6. Nathan

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24 de dezembro de 2014, às 22h25

 — Você está ridículo — Jonas falou assim que saí do banheiro vestido com a fantasia.

Eu não respondi, porque, quando me olhei no espelho, vi que ele tinha razão. Eu nunca seria um Papai Noel tão bom quanto Allan. Eu era magro, alto e sardento demais para convencer. No máximo, eu daria uma boa tentativa de Papai Noel, e só. Mas isso não importava no meu plano. Era o que eu esperava.

— Me diz por que você está fazendo isso mesmo? — Jonas perguntou, enquanto fuçava na minha prateleira de action figures e tirava tudo do lugar.

Eu tinha um pouco de agonia quando as pessoas mexiam nas minhas coisas. Isso era péssimo, porque meu quarto era uma grande zona, repleto de colecionáveis, CDs, livros e pôsteres de super-heróis em todas as paredes.

— Quantas vezes eu vou ter que falar pra não tocar nos bonecos? — falei, arremessando um travesseiro nele. — A Manu me disse que tudo aqui remete a Allan, e ela vem evitando cada centímetro da cidade por onde ele passou. Talvez eu possa fazê-la mudar de ideia e ver que não precisa ser tão ruim assim. Enfrentar o medo, sabe?

Nos encaramos durante o maior segundo da face da terra. Eu só precisava de uma confirmação de que não estava fazendo besteira. Ele torceu o nariz para mim.

— É um plano suicida, se você quer saber.

Me olhei mais uma vez no espelho e Jonas percebeu que eu havia ficado desapontado com a resposta, porque ele logo disse:

— Mas se ela vai embora mesmo, não custa tentar.

Curto e grosso. Esse era Jonas.

Me lembrei de quando havia conhecido Manu. Estávamos na terceira série, e ela havia me pedido a caixa de lápis de cor emprestado no meio da aula. Eu dissera que não, pois sempre fora apegado demais às minhas coisas. Ela ficou em choque e virou de costas para mim, voltando a conversar com uma amiga. Naquele mesmo dia, quando fui almoçar no refeitório, percebi que a minha mãe não havia me dado o dinheiro para a comida. Então, eu me sentei sozinho, com fome, esperando dar o horário. Até que a mesma garota do evento do lápis de cor apareceu na minha mesa, segurando dois sanduíches. Dissera que seu irmão havia enviado um deles para mim, mesmo eu não merecendo. Só depois eu fui descobrir que ele não fizera nada disso, havia sido ela. Aquilo foi um tapa na minha cara. E, ao mesmo tempo, o começo da nossa amizade.

De repente, eu repensei todo o plano. Será que eu deveria aceitar e aproveitar meus últimos momentos com a Manu em vez de fazer algo arriscado que poderia prejudicar a nossa amizade? Tentei ocupar minha mente com outra coisa, antes que começasse a pensar nisso de forma obsessiva. Eu iria em frente, de qualquer jeito.

Porque eu a amava. E ela precisava saber.

— Você está bem? — Jonas perguntou, quebrando o silêncio. Ele já havia ligado meu videogame e aberto meu pacote de Doritos que estava do lado da TV.

— Sim, por quê?

— Sei lá, você está parado aí encarando o espelho já tem um bom tempo.

Mais uma vez eu me perdera na obscura Nathanville. E já era hora de ir. Meu rosto ficou quente e meu coração começou a bater mais rápido. Jonas percebeu que eu estava saindo, então colocou o controle na cama e desligou a televisão.

— Vai dar tudo certo — ele falou tentando me encorajar.

O que não funcionou, porque, logo em seguida, eu tropecei no tapete e caí de joelhos ao som de um rasgo.

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