algum lugar dentro do meu peito.

Era para Nathan estar ali. Ele sempre sabia como encontrá-lo.

Onde Encontrei Meu LarOnde as histórias ganham vida. Descobre agora